Casamento e união estável são duas maneiras diferentes de se constituir uma família conjugal e não há uma hierarquia entre elas. Uma não é melhor que a outra, nem superior ou inferior. Apenas diferentes. Desde a Constituição da República de 1988, o então chamado concubinato passou a ser denominado de união estável e deixou de ser uma subfamília. Elas se equiparam em suas consequências jurídicas, mas se diferenciam, principalmente, nos direitos daí decorrentes. No geral os direitos são praticamente os mesmos. A principal diferença está na herança entre os companheiros e cônjuges.
Quando o casamento se dissolve pela morte, o cônjuge, necessariamente, receberá herança do morto, ou seja, ele é herdeiro necessário. Na união estável, o companheiro sobrevivo não necessariamente é herdeiro. Isso porque se pode fazer um testamento e destinar os bens a outras pessoas, excluindo o companheiro. E, se não houver testamento, a herança do companheiro é, às vezes, de uma pequena parte, isto é, em um critério diferente daqueles que optaram pelo casamento.
No dia 10 de maio, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento, iniciado no ano passado, declarando que o dispositivo do Código Civil brasileiro (artigo 1.790) que fazia essa diferenciação é inconstitucional. O assunto é tão polêmico que há divergências dentro do próprio Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e do STF, que teve três votos divergentes. Como se vê, Direito é interpretação. E interpretação é subjetiva. Os juízes são imparciais, mas não são neutros. Portanto, suas convicções jurídicas são contaminadas pela subjetividade, isto é, pelas convicções particulares, morais e religiosas de cada julgador. E assim não foi diferente com esse importante julgado, que em tudo igualizou união estável ao casamento.
O problema dessa igualização in totum, e que vem em nome do discurso da igualdade, é que ela provoca uma interferência excessiva do Estado na vida privada do cidadão. A partir desse julgamento, acabou a liberdade de não casar. Se estou vivendo com alguém, quero fugir das regras rígidas do casamento, busco uma alternativa a ele para constituir minha família e quero escolher que minha herança não vá para minha companheira, não posso mais escolher outro caminho. Com essa decisão, as uniões estáveis tornaram-se um casamento forçado. Esse é o paradoxo desta importante e bem intencionada decisão. Aliás, a regulamentação de união estável é mesmo paradoxal: quanto mais é regulamentada, para aproximá-la do casamento, mais se afasta de sua ideia original, que é exatamente não se submeter a determinadas regras.
A união estável, que era também chamada de união livre, perdeu sua total liberdade com o referido julgamento do STF, ao equiparar todos os direitos entre as duas formas de família. Isso significa o fim da união estável, já que dela decorrem exatamente todos os direitos do casamento. A partir de agora, quando duas pessoas passarem a viver juntas, talvez elas não saibam, mas terão que se submeter às idênticas regras do casamento, exceto em relação às formalidades de sua constituição.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
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