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domingo, 20 de julho de 2014

Depoimento: “Meu professor arrancou minha virgindade”, diz Aurora, 35 anos, terapeuta*

18/07/2014
por Letícia González

"Fiquei chocada, paralisada, não consegui chorar. Entendi tudo na hora: ele não se importava, não sentia nada daquilo que dizia. Queria apenas um troféu e estava ali ganhando-o, às custas da minha dor e da sensação de romper o meu hímen"

"Eu tinha 17 anos quando aconteceu. Era virgem, não tinha namorado e morava com meus pais. Ele tinha 44, era diretor de teatro, dava aulas em uma escola importante da cidade, montava peças com adolescentes (sempre muitas meninas) e não cobrava nada por isso. Era charmoso e estava sempre envolvido com uma das alunas.

Na época em que o ataque aconteceu, a escolhida da vez era eu. Ele ia me visitar na saída da escola, escapava do trabalho no meio da tarde para me ver e se dizia apaixonado. Para mim, tudo aquilo era novo. Ele me tratava como ninguém havia me tratado até então: como uma mulher. Eu, que era uma adolescente carente, em todos os sentidos, mas, principalmente, de uma figura masculina (meu pai sempre foi ausente), me deixei envolver. Em menos de três meses em seu grupo de teatro, aceitava as caronas e os beijos que ele me dava dentro do carro.

Hoje, olho para trás e percebo que ele tinha um método. Escolhia dirigir jovens para estar próximo de meninas com o meu perfil, abertas e curiosas. Numa das caronas, sugeriu irmos a um motel, para que pudéssemos ficar a sós. Eu disse que era virgem e que não transaria de jeito nenhum, mas ele garantiu que isso não era um problema. ‘Só vai acontecer o que você quiser’, disse. Repetiu a promessa várias vezes, de forma doce, e eu acreditei. Topei.

Na recepção, ninguém pediu a minha identidade. Já no quarto, ele voltou a se declarar e disse que era um privilégio me mostrar a vida de mulher e não mais de menina. Fiquei assustada e respondi que não me ‘tornaria mulher’ naquele dia de jeito nenhum. Ele repetiu a mentira: ‘Claro que não. Só vai acontecer o que você quiser’. Sentados na cama, começamos a nos beijar e, num dado momento, ele levou a mão até minha calcinha e tentou baixá-la. Eu disse ‘não!’, mas a partir daí tudo foi muito rápido e brusco. Ele arrancou a calcinha com força e avançou sobre mim. Tentei me desvencilhar, mas ele segurou minhas mãos com as dele e jogou o peso do corpo sobre o meu de forma que eu não conseguia me mexer. Antes que eu abrisse a boca para gritar, ele me penetrou.

Fiquei chocada, paralisada, não consegui chorar. Entendi tudo na hora: ele não se importava, não sentia nada daquilo que dizia. Queria apenas um troféu e estava ali ganhando-o, às custas da minha dor e da sensação de romper o meu hímen. Mil coisas passaram pela minha cabeça. Pensei que era melhor não reagir para que aquilo acabasse logo. Fiquei decepcionada comigo mesma, me senti burra. ‘Não acredito que isto esteja acontecendo. Ninguém vai acreditar em mim também’, pensava.

Depois que ele gozou – foi rápido, acho que não durou nem 1 minuto –, se levantou e acendeu um cigarro. Tinha um ar de tutor, como se tivesse me feito um favor. ‘Agora você é mulher’, foi uma das poucas coisas que disse. Já eu só consegui voltar a falar quando desci do carro, quase uma hora depois. Não queria ir para casa e pedi para descer na escola onde estudava balé.

Entrei numa sala de aula vazia e fiquei me olhando no espelho, como se algo em mim estivesse quebrado. Ainda me sentia paralisada, apática, fora do ar. Passei dias em silêncio, não conseguia me concentrar em nada, e o tempo todo me vinha a imagem dele em cima de mim e a minha sensação de culpa, de impotência – como se eu mesma tivesse participado da armadilha. Contei para uma amiga na época, mas não recebi apoio nenhum. Não lembro nem sequer de ela ter dito algo. Hoje penso que ele era um doente metódico porque, logo depois de me estuprar, passou a me ignorar e flertar com outra aluna.

Quase 20 anos se passaram e a agressão marcou todos os meus relacionamentos longos. Depois de um tempo, criava uma aversão sexual aos meus parceiros e os impedia de me tocar. Por anos, vivi o conflito entre a vontade de criar laços profundos com alguém e o medo de que, se fizesse isso, aquela situação se repetiria. Depois que o segundo casamento acabou, decidi ficar sozinha e me tratar. Agora, no terceiro casamento, me sinto pronta para vivê-lo intensamente. Mas quando passo por momentos difíceis, como agora que perdi um bebê, volto a ter sensações parecidas com a que vivi no dia da violência.”

Depoimento a Roni Filgueiras
*Os nomes e profissões foram alterados e as localidades omitidas a pedido das entrevistadas

Revista Marie Claire

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