Alex Newman
Da PRI (Rádio Pública Internacional)
2 setembro 2017
Em um porão apertado da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, uma equipe de mulheres trabalha para documentar a rica história de suas predecessoras, mulheres astrônomas.
Mais de 40 anos antes de as mulheres americanas ganharem o direito ao voto, elas se destacavam no Observatório de Harvard College fazendo grandes descobertas sobre o espaço.
Entre 1885 e 1927, o observatório empregou cerca de 80 mulheres que estudavam fotografias de estrelas em chapas de vidro. Elas encontravam galáxias e nebulosas e criavam métodos para medir distâncias no espaço.
Essas mulheres eram famosas - os jornais escreviam sobre elas, e artigos científicos levavam suas assinaturas. Mas, no século seguinte, elas foram praticamente esquecidas.
Porém, uma descoberta recente de milhares de páginas com cálculos escritos por essas astrônomas voltou a jogar luz sobre seu legado.
Cercada de inúmeras fotografias do céu em chapas de vidro, a curadora Lindsay Smith Zrull mostra algumas das melhores amostras da coleção.
Algumas delas, porém, têm autoria desconhecida. Quando Smith Zrull encontra uma combinação entre iniciais inscritas nas chapas e nomes completos em registros antigos de Harvard, ela anota a identificação em um documento criado há 18 meses. Hoje, ela tem cerca de 130 nomes femininos registrados.
"Pouco a pouco, estou conseguindo montar o quebra-cabeça de quem era quem, quem estava aqui e quando, e o que elas estavam estudando", diz a pesquisadora.
Ela aponta para uma chapa de vidro repleta de anotações em quatro cores diferentes. "Um dia, vou descobrir que é M.E.M".
Mas nem todas as iniciais pertencem a cientistas. Algumas incluem assistentes e, em outros casos, esposas de astrônomos que contribuíam com o trabalho de seus maridos.
Dezenas de mulheres trabalhavam com fotografias em chapas de vidro em Harvard. "O que é um número muito surpreendente, considerando que as mulheres ainda estavam tentando obter apoio social para ir para a universidade, mais ainda para trabalhar com ciência", diz Smith Zrull.
Agora, ela supervisiona um projeto de digitalização no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian que tem o objetivo de disponibilizar as chapas de vidro para o mundo.
Desde 2005, um aparelho customizado está atravessando a coleção de mais de meio milhão de chapas datadas de 1885 a 1993. A equipe digitaliza 400 chapas por dia - e está mais ou menos no meio do caminho agora. Smith Zrull estima que faltam ainda cerca de três anos para a tarefa ser concluída.
Caixas de histórias
Conforme a digitalização prosseguia, a curadora do projeto passou a se debruçar sobre os cadernos deixados pelas predecessoras.
"Eu comecei a fazer uma investigação e em algum momento cheguei a provas de que podemos ter caixas armazenadas em outros locais, o que é muito comum em bibliotecas ao redor de Harvard".
Ela encontrou 118 caixas, cada uma contendo entre 20 a 30 livros.
Dentro destas, havia mais cadernos das antigas astrônomas, assim como desenhos rascunhados de planetas e da Lua.
Para resgatar esse legado, Smith Zrull angariou o apoio de bibliotecárias, que hoje fazem um intenso trabalho de catalogação dos achados, sob o nome de projeto PHAEDRA ("Preservação de Dados e Pesquisas Antigas em Astronomia de Harvard", na sigla em inglês).
Mas, em meio ao trabalho com as chapas de vidro, Smith Zull fez uma nova descoberta: encontrou um catálogo de livros escrito à mão de 1973.
"Em algum momento em 1973, alguém que pensamos se chamar 'Joe Timko' mexeu em todas essas caixas minuciosamente e registrou a maior quantidade de informações que pôde", diz a bibliotecária Daina Bouquin.
E então, alguém encontrou uma versão datilografada do catálogo de 1973, acompanhada de um bilhete dizendo "Finalmente feito! Rachel". Na última página, havia uma indicação manuscrita para um arquivo de computador - uma planilha em um servidor de Harvard que não havia sido acessada desde 2001. A descoberta acelerou o projeto de digitalização por meses, se não por anos.
"Obrigada, Joe Timko e possivelmente Rachel, onde quer que estejam", brinca Bouquin.
Cerca de 200 volumes já foram transcritos. Há muitos mais por vir - quase 2,3 mil.
Bouquin espera que o público ajude a transcrever os livros, mas antecipa que ainda serão necessários anos para que tudo se torne legível.
"Você poderá fazer uma pesquisa completa no texto deste estudo", diz Bouquin. "Se você procurar por Williamina Fleming, não vai apenas encontrar uma menção dela em uma publicação onde ela não era a autora. Você vai encontrar o trabalho dela".
Pioneira
Fleming é a primeira pesquisadora famosa de Harvard. Ela se mudou da Escócia para os Estados Unidos no final da década de 1870.
Durante a gravidez, Fleming foi abandonada pelo marido e encontrou trabalho como empregada na casa de Edward Pickering, o diretor do observatório. Em 1881, Pickering a contratou para trabalhar no observatório.
Ela descobriria a Nebulosa Horsehead, desenvolveria um sistema para classificar as estrelas com base no hidrogênio observado em seus espectros e também lideraria outras cientistas mulheres.
A Biblioteca Wolbach inaugurou uma exposição, no início de julho, com amostras do trabalho de Fleming, incluindo o livro de registro contendo a descoberta da nebulosa.
"Quando (a Nebulosa Horsehead) foi descoberta, era apenas uma pequena 'área de nebulosidade em uma estrutura semicircular'", diz a bibliotecária Maria McEachern, que ajudou a equipe a classificar os cadernos.
"Anos depois, ficou conhecida como a Nebulosa Horsehead", diz McEachern. Quem levou o crédito pela descoberta foi um cientista homem de outra instituição, que deu nome à nebulosa.
"Foi só recentemente que as pessoas têm feito mais pesquisas e descobriram que, sim, ela foi quem realmente encontrou (a nebulosa)".
Marcos para a ciência
Mas Fleming foi apenas a primeira de diversas mulheres a deixar sua marca na astronomia.
Em 1895, Pickering contratou Henrietta Swan Leavitt. Ela foi encarregada de medir e catalogar o brilho das estrelas. Sua principal descoberta, um método para medir a distância no espaço, agora é conhecida como "Lei de Leavitt".
Já Annie Jump Cannon se juntou ao observatório em 1896 e trabalhou lá até 1940. Cannon criou o sistema de Harvard para classificação das estrelas, que é a base do sistema ainda em uso hoje.
Cecilia Payne-Gaposchkin chegou ao observatório em 1923 e obteve um doutorado da Radcliffe College (FC) em 1925, mas lutou para obter o reconhecimento de Harvard.
Durante anos, ela não tinha uma posição oficial, servindo como assistente técnica do então diretor Harlow Shapley de 1927 a 1938. Somente em meados da década de 1950, ela se tornou professora titular e, mais tarde, a primeira mulher a dirigir um departamento na universidade.
E por causa da descoberta de Smith Zrull, a transcrição de cada um desses testemunhos está em andamento.
"Elas sempre estiveram ali"
"Eu gosto de pensar que a resiliência tem um longo fôlego, mas acho que algumas dessas mulheres vão um pouco além do que pensamos quando falamos em superação", diz Bouquin.
Tanto Bouquin quanto Smith Zrull dizem que querem dar às jovens mais exemplos como as pioneiras de Harvard.
"Sim, olhe para Sally Ride, olhe para mulheres modernas com as quais as pessoas costumam associar as ciências espaciais, mas vá mais longe", diz Bouquin. "Elas sempre estiveram ali".
Smith Zrull - que odiava aulas de história na adolescência - conta que teve muitas dificuldades para encontrar mulheres que a encorajassem.
"Realmente precisei de muito tempo para começar a encontrar mulheres com as quais eu me identificasse", diz Smith Zrull. "Acho que mais mulheres precisam saber: você não está sozinha, você é capaz".
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