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quarta-feira, 6 de maio de 2020

Homem não sabe chorar

  • TEXTO ANA HOLANDA
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  • DATA: 29/04/2020


  • É cada vez maior o interesse de homens em falar sobre suas emoções. Só que, antes disso, eles precisam aprender a reconhecer esses sentimentos, perder o medo e romper o silêncio

    Há pouco mais de dois anos, o paulista Gustavo Tanaka promove cursos e palestras de autodesenvolvimento. Seu nome se tornou conhecido depois de lançar 11 Dias de Despertar – Uma Jornada de Libertação do Medo (Idea Editora), em 2015. Gustavo teve uma educação tradicional. Como muitos garotos, cresceu ouvindo que homem não chora. Mas, depois de alguns sucessos e também fracassos como empreendedor, começou a falar sobre sentimentos e não parou. Neste ano, está se dedicando a dar voz ao universo masculino. Por conta disso, tem sido apontado como “o cara do sagrado masculino”. Na prática, criou um grupo de encontros, Brotherhood, onde os homens falam sobre suas emoções. Nesta conversa, ele conta como esse olhar pode nos levar a uma igualdade real.

    É cada vez maior o interesse de homens em falar sobre suas emoções. Só que, antes disso, eles precisam aprender a reconhecer esses sentimentos, perder o medo e romper o silêncio

    Café com Gustavo Tanaka

    Por que é importante que os homens falem sobre as emoções?

    O homem não é ensinado a falar sobre o que sente e por isso não sabe fazê-lo. Se ele falar, provavelmente, vai ter vontade de chorar. E homem também não pode chorar. Então o que ele faz? Reprime. E isso faz mal para si mesmo e para as pessoas com quem convive, porque provoca o afastamento.

    Isso é comum em qualquer sociedade?

    Isso tem a ver com a sociedade patriarcal, na qual o homem tem que ser forte, provedor, não pode demonstrar sentimento. Porque, se ele demonstra, é gay, é fraco. E aí existe um conflito grande, porque todo mundo tem uma energia masculina e feminina. E o equilíbrio para o homem também vem de saber expressar seu lado feminino. Mas, quando isso vem à tona, ele reprime. É um ciclo que aprisiona

    Ele não reconhece a energia feminina?

    Não. Ele não sabe lidar com ela e reprime, dentro e fora dele. A violência contra a mulher e o preconceito com homossexuais vem disso também, da falta de aceitação de uma energia feminina que lhe pertence, que é dele, que existe em qualquer pessoa. Ele projeta isso na mulher, mas não reconhece como algo dele. Por isso eu acredito ser tão chave hoje um trabalho de autoconhecimento nos homens para a nossa sociedade. Sem ter contato com o feminino que o habita, ele não consegue ter um masculino saudável. Somente assim é que vamos, de alguma forma, romper essa estrutura patriarcal.

    O Brotherhood surgiu daí?

    O Brotherhood é um grupo de encontro de homens. Ele surgiu, na verdade, da busca pela minha própria cura, da  necessidade em falar sobre as minhas emoções. Quando percebi, mais e mais pessoas também quiseram ouvir e falar sobre isso. Então entendi que esse é o momento de reunir as pessoas para abordar essa questão.

    Como é olhar para o seu feminino?

    É saber reconhecer e acolher os momentos em que sou preconceituoso e machista. Somente assim é que você cresce e amadurece. Comecei com um grupo experimental de encontros quinzenais. Fazíamos rodas de conversa para falar sobre os nossos sentimentos. E daí começaram a aparecer histórias sobre a relação com o pai, com o companheiro ou companheira, com o filho, sobre a sexualidade. Além da conversa, fazíamos uma vivência para ancorar a energia masculina, com meditações e rituais. Essa é a parte do sagrado, a relação que você tem com a sua espiritualidade. Fazemos também alguns retiros junto à natureza. Agora o que estou também fazendo é criar grupos em várias cidades para disseminar esse olhar por aí. É um movimento aberto de homens para os homens para abrir espaço para falar sobre aquilo que não é falado.

    Forma-se um vínculo de igualdade?

    Quando você encontra um espaço para dividir aquilo que nunca teve coragem de compartilhar é muito libertador. Eu descubro que posso falar sobre algo que escondi a vida toda – e a gente guarda muita vergonha e culpa. Os homens não falam sobre os abusos sexuais que sofreram na infância, às vezes de pessoas próximas; sobre a dificuldade de se relacionar com a companheira. Se o cara fala para os amigos, ele é sacaneado. Num espaço acolhedor, ele encontra essa abertura para se expressar, e o que acontece é uma cura coletiva. Você desconstrói a visão do homem violento, competitivo. Você percebe que tem muito homem que não é assim. O que ele faz é se esconder atrás dessa máscara para ser aceito.

    Existe alguma maneira de quebrar esse padrão mais precocemente?

    Estamos começando um grupo para jovens com menos de 18 anos. Porque é dessa maneira que conseguimos alterar esse padrão mais rápido. Incentivando neles o autoconhecimento, a percepção das emoções – e como acolher isso. O universo masculino é muito nocivo. É muito bullying o tempo todo. A repressão começa desde que a criança nasce. E as pessoas não têm consciência sobre a maneira como esses conceitos vão sendo embutidos já nos primeiros anos de vida.
    Outro dia, fui visitar um amigo que tem um bebê, uma menina de 6 meses. Chegou outro casal com um filho de 3 anos. Eles presentearam a menina com uma boneca. Então o menino pegou o brinquedo. O pai dele puxou a boneca, o repreendeu e enfiou um carrinho na mão da criança. Olha o conceito que a gente já está imprimindo aí. O menino desde novo já não pode se expressar. A mensagem que fica é “isso eu não posso”. E essa fala interna vai se repetindo a vida toda.

    O grupo não acabaria sendo um clube do Bolinha?

    Agora a gente precisa disso. Para, depois, não falar apenas de homens ou de mulheres, mas de pessoas. Só que os homens estão tão pra trás. As mulheres estão há décadas falando sobre suas emoções, e a gente nem começou ainda. Então é importante ter esse espaço protegido para que todos se sintam à vontade para falar. Num segundo momento, vamos abrir para acolher a todos.

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