07/06/2017
Dados indicam necessidade de maior efetivação e divulgação dos aspectos de proteção, prevenção e acesso a direitos para as mulheres, garantidos pela Lei Maria da Penha, mas cuja implementação pelos poderes públicos segue muito aquém do necessário.
A pesquisa DataSenado sobre a violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil, divulgada nesta quarta-feira (07/06), revela aumento no número de mulheres que declaram ter sofrido algum tipo de violência doméstica: o percentual passou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017.
Houve crescimento também no percentual de mulheres que disseram conhecer alguma mulher que já sofreu violência doméstica ou familiar praticada por um homem: o índice saltou de 56%, em 2015, para 71%, em 2017. Para 69% das entrevistadas, o Brasil é muito machista. São dados que indicam a necessidade de ampla efetivação da Lei Maria da Penha, em especial nos seus aspectos preventivos, que indicam caminhos para promover relações sociais e serviços públicos menos discriminatórios e violentos.
Entre as entrevistadas que se declaram brancas e que afirmaram ter sofrido violência doméstica e familiar, 57% informaram ter sido vítima de violência física e 11%, sexual. Entre as mulheres negras as porcentagens são expressivamente maiores: entre as entrevistadas que se definem pardas, 76% declararam ter sofrido violência física e 17%, sexual; enquanto entre as pretas 65% relataram ter sofrido violência física e 27%, sexual no âmbito doméstico e familiar. Estes dados chamam a atenção para a importância do reconhecimento do peso do racismo na violência contras as mulheres para formulação de políticas públicas mais eficazes.
Confira a seguir os dados da pesquisa DataSenado sobre a Lei Maria da Penha e as medidas para coibir e prevenir a violência, comentadas pela promotora pública Silvia Chakian e pela pesquisadora e socióloga Wânia Pasinato:
Todas conhecem a Lei Maria da Penha, mas apenas parcialmente
No levantamento feito pelo DataSenado neste ano, 100% das entrevistadas afirmaram já ter ouvido falar sobre a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) – o mecanismo legal que garante os direitos das mulheres em relação à violência doméstica e familiar, instaura os deveres do Estado para garantir o direito de viver sem violência e traz ainda diretrizes para implementação de políticas públicas para materializar esses direitos nas diferentes realidades vividas por mulheres no país.
Apesar do dado reforçar que a Lei Maria da Penha é uma das mais conhecidas do país, 77% das entrevistadas dizem conhecê-la pouco, enquanto 18% afirmam conhecer muito.
“Um dos principais avanços sociais desde a aprovação da Lei Maria da Penha ocorreu no campo do reconhecimento da violência doméstica e familiar contra as mulheres e sobre a própria Lei. São avanços inestimáveis, possíveis graças ao intenso processo de divulgação da Lei em campanhas, pesquisas, palestras etc. Os resultados da pesquisa DataSenado confirmam isso: 100% das entrevistadas ouviram falar da lei. Contudo, para quem trabalha pela implementação integral da Lei Maria da Penha, os números divulgados acendem uma luz vermelha sobre a necessidade de se avaliar de forma mais cuidadosa essas iniciativas. Precisamos nos perguntar: o que estamos comunicando para a sociedade? Qual conteúdo estamos transmitindo?”
Wânia Pasinato, assessora da ONU Mulheres, assessora do USP Mulheres e consultora independente em pesquisas aplicadas sobre Gênero, Violência e Políticas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para projetos do governo, de órgãos do Sistema ONU e ONGs.
Capacidade de proteção às mulheres
A pesquisa avaliou também a percepção das entrevistadas sobre o quanto a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar. Para 26%, a Lei protege as mulheres; 53% disseram que ela protege apenas em parte; enquanto 20% responderam que não protege.
Entre as mulheres que disseram não ter sofrido violência, 17% avaliaram que a Lei Maria da Penha não protege as mulheres. Já entre aquelas que afirmaram terem sido vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar, esse percentual sobe para 29%.
Para 97% das mulheres ouvidas pelo DataSenado, o agressor deve ser processado mesmo contra a vontade da vítima.
“Chama atenção o percentual de mulheres que sofreram violência e declararam que a Lei ‘protege em parte’ ou ‘não protege’, percepção essa que pode ter relação: com a insegurança gerada pela falta de implementação de políticas públicas capazes de conferir efetividade ao acesso à segurança pública, apoio psicossocial e às medidas protetivas; e ainda com a expectativa de imposição de penas elevadas ou privativas de liberdade para os autores da violência. Por outro lado, quando 97% das entrevistadas dizem que o agressor deve ser processado mesmo contra a vontade da vítima, a pesquisa revela o acerto da tese defendida pelo Ministério Público, e sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, a favor da ação penal pública incondicionada [aquela que deve ser movida pelo Estado independentemente de representação da vítima] nesses casos em que a violência atinge não somente a mulher, mas todo o espectro social.”
Silvia Chakian de Toledo Santos, promotora de justiça, secretária executiva e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público Estadual de São Paulo.
A pouca confiança na proteção indica a necessidade de uma implementação integral da Lei Maria da Penha – ou seja, que ela se traduza em políticas públicas e serviços que ofereçam alternativas em situações de violência, mas não só: que também ajudem a reverter a desigualdade de gênero e prevenir a perpetuação de relações violentas e discriminatórias.
“Vale observar, por exemplo, essa discrepância entre a crença na capacidade da Lei de oferecer proteção para as mulheres (26% das entrevistadas afirmam isso) e uma sobrevalorização da resposta punitiva – 97% consideram que o agressor deve ser processado independentemente da vontade da vítima. Esses números sugerem que estamos falhando em contar para a sociedade que a Lei oferece muito mais oportunidades de proteção, prevenção e acesso a direitos para as mulheres que podem contribuir para que saiam da situação de violência. Há uma potencialidade transformadora na Lei que não tem sido aplicada e que permanece também desconhecida para a população.”
Wânia Pasinato, assessora da ONU Mulheres.
Importância de não se omitir diante da violência
Entre as mulheres entrevistadas, 90% declaram estarem dispostas a denunciar, caso presenciem um ato de agressão a outra mulher.
O dado reforça a importância da não conivência com a perpetuação da violência doméstica e familiar, não apenas por parte do poder público, como também de toda população.
“A pesquisa mostra um crescimento da conscientização das mulheres no tocante à percepção de gravidade da violência doméstica, revelando menor tolerância e, principalmente, no que diz respeito ao papel de cada uma quando eventualmente presenciar um episódio de violência. Quando a pesquisa aponta que, diante dessa situação, 90% estariam dispostas a denunciar, estamos diante de uma sociedade que evolui da concepção de que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’ para a ideia de que a responsabilidade pela construção de uma sociedade não violenta é de todos.”
Silvia Chakian de Toledo Santos, promotora de justiça.
Sobre a pesquisa Violência doméstica e familiar contra a mulher (Instituto de Pesquisa DataSenado e Observatório da Mulher, 2017)
Desde 2005, o DataSenado aplica, de dois em dois anos, pesquisa
telefônica sobre o tema da violência doméstica contra a mulher. Em
2017, o Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, realizou a sétima edição da pesquisa. Nela, foram ouvidas 1.116 brasileiras, no período de 29 de março a 11 de abril. O levantamento foi realizado apenas com mulheres com 16 anos ou mais, residentes no Brasil e com acesso a telefones móveis e/ou fixos. A margem de erro admitida é de três pontos percentuais para mais ou para menos com nível de confiança de 95%. Acesse o relatório da pesquisa de 2017 na íntegra.
Agência Patrícia Galvão
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