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sábado, 31 de agosto de 2019

Como estereótipos de masculinidade afetam a vida e a saúde dos homens

Entender que ser homem está muito além do estereótipo do machão é o desafio de quem se propõe a pensar sobre o lado saudável da masculinidade
  • Galileu
  • POR NATHAN FERNANDES | EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO | FOTOS DULLA | STYLING THAIS LUTTI | PRODUÇÃO MAY TANFERRI
26 AGO 2019
O professor pede para fechar os olhos e procurar por algum lugar marcante da infância. Enquanto as pessoas na sala vasculham seus HDs pessoais, acessam emoções soterradas por boletos, repressões e papéis que muitos ali representam por 30, 60 anos. Ao se verem como crianças, é normal que gotas de água comecem a brotar dos olhos para estabilizar a sensação de perda de controle — natural em momentos de alegria ou tristeza. Ninguém ali estranha o fato de que as pessoas que choram na sala são homens héteros. Ninguém ali estranha o fato de que estão expondo em público a intimidade das suas lágrimas — algo considerado tão privado que fez Antoine de Saint-Exupéry escrever em O Pequeno Príncipe: “É um lugar secreto, a terra das lágrimas”.

O professor é Claudio Serva, 46, fundador do Prazerele, músico e terapeuta que ministra em São Paulo cursos dedicados a repensar o sexo e a masculinidade. “Trabalho com o resgate da sensorialidade”, explica ele. “Mas primeiro tento resgatar a criança que cada um traz dentro de si, o que é difícil porque muitos homens nem se lembram de como eram quando crianças.” A ideia é fazer os participantes se reconectarem com o que eram antes de vestirem suas máscaras de ferro.

Como afirma Serva, os homens são educados a renegar socialmente tudo que é feminino. E, ao passar pela “máquina de formatar meninos”, a educação machista, começam a ser castrados de afeto. “Se você der cerveja para cinco homens héteros, dentro de alguns minutos todos começam a se abraçar, a se beijar, a dizer que se amam. Eles não podem demonstrar isso naturalmente por medo de acharem que são gays, uma afronta à sua masculinidade frágil.”

Mas o terapeuta nem sempre foi essa pessoa que recebe amigos homens com um beijo no rosto. Em 2015, com 120 quilos, Serva era diretor de uma imobiliária no Rio de Janeiro e vivia um casamento enferrujado. Foi durante um exercício de meditação que ele se lembrou da criança que gostava de se vestir igual ao Ney Matogrosso e que foi reprimida pelo pai machista.

A recordação o fez derrubar uma cachoeira de lágrimas, reconectou-o com seu lado musical e levou-o a questionar como a educação que recebera havia contribuído para suprimir emoções. “A gente vai sendo enquadrado, colocado em caixas, e esses comportamentos originam uma série de atitudes que nos deixam reféns. Socialmente, o patriarcado e o machismo facilitam a vida do homem, mas geram uma série de angústias e um sentimento de confusão, principalmente quando a mulher se empodera”, afirma.

Nas ciências sociais, a “caixa” na qual os homens são colocados é conhecida como masculinidade hegemônica, um conceito criado pela cientista social australiana Raewyn Connell, em 1982. “Ele é entendido como o padrão de práticas (...) que permitem a continuidade do domínio dos homens sobre as mulheres”, escreveram Connell e James Messerschmidt no artigo Masculinidade Hegemônica: Repensando o Conceito.

Segundos os especialistas, essa ideia incorpora a maneira entendida como a mais honrada de ser homem, legitimando ideologicamente esse domínio entre os sexos. Assim como uma lágrima do tipo basal, que é produzida constantemente para manter a íris úmida, protegendo-a de ciscos e poeira, a masculinidade hegemônica cria uma barreira de “proteção” entre os homens e seus próprios sentimentos.

Como performance
No sexo, essa valorização do masculino se torna evidente — e problemática. “Em geral, as pessoas fazem um sexo mais focado na performance do que nas sensações”, explica Serva. “E, como à mulher foi reservado esse papel de objeto de desejo, muitas vezes elas acabam querendo agradar e reforçando o lado performático dos homens.”

Para o terapeuta, a fixação masculina pela penetração como sinônimo de sexo — que nem sempre corresponde ao ideal feminino — é reflexo da pornografia, da idealização de uma relação sexual que não se traduz na realidade. Não à toa, de acordo com pesquisa do canal Sexy Hot, 76% dos 22 milhões de brasileiros que consomem pornografia são homens.

“A pornografia pode influenciar na vida sexual de alguns homens”, explica o psiquiatra e terapeuta sexual Carlos Eduardo Carrion. “Homens sem nenhuma experiência sexual podem achar que é assim que as coisas devem ocorrer. Outros, em menor número, veem reforçadas suas ideias de desconsideração pela parceira.”

Para Pedro (que não quis se identificar), o pornô não é só uma diversão esporádica, mas praticamente uma obrigação. Ele só consegue ter prazer imaginando as cenas a que assiste no computador. “Fiquei preocupado quando paguei para fazer sexo com uma mulher que era meu ideal de beleza, mas só consegui transar porque na hora imaginei filmes com atrizes exatamente como ela”, diz.

É ainda por meio da pornografia que muitos encontram um porto seguro para fantasias inconfessáveis. Isso faz com que o Brasil, o país que mais matou travestis e transexuais em 2017, de acordo com o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais, viva um conflito entre desejo e aceitação social, já que a busca por conteúdo desse tipo por aqui é 84% maior do que no restante do mundo, segundo o portal de vídeos Pornhub.

E a transfobia é só um dos preconceitos gerados por essa rejeição ao feminino. Outro, que afeta os próprios homens, é o medo do toque retal. Apesar de o estímulo na próstata proporcionar prazer, a maior parte das informações sobre isso vem de piadas, como escreveu o especialista Roy Levin, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, em estudo publicado em dezembro de 2017 no periódico Clinical Anatomy. Na pesquisa, Levin afirma que, assim como demonstraram os estudos sobre orgasmos femininos, a sensação de prazer gerada pelo massageamento da próstata pode ser resultado de uma maior consciência corporal, que leva o homem a pensar em novas formas de estímulo.

Para Carrion, o tabu vem da ideia da penetração como algo reservado apenas a gays e mulheres, o que contribuiria para a desconstrução da imagem de “macho”. “A perda da identidade é sempre algo assustador, muitos reagem até com violência”, afirma o psiquiatra. “É preciso muita maturidade para entender que homossexualidade é amar sexualmente outro homem e não o ato em si.”

A confusão entre consciência corporal e homossexualidade alcançou níveis sanitários no ano passado, quando o perfil do Twitter We Hunted The Mammoth publicou o relato de uma norte-americana que estava “broxando” com o marido porque, segundo ele, “um homem de verdade não mexe na bunda nem abre ela por nada”, dispensando a limpeza depois de usar o banheiro. “Quando eu estava lavando as roupas, todos os fundilhos de suas cuecas tinham manchas marrons. Isso me deixou mal”, escreveu.

Em seguida, vários casos semelhantes vieram à tona nas redes sociais, descortinando o lado mais anti-higiênico do que se convencionou chamar de masculinidade tóxica. Em um dos comentários da notícia, no site Buzzfeed, lia-se que “quem limpa o quintal está à espera de visita”.

O alívio cômico vira preocupação ao relacionar isso aos casos de câncer de próstata, o segundo mais comum entre os homens no Brasil. Pesquisa do Datafolha encomendada pela Sociedade Brasileira de Urologia revela que 21% da população masculina acima de 40 anos não faz o exame de toque retal, essencial no diagnóstico do câncer, por não considerar “coisa de homem”; 48% assumem que, em geral, não realizam o exame por machismo.

Pesquisa recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) também serve de alerta sobre como os hábitos relacionados ao modelo de “macho” estão associados à morte precoce.

Na média mundial, os homens têm menor expectativa de vida, mas, segundo o levantamento, que analisou 41 países europeus, esse problema é mais grave em locais cujos indicadores socioeconômicos são menos equilibrados entre homens e mulheres. Nesses lugares, eles são mais propensos a tabagismo e alcoolismo, dieta não saudável e rica em sal e violência. “Morar em um país em que há igualdade de gênero beneficia a saúde do homem, transparecendo em menores taxas de mortalidade, mais bem-estar, metade do risco de depressão, maior chance de fazer sexo com proteção, menores taxas de suicídio e 40% a menos de risco de morrer de forma violenta”, destacam os pesquisadores no relatório.

"O patriarcado e o machismo facilitam a vida do homem, mas geram uma série de angústias""
Claudio Serva
No limite
A falta de conhecimento do próprio corpo e a pressão por performance na hora do sexo são ingredientes para uma bomba que muitas vezes explode em questões como impotência e ejaculação precoce.

O medo de falhar faz com que muitos jovens acabem recorrendo a remédios estimulantes, como Viagra, Levitra e Cialis. Um em cada cinco homens entre 22 e 30 anos que usaram esses medicamentos nos seis meses antes de um levantamento realizado pelo instituto GFK, em 2015, passaram a usá-los em todas as relações sexuais — mesmo que, na maioria dos casos, os remédios funcionem apenas como uma muleta emocional.

O urologista espanhol Manuel Lucas Matheu diz que, ao focar nas acrobacias, as sensações que vêm com o prazer do toque na pele, por exemplo, são esquecidas. Segundo ele, a pele é o verdadeiro ponto sexual do ser humano. “O problema é que convertemos a sexualidade em uma atividade de ginástica, na qual o homem primeiro tem que ter uma ereção, depois tem que mantê-la a todo custo para não ejacular antes do tempo”, afirmou o membro da Academia Internacional de Sexologia Médica à BBC.

Não surpreende, portanto, que muitos homens tenham fixação pelo tamanho do pênis — pressão que pesa uma tonelada, principalmente sobre o estereótipo do homem negro. O rapper paulistano Rincon Sapiência, 33, parece não querer corresponder a esses estereótipos. Além das questões sociais e provocações reflexivas que povoam suas letras, não esconde o interesse pela moda, que o faz trocar as roupas de cores tediosas reservadas às vitrines masculinas por peças vibrantes e questionáveis em relação ao gênero.

Tanto que aparece de saia na capa de seu álbum de estreia, Galanga Livre, um dos destaques da música nacional em 2017. Mesmo parte da ala mais conservadora do rap tendo estranhado, o músico considera o retorno positivo. “A vestimenta fala muito sobre nossa personalidade. E eu me senti contemplado por ter fomentado essa retomada de pensamento.”

O mesmo hip hop que Rincon viu limitado pelo machismo e pela homofobia também deu a chave para que buscasse conhecimento e quisesse sair do padrão. “Aceitar a sensibilidade masculina é uma provocação nova, e é bacana a gente reconsiderar valores”, avalia. “O rosa é uma cor bonita, usar saia é confortável, chorar é um alívio... São coisas naturais, mas que, por conta de conceitos engessados, a gente não se permite sentir, e isso faz mal para nós mesmos.”

O rapper lembra do ditado homofóbico “puta negão bom pra encher laje, fazendo esse tipo de coisa…”, dirigido quando um negro demonstra sensibilidade ou quando é gay. “Por uma construção colonial, a gente foi condicionado ao serviço braçal, à virilidade. A gente tem que ser forte, tem que ser insensível, mesmo que isso nos afete.”

O sociólogo e curador de conhecimento Tulio Custódio, que estuda a masculinidade negra, lembra como a construção racial é eficiente em fazer o homem negro questionar sua humanidade. Conforme o racismo hierarquiza as pessoas, priorizando o homem branco, o negro se torna, segundo Custódio, “a base do não humano, o oposto do civilizado, uma representação de marginalização e subalternidade”. Para o pesquisador, essa construção causa a separação entre a razão e o corpo.

“Nesse contexto, o homem negro é a representação do corpo, corpo do trabalho, corpo do sexo. Óbvio que é um lugar diferente da discussão que acontece com as mulheres negras, mas há um ponto de convergência: é o corpo visto como um pedaço. Não como parte de uma existência composta de corpo, mente e alma, dotada de subjetividade e status de humanidade.

É um simples corpo. E isso se reflete na imagem do homem negro, com o tamanho do pênis e uma série de fantasias e estereótipos em cima disso.” Custódio resume duas formas de comportamento com as quais esse homem vai exercer o ideal de masculinidade: sendo o “homem bom” ou o “bicho danado”. Enquanto o primeiro, para provar sua condição de homem, procura emular uma figura moralmente honrada, provedora da família e com ar de autoridade, o segundo é o garanhão, que controla através do sexo. O problema é que esses ideais são brancos.

“O ‘bicho danado’ vai continuar não sendo reconhecido como um ser pleno, mas sim como um pedaço de corpo. E o racismo estruturado, tanto no mercado quanto no governo, vai impedir o papel de destaque do ‘homem bom’. Você pode ter casos individuais, mas estruturalmente é mais difícil. Assim, eles vão tentar exercer a honra de outras formas, como, por exemplo, através da violência, que representa sua virilidade.” Ou como diz a letra em que Mano Brown, dos Racionais MC’s, expõe o peso de suas lágrimas, Jesus Chorou: “Eu sei, você sabe o que é frustração: máquina de fazer vilão”.

Força bruta
Rincon Sapiência lembra também como o comportamento masculino induz à violência, principalmente nas periferias, onde “você tem de estar sempre pronto para brigar, para ser durão”.

O etnógrafo Adam Baird usou essa ideia para explicar a motivação por trás dos jovens que se associam às gangues de Medellín, na Colômbia. “A acumulação do ‘capital masculino’, os significados materiais e simbólicos da masculinidade e as manifestações estilísticas e oportunas que acompanham esse capital levam a crer que os jovens frequentemente percebem as gangues como espaço de sucesso masculino”, escreveu o cientista em estudo publicado no periódico Journal of Latin American Studies, da Universidade de Cambridge. Uma vez associado, o participante passa a defender os interesses do seu grupo em troca desse “capital masculino”.
"As flores transformaram minha vida, elas melhoraram meus relaciona- mentos"
Rafa Rios
No Brasil, o racismo combinado à educação baseada no homem-não-leva-desaforo-para-casa tem suas particularidades. Não à toa, a cada cem pessoas assassinadas no país, 71 são negras, de acordo com o Atlas da Violência 2017, preparado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E os homens são os mais afetados: representam 92% dos homicídios — o que escancara o claro problema de gênero na questão da violência.

“Se você analisar o feminicídio, vai ver que quem mata mais as mulheres são homens conhecidos, muitas vezes o companheiro, fazendo com que estatisticamente elas corram mais perigo em casa”, explica o psicólogo Tales Mistura. “Já o homem é morto por outros homens, em geral desconhecidos. Ele morre no bar, na rua... As taxas de homicídio são carregadas de significados, que mostram, por exemplo, essa visão de que o homem foi estimulado a ter uma vida pública enquanto a mulher fica reservada à vida privada.”

Não ajuda também o fato de nossos modelos serem pouco dispostos a demonstrar inseguranças. “Os homens que outros homens admiram, muito do que eles ensinam é dominação, agressão”, diz o educador Tony Porter no documentário A Máscara em que Você Vive (2015), um clássico sobre o tema.

Tales Mistura é coordenador do Grupo Reflexivo de Homens, criado em 2006 e integrado ao Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde em 2009. O grupo, que surgiu após promulgação da Lei Maria da Penha, reúne homens autuados pela lei e oferece a possibilidade de atenuação de pena. A ideia é discutir os casos e os papéis desses homens na sociedade. “Eles chegam vitimizados, irritados com as mulheres, putos, xingam. Mas depois que rola uma identificação, fica um ambiente acolhedor”, explica. Assim, os casos de reincidência passaram de 75% para 5% — outros grupos reflexivos desse tipo, como o Tempo de Despertar, registram reduções de 65% para 2%.

Mistura observa como os meios de socialização masculinos são muito mais pobres em relação aos das mulheres, em que são comuns conversas sobre frustrações e angústias. “Se o cara está triste, vai para o boteco. Quando há espaço para falar, ele recebe conselhos que incentivam o machismo e a violência”, explica o psicólogo.

“O ato de falar é um ato de elaboração; quando você fala a coisa passa a existir. Mas os homens não falam de sentimentos, eles não elaboram. Aí quando vão discutir com as mulheres, elas os deixam no chinelo, porque provavelmente já conversaram sobre o assunto. A violência, que não é só física, passa a ser um último recurso.” Nesse sentido, assim como as lágrimas de reflexo, expelidas quando a íris é ameaçada (pelos gases de uma cebola, por exemplo), os homens usam a agressividade como forma de proteção.

Essa violência não é dirigida apenas às mulheres, claro. Segundo o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o Brasil teve 11.433 mortes por suicídio em 2016 (o equivalente a 31 casos por dia). A taxa de mortalidade é maior entre os homens, com 9,2 casos a cada 100 mil habitantes, com um crescimento de 28% nos últimos dez anos.

Entre as mulheres, apesar de representarem a maioria quando observadas as tentativas de suicídio, o índice é de 2,4 mortes a cada 100 mil habitantes. “O suicídio tem muito a ver com a formação da masculinidade. Note que a maioria dos usuários dos serviços de saúde no Brasil são mulheres. Os únicos serviços em que os homens são maioria são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), voltados à saúde mental e ao abuso de álcool e outras drogas. Como o homem não fala, ele recorre a essas substâncias para amortecer a angústia”, afirma Mistura.

O Universo em uma gota
O carioca Rafa Rios, 33, buscou esse amortecimento na natureza. “Eu estava totalmente insatisfeito com o trabalho. Um dia, vi um comercial de um casal que vendia flores numa kombi e me lembrei de como eu gostava disso quando era pequeno”, conta o advogado, que estudou por três anos no colégio da Marinha, onde viu sua sensibilidade ser engolida pela educação militar. “Depois que entrei no colégio, minha mãe falava que eu estava diferente, mais frio, mais quieto. Naquela estrutura, em que eu tinha de ficar prendendo tudo dentro de mim, era impossível ser diferente nos fins de semana”, recorda.

Por isso, foi conturbado o processo de aceitar sua vocação para trabalhar com flores, fazendo arranjos para pequenos eventos e ministrando oficinas. Nas ocasiões em que expunha seu trabalho, expunha também sua masculinidade frágil, renegando os elogios e dizendo que as obras eram da esposa. “As mulheres sempre admiraram a beleza e sensibilidade do que eu fazia, já meu pai e os caras com quem eu almoçava no trabalho nem sequer tocavam no assunto”, diz. “Foi difícil perceber que eu não tinha que entrar no padrão da masculinidade hegemônica. Mas resolvi bancar isso. Recentemente, até mudei meu instagram para @umhomemflorista, para me afirmar mesmo.”

Hoje ele integra grupos de discussão masculina como o Brotherhood Brasil, que o fez entrar em contato com a criança perdida dentro de si por meio da ioga, da meditação e da ayahuasca. “Fico pensando em quantos talentos não estão apagados simplesmente porque os caras não se permitem”, lamenta Rios, e completa: “As flores transformaram minha vida, tornaram-se um processo terapêutico, o que me fez me conhecer melhor e aprimorar meus relacionamentos. Hoje, vejo-as como uma forma de acessar a questão da masculinidade e da espiritualidade”.

Filosofias orientais tendem a observar o masculino e o feminino como uma das maiores polaridades da vida. Segundo o taoísmo, antiga tradição chinesa, em vez de reconhecer que a personalidade humana é resultado de um equilíbrio constante entre essas duas forças, muitos preferem dar destaque a um dos lados, pressupondo que todos os homens são masculinos e todas as mulheres, femininas. Mesmo sem o conceito de “patriarcado”, os antigos pensadores do Tao entenderam que uma ênfase exagerada ao aspecto masculino suprime os valores considerados femininos. Foi o que levou o filósofo chinês Lao-Tsé a afirmar que um ser humano plenamente realizado é aquele que “conhece o masculino e, contudo, conserva o feminino”.

Para Rafa Rios, “a sociedade precisa que os homens conversem entre si, sobre masculinidade, sobre emoções, para que tudo isso não se reprima, reverberando de forma negativa”. E as lágrimas são uma ferramenta importante nesse processo — mais precisamente, as lágrimas de emoção, que, diferentemente das lágrimas basais e de reflexo, conseguem resumir toda a complexidade do nosso universo pessoal. Biologicamente, elas podem conter altos níveis de hormônios do estresse, que estabilizam as emoções e acalmam.

Entretanto, para o poeta William Blake, as lágrimas são uma questão intelectual, porque derivam dos pensamentos. Quando um homem chora, ele não está demonstrando fraqueza, e sim exibindo para o mundo todos os sentimentos que podem ser contidos em uma gota.

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