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sábado, 6 de janeiro de 2018

“The Square”: quando um homem descobre que não é quem imagina ser

Nova provocação do diretor de Força Maior, Ruben Östlund, está na lista final do Oscar

Força Maior, que concorreu ao Oscar de produção estrangeira em 2015, é um desses filmes feitos não só para iniciar conversas, mas para fornecer combustível de sobra para elas. Nele, o diretor sueco Ruben Östlund punha um casal jovem e fotogênico, com um lindo casal de filhos, em férias numa estação de esqui nos Alpes. Na hora do almoço, no terraço do hotel, eles observam uma das avalanches provocadas por detonação, para evitar deslizamentos maiores. Mas então a avalanche vem, e vem, e parece estar fora de controle e prestes a engolir o hotel. A mulher mergulha para baixo da mesa, protegendo os dois filhos com o próprio corpo; o marido sai correndo, dá meia-volta, pega o iPhone, e aí sim dá no pé, sem nem lembrar que tem família. A avalanche não passa de alarme falso. Mas as férias, claro, desmoronam em meio a outras avalanches – as acusações dela, a negação dele. Numa cena genial, que prenuncia a reação da plateia à saída do cinema, um casal de amigos se vê no meio da briga dos dois e então começa sua própria briga: “Aposto que você faria o mesmo”, diz a namorada; “De jeito nenhum”, retruca o namorado, e eles se engalfinham como se tivesse acontecido com eles. Agora, Östlund volta com uma nova provocação, embora de apelo bem mais restrito, e novamente está na lista final do Oscar. Em The Square – A Arte da Discórdia, Christian (Claes Bang), curador de um museu de arte moderna em Estocolmo, enfrenta as consequências de uma dupla armadilha moral. E, como o marido de Força Maior, descobre que não é a pessoa que imaginava ser.
The Square – A Arte da Discórdia
(Pandora Filmes/Divulgação)
Logo no começo, Christian é vítima de um golpe muito curioso numa praça da cidade – tão curioso que ele só percebe que foi golpe quando constata que o celular e a carteira foram roubados. Com o GPS, ele localiza o celular num edifício cheio de apartamentos. Em qual deles estará o ladrão? Um colega de trabalho dá uma ideia que parece ótima, embora seja um desastre: imprimir várias cópias de uma carta ameaçadora e distribuí-las por todas as caixas de correio do prédio. É óbvio: vai rolar dano colateral. De tão atarantado com o furto, Christian deixa passar sem ver uma peça promocional também ela desastrosa para a nova exposição do museu. A instalação The Square é uma dessas obras conceituais que certos museus adoram – um quadrado no chão onde todos devem ser ajudados e não pode haver discórdia etc. etc. A peça que Christian deixa passar, porém, é um vídeo que mostra uma criancinha sendo feita em pedaços por uma bomba dentro do quadrado. O vídeo viraliza e, naturalmente, chovem reclamações – e, depois delas, consequências. E, quanto mais Christian tenta se desembaraçar das burradas, mais se enrola nelas, e mais nós vai criando.
The Square – A Arte da Discórdia
(Pandora Filmes/Divulgação)
As questões que Östlund levanta em The Square são, na essência, tão primordiais quanto as de Força Maior: a diferença entre pretender ser (que é a lógica da correção política) e ser de fato, e entre crer-se alguma coisa e agir com princípios verdadeiros. O ambiente do filme – o museu com aquelas instalações feitas de montinhos de terra (o faxineiro varre alguns deles, para desespero dos funcionários), o jantar de gala com um artista performático imitando um macaco e afrontando os convivas bem-vestidos –, entretanto, talvez restrinja o interesse pelo filme. E também a estrutura de The Square, feita de círculos que vão se alargando e levando da sátira ao drama, é menos direta que a de Força Maior. Mas, no fim, tudo isso é mais pano de fundo do que qualquer outra coisa. O fundamental – a maneira como Christian vai conseguir, ou não, restaurar sua opinião sobre si mesmo – poderia se passar em qualquer ambiente, em qualquer lugar. E é muito, muito bom.

Trailer

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