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terça-feira, 12 de setembro de 2017

Humanas fragilidades - Por Lucélia Braghini, psicodramatista do SOS Ação Mulher e Família, para Wall Street International

A função reguladora dos contrários

11 SETEMBRO 2017, 
Wall Street International
Frágil

Frágil

Nada mais humano do que sentir medo, raiva, alegria, amor, ódio, insegurança, ciúme, inveja, vergonha...

Nada mais comum do que negar a expressão ou a existência destes sentimentos, principalmente quando se trata daqueles que são negativos. Inclusive, reconhecer que se está amando muitas vezes é sentido como uma ameaça, pois pode levar à sensação de aprisionamento no vínculo ou nos colocar na condição da mais absoluta vulnerabilidade (sentimos que depender do amor e do afeto de outra pessoa nos coloca à mercê do outro).


Fato é que na sociedade em que vivemos precisamos ter tudo “sob controle”. Não podemos admitir fragilidades. Isto é para seres fracos, inferiores. Ser forte significa estar o mais longe possível daquilo que é a nossa condição humana mais básica e fundamental.

Assim, negando aquilo que somos, vivemos da aparência de uma suposta racionalidade onde tudo parece estar bem. Na verdade, ‘varremos’ nossos sentimentos para baixo do tapete e passamos a funcionar como se nada tivesse acontecido e como se a vida fosse apenas a ilusão de nossas aparências. E continuamos assim até o advento de uma crise psicológica, um grave problema de saúde, algo que nos faz parar e que nos revira do avesso.

Nessa altura, Jung vem em nosso auxílio com o conceito de enantiodromia. Na realidade, quem primeiro se referiu ao assunto foi Heráclito, que descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Chamou-a de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que «um dia, tudo reverte em seu contrário». Jung (1987) aplicou o termo à emergência de opostos inconscientes correspondentes aos pontos de vista mantidos ou expressos pela consciência. Se uma tendência extrema, unilateral, domina a vida consciente, oportunamente uma contraposição igualmente poderosa se erige na psique.

Esse conhecimento nos é valioso particularmente no exercício do papel de terapeuta. A rigor, para ajudar alguém devemos ter um suposto equilíbrio emocional e devemos estar ‘resolvidos’ com nossas fragilidades. No entanto, o terapeuta também parte de uma condição humana e está sujeito a experimentar descompensações. Neste caso, é importante admitir e efetuar a leitura correta de seu estado anímico, assegurando-se de que a distância que mantém de seu cliente na relação terapêutica funciona como uma proteção para ambos.

Existe um aprendizado fundamental no sentido de que ao assumir nossas fragilidades nos fortalecemos. A força constrói-se quando vivenciamos e conhecemos intimamente nossa suposta fragilidade. Lembrando que há uma diferença entre ser frágil e estar frágil. O estado de fragilidade é transitório. O ato de viver é um constante devir. Tudo está em movimento na vida.

Portanto, qualquer que seja nosso ponto de partida, não devemos temer nossas fragilidades, muito menos escondê-las embaixo do tapete. Encarar nossas fragilidades nos faz crescer. Encarar nossas fragilidades nos torna maiores e melhores do que somos.

Lembrando que a forma como tratamos e cuidamos de nossa criança interior está intimamente relacionada com o quão grandes podemos vir a ser. Se vivemos negando as necessidades de nossa criança a fim de tentarmos convencer o juízo social vendendo uma imagem chocha1 do adulto, ela irá gritar e espernear para chamar nossa atenção. Teremos assim maximizados nossos sentimentos de fragilidade. Desta forma, devemos manter um canal aberto de comunicação com nossa criança interior, que está sempre ali a nos sussurrar suas inquietações e impressões do mundo circundante; é ela a responsável por abrir as comportas de nossa criatividade e nosso sentido de realização na vida. Se ela está bem ‘nutrida’, sabemos dar a resposta certa, na hora certa, para a pessoa certa.

Neste caso, o terapeuta, tão humano quanto seu cliente, também traz dentro de si a sua própria criança, que ao mesmo tempo em que lhe dá o senso de adequação, permite-lhe vibrar com as conquistas e avanços do cliente, permite-lhe manifestar no atendimento alegria e tristeza, e ainda, sensibilizar-se com a dor daquele. E nem por isso, perde o lugar de terapeuta.

Estamos todos tentando aprender.

Estamos todos tentando acertar de diferentes pontos de partida.

Estamos todos tentando superar nossas humanas fragilidades para ascender um degrau na escala de evolução do homo sapiens. Mas a semente somente se apropria de seu poder germinativo - o milagre da vida - justamente quando nos debruçamos sobre nosso lado sombrio e percebemos que somos capazes de emergir inteiros desse mergulho, apesar do medo.

Notas
1 Imagem sem consistência. Sementes chochas são aquelas que não possuem o poder de germinação

Referências:
Jung, C. G. - Psicologia do Inconsciente. In.: Obras Completas de Carl Gustav Jung. Vol. VII / 1. Petrópolis, Editora Vozes, 1987.

Lucélia Braghini
Lucélia BraghiniPsicóloga psicodramatista, atua no SOS Ação Mulher e Família desde o ano de 1984. Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Autora do livro “Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Thanatos”.

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