22/08/2017
Uma metodologia inédita está sendo utilizada na solução de conflitos domésticos em Belo Horizonte. Batizada como “audiência de fortalecimento” por seu idealizador, o juiz Marcelo Gonçalves de Paula, a prática dá oportunidade à mulher de dizer ao agressor, que só escuta, tudo aquilo que sempre a incomodou e a oprimiu durante o tempo em que tiveram um relacionamento conturbado.
Essa nova modalidade de audiência tem sido realizada nas ações de medidas protetivas que tramitam na 14ª Vara Criminal – especializada em crimes previstos na Lei Maria da Penha –, nos casos em que o agressor é reincidente no descumprimento de medidas protetivas já aplicadas anteriormente. “Ela fala; ele escuta, somente”, conta o juiz Marcelo de Paula, titular da vara.
A prática tem o objetivo de “desconstituir uma das principais bases do machismo, que é a submissão”, explica o juiz. Nesse contexto, a proposta do projeto é estimular “a inversão dos valores vigentes: fazer com que a mulher saia da posição de vítima e assuma um papel de protagonista da mudança”, acrescenta.
Em cada caso, a conveniência de realizar esse tipo de audiência é avaliada pelo Ministério Público (MP), pela Defensoria Pública (DP) e pelo juiz, e deve haver consenso. Desde o início do projeto-piloto, 19 audiências já foram realizadas, e em nenhum caso houve reincidência.
A ideia para criar esse procedimento, segundo o juiz, veio depois de ele observar a relação entre agressor e vítima. O magistrado percebeu que uma das grandes bases da relação que resulta num ato de violência é a submissão, além da consciência, por parte do agressor, do medo que a vítima sente dele.
Na audiência, a mulher é então convidada a falar o que quiser. “Disse que ele não era meu dono, que aquilo que ele estava fazendo não era papel de homem, que ele devia me respeitar e respeitar os nossos filhos. Fui falando por quase uma hora; não sei de onde tirei tanta força”, contou Antônia à jornalista Regina Bandeira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o juiz, outra mulher que participou do projeto escreveu uma carta que foi lida ao ex-companheiro.
A metodologia proposta muda paradigmas no atendimento dado pelo Estado à mulher em situação de violência doméstica. Até então, explica o juiz, vítima e agressor não se encontravam, preferencialmente. Para ele, no entanto, em determinados casos é importante que esse encontro aconteça. Após 11 anos de vigência da Lei Maria da Penha, o juiz acredita que seja a hora de pensar novas formas de enfrentar o problema da violência doméstica.
A coordenadora do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública, Maria Cecília Oliveira, destaca que a audiência de fortalecimento é capaz de tirar a mulher da situação de “eterna vítima”. “Muitas vezes, com o intuito de proteger, acabamos fazendo com que a mulher nunca abandone o papel de vítima. E não é essa a intenção da Lei Maria da Penha. A lei não é assistencialista, protecionista, ela é empoderadora”, explica a defensora.
Essa nova forma de enfretamento à violência doméstica não se restringe à realização da audiência de fortalecimento. O juiz explica que depois desse encontro o agressor é obrigado a frequentar os grupos reflexivos promovidos pela Polícia Civil. As sessões, em grupo, são realizadas com o apoio de uma equipe multidisciplinar. Já a mulher é encaminhada para um instituto de apoio, que também conta com uma equipe multidisciplinar e é ligado à Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese). Após essas etapas, o juiz retoma o caso e analisa se outras medidas precisam ser tomadas.
O juiz Marcelo Gonçalves de Paula, que também é integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv) do TJMG, conta que o órgão apoia o projeto e que a 3ª Vice-Presidência do TJMG estuda a inclusão da ação no Projeto de Justiça Restaurativa em andamento no TJMG.
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