Por Michele Müller
24 de agosto de 2017
Sentir-se compreendido é diferente de se sentir respeitado. Respeito está entre os deveres, entre o que deve ser aprendido, ensinado e exercitado pela autoridade racional que controla as reações. A compreensão não se impõe: surge das estruturas geralmente escondidas nas profundidades do inconsciente; da disposição de se desprender dos conceitos e definições que moldam o ego enquanto se oferece ao outro, de forma generosa, tempo e atenção.
Identificar aquele que compreende é também uma capacidade que escapa das análises do intelecto. Exige, da mesma forma, tempo, atenção e entrega: só nos sentimos compreendidos quando nos mostramos por inteiro, sem o desgaste de sustentar o que planejamos ser. Nos sentimos compreendidos quando temos a coragem de revelar as fraquezas para descobrir que, refletidas no outro, elas parecem menores e menos estranhas.
O respeito oferece o suporte social necessário para sermos livres. Mas só a compreensão, encontrada nesses espaços entre nosso ideal e nossas falhas, nos recolhe da solidão, possibilitando conexões mais gratificantes. E solidão não significa estar sozinho – uma condição fundamental para se chegar ao nível de introspecção necessário para o autoconhecimento e capacidade de sustentar relacionamentos saudáveis. Significa não se sentir compreendido, não pertencer, estar desconectado de um mundo visto a partir de uma perspectiva em que ele se apresenta pouco acolhedor.
Essa solidão pode ser necessária em uma certa dose, para que nos fique evidente a necessidade de aprimorarmos as relações. Mas pode ser também a fonte dos estados depressivos mais devastadores e de diversos problemas de saúde. Segundo pesquisa recente publicada no Perspectives on Psychological Science, o isolamento social, seja real ou percebido subjetivamente, aumenta em 29% a chance de mortalidade precoce. A distorção da realidade provocada pelo isolamento nos leva a interpretar muitas reações alheias como rejeição, o que torna difícil a quebra desse ciclo.
Mas se nos permitirmos correr riscos é possível descobrir que, de uma forma tão antagônica como qualquer grande verdade, é justamente nesses momentos de maior vulnerabilidade, quando necessitamos de compreensão, que as mais valiosas relações de amizade se constroem ou fortalecem.
O escritor irlandês John O’Donohue, em seu livro The Book Of Love, lembra que a amizade verdadeira é a “que melhor reflete a tua alma”, aquela que traz o conforto da compreensão, uma das formas que o amor assume. “Quando você se sente compreendido, você está em casa. A compreensão nutre o sentimento de pertencimento. (…). O amor é a única luz que pode ler verdadeiramente a assinatura secreta da individualidade do outro”.
Talvez a mais vital forma de conexão, justamente por oferecer compreensão, a amizade pode não ganhar o valor que merece em um mundo que, cada vez mais, cultua as manifestações românticas do amor e amplia a definição da palavra amigo para muito além das relações significativas e engrandecedoras.
Para o escritor Andrew Sullivan, em Love Undetectable: Notes on Friendship, Sex and Survival, essa espécie de negligência da nossa cultura com relação à amizade, a falha no reconhecimento desse vínculo como instituição social crítica e como experiência moral enobrecedora, possivelmente se dá pelo fato de se desenrolar, quase sempre, de forma silenciosa e gradativa. Silêncio que se quebra quando sofremos a perda inesperada de um amigo. “Quando somos forçados a pensar sobre aquilo o que realmente importa é que começamos a considerar o que a amizade significa de verdade”, escreve.
Assim como nas relações românticas, esperar que um amigo compreenda todos os lados da nossa individualidade é sustentar a amizade sobre a delicada balança que traz a expectativa de um lado e a frustração do outro – um equilíbrio que depende mais do nosso próprio amadurecimento que dos acontecimentos externos.
A vantagem da amizade é que ela se distribui livre e levemente entre cada pessoa que, em determinados momentos e situações da vida, nos enxerga como realmente somos. Quando damos a esse amor o valor que ele merece, temos sempre um amigo que nos revela, sem precisar declarar, que explicações são desnecessárias: ele compreende.
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