Mariana Sgarioni 23.05.2014
Cláudia Bebê
Laura Gutman diz que não há como estabelecer vínculos saudáveis com nossos filhos sem revisitar a própria infância. Saiba mais!
Terapeuta especializada em temas de família, Laura Gutman graduou-se em Paris na década de 1980 sob a batuta da analista Françoise Dolto. Fundou o Instituto Crianza, na Argentina, onde funciona uma escola de capacitação para profissionais da saúde e educação e grupos de atendimento ligados a temas da maternidade e infância. Seu primeiro livro traduzido no Brasil, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra (BestSeller), que já vendeu cerca de 15 mil exemplares, virou hit entre as mulheres que pensam a maternidade como um bom momento para saber mais sobre si mesma. Em 2013, Laura lançou o livro O Poder do Discurso Materno (Summus), em que trata mais detalhadamente de seu método de biografias humanas, processo que mapeia a infância de cada um de nós para concluir qual foi o personagem que nossas mães nos concederam — e que, evidentemente, não corresponde ao que somos hoje em dia. Em uma de suas palestras, emocionou a plateia ao dizer: "Conhece sua parte mais secreta, aquilo que você esconde até de você mesma, a fim de que ela não se projete sobre seus filhos", numa interpretação livre da célebre frase de Jesus Cristo: "Conhece-te a ti mesmo". Pois é isso. Para Laura, uma boa mãe não vem pronta. Ela se questiona e se avalia o tempo todo.
Em que medida tratar da própria infância tem a ver com a criação dos nossos filhos?
Tem tudo a ver. Nossa infância é a semente daquilo que somos. E também o que move os fios de nossa vida cotidiana e a forma como nos vinculamos com as crianças de hoje. Se fomos desamparados durante a infância, abusados ou abandonados de diferentes formas, logo reagimos, e essa reação está no adulto que nos tornamos. E usaremos essas mesmas estratégias de sobrevivência para nos vincularmos hoje. Por isso é tão importante recorrer primeiro ao verdadeiro cenário da nossa infância antes de pretendermos ser boas mães ou bons pais.
E o que significa ser uma boa mãe?
Uma boa mãe, um bom pai, uma boa pessoa é aquela que está disposta a olhar os aspectos de si mesma, aqueles que não admite nem reconhece como próprios. É aquela que está disposto a refletir, escutar e olhar a sua realidade com uma nova lente. É aquela que faz perguntas permanentemente.
Nós impomos aos nossos filhos os nossos desejos e necessidades. De que maneira isso acontece e por quê?
Isso é muito comum. É difícil observar claramente uma criança e aceitar que aquilo que ela necessita — ou reclama — é legítimo apenas para ela, ainda que não tenha importância nenhuma para nós. Em geral, os adultos têm um ponto de vista sobre cada coisa: o que é correto, incorreto, útil, bom, positivo. Pretendemos educar a criança segundo nossos parâmetros, em vez de observar primeiro e estar à disposição do desenvolvimento espontâneo de cada criança.
Você diz que quando nascemos somos nomeados por nossas mães. Esse personagem cuida de nós durante toda a vida. Por quê?
Lamentavelmente, quando a criança pequena nos pede algo (presença, colo, carinho, corpo materno, escuta, tempo, empatia ou nutrição) e nós, mães, não estamos em condições de satisfazê-la, nomeamos essa criança segundo nossas apreciações subjetivas: ela é caprichosa, é boa, é mal educada, é terrível, é exigente. Na verdade, ela "não é" tudo isso. Simplesmente pede aquilo de que necessita. E pede de maneira "audível" pelo adulto. Mas as interpretações que nós, adultos, fazemos muitas vezes estão distantes da realidade afetiva da criança. É o mesmo que aconteceu conosco, quando éramos crianças, mas não temos nenhum registro disso.
Você diz que um dos primeiros atos de violência contra uma criança é privá-la do "prazer físico-sensorial". Isso significa amamentação? Ou o contato físico com a mãe?
Os seres humanos são mamíferos. Nascemos do ventre de uma mãe e necessitamos desesperadamente ser protegidos pelo corpo materno. Privar as crianças do prazer de estar em contato permanente com a mãe é um desastre ecológico. Estamos reprimindo todo o prazer, todo o pulso vital e toda implantação sensorial da criança para o resto da vida. A amamentação é parte disso - mas, sem a permanência da criança sobre o corpo da mãe, a própria amamentação não pode prosperar.
O que significa ignorar o choro de um bebê?
Creio que é a violência mais atroz: a violência do desamparo. É a semente do sofrimento humano.
As mães deveriam, então, deixar de trabalhar para estar mais presentes e se vincular aos filhos?
É fantástico que nós, mulheres, trabalhemos. Eu trabalho desde os 15 anos. A autonomia e a liberdade são fundamentais e são direitos de cada adulto, homem ou mulher. Eu escrevi em vários livros que é frequente que as mães, incapacitadas de se vincular afetivamente com os filhos, usem o trabalho como lugar de refúgio para não enfrentar o desafio da intimidade emocional que uma criança pede. Eu sou feminista. E o trabalho não tem nada a ver com a capacidade de se vincular afetivamente.
O trabalho não rouba o tempo com as crianças?
Não, essa é uma desculpa. O trabalho não é um predador da relação afetiva entre a mãe e seu filho. A única coisa que fere a relação entre mãe e filho é a incapacidade afetiva. Podemos trabalhar, sim, se precisamos, se gostamos e se isso nos faz felizes. O problema é voltar para casa e ter o desejo de conectar-se novamente com a criança. Em geral, a volta para casa nos angustia e preferimos escapar via iPhone, internet ou qualquer outra atividade social que devolva nossa identidade.
Cláudia Bebê
Laura Gutman diz que não há como estabelecer vínculos saudáveis com nossos filhos sem revisitar a própria infância. Saiba mais!
Terapeuta especializada em temas de família, Laura Gutman graduou-se em Paris na década de 1980 sob a batuta da analista Françoise Dolto. Fundou o Instituto Crianza, na Argentina, onde funciona uma escola de capacitação para profissionais da saúde e educação e grupos de atendimento ligados a temas da maternidade e infância. Seu primeiro livro traduzido no Brasil, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra (BestSeller), que já vendeu cerca de 15 mil exemplares, virou hit entre as mulheres que pensam a maternidade como um bom momento para saber mais sobre si mesma. Em 2013, Laura lançou o livro O Poder do Discurso Materno (Summus), em que trata mais detalhadamente de seu método de biografias humanas, processo que mapeia a infância de cada um de nós para concluir qual foi o personagem que nossas mães nos concederam — e que, evidentemente, não corresponde ao que somos hoje em dia. Em uma de suas palestras, emocionou a plateia ao dizer: "Conhece sua parte mais secreta, aquilo que você esconde até de você mesma, a fim de que ela não se projete sobre seus filhos", numa interpretação livre da célebre frase de Jesus Cristo: "Conhece-te a ti mesmo". Pois é isso. Para Laura, uma boa mãe não vem pronta. Ela se questiona e se avalia o tempo todo.
Em que medida tratar da própria infância tem a ver com a criação dos nossos filhos?
Tem tudo a ver. Nossa infância é a semente daquilo que somos. E também o que move os fios de nossa vida cotidiana e a forma como nos vinculamos com as crianças de hoje. Se fomos desamparados durante a infância, abusados ou abandonados de diferentes formas, logo reagimos, e essa reação está no adulto que nos tornamos. E usaremos essas mesmas estratégias de sobrevivência para nos vincularmos hoje. Por isso é tão importante recorrer primeiro ao verdadeiro cenário da nossa infância antes de pretendermos ser boas mães ou bons pais.
E o que significa ser uma boa mãe?
Uma boa mãe, um bom pai, uma boa pessoa é aquela que está disposta a olhar os aspectos de si mesma, aqueles que não admite nem reconhece como próprios. É aquela que está disposto a refletir, escutar e olhar a sua realidade com uma nova lente. É aquela que faz perguntas permanentemente.
Nós impomos aos nossos filhos os nossos desejos e necessidades. De que maneira isso acontece e por quê?
Isso é muito comum. É difícil observar claramente uma criança e aceitar que aquilo que ela necessita — ou reclama — é legítimo apenas para ela, ainda que não tenha importância nenhuma para nós. Em geral, os adultos têm um ponto de vista sobre cada coisa: o que é correto, incorreto, útil, bom, positivo. Pretendemos educar a criança segundo nossos parâmetros, em vez de observar primeiro e estar à disposição do desenvolvimento espontâneo de cada criança.
Você diz que quando nascemos somos nomeados por nossas mães. Esse personagem cuida de nós durante toda a vida. Por quê?
Lamentavelmente, quando a criança pequena nos pede algo (presença, colo, carinho, corpo materno, escuta, tempo, empatia ou nutrição) e nós, mães, não estamos em condições de satisfazê-la, nomeamos essa criança segundo nossas apreciações subjetivas: ela é caprichosa, é boa, é mal educada, é terrível, é exigente. Na verdade, ela "não é" tudo isso. Simplesmente pede aquilo de que necessita. E pede de maneira "audível" pelo adulto. Mas as interpretações que nós, adultos, fazemos muitas vezes estão distantes da realidade afetiva da criança. É o mesmo que aconteceu conosco, quando éramos crianças, mas não temos nenhum registro disso.
Você diz que um dos primeiros atos de violência contra uma criança é privá-la do "prazer físico-sensorial". Isso significa amamentação? Ou o contato físico com a mãe?
Os seres humanos são mamíferos. Nascemos do ventre de uma mãe e necessitamos desesperadamente ser protegidos pelo corpo materno. Privar as crianças do prazer de estar em contato permanente com a mãe é um desastre ecológico. Estamos reprimindo todo o prazer, todo o pulso vital e toda implantação sensorial da criança para o resto da vida. A amamentação é parte disso - mas, sem a permanência da criança sobre o corpo da mãe, a própria amamentação não pode prosperar.
O que significa ignorar o choro de um bebê?
Creio que é a violência mais atroz: a violência do desamparo. É a semente do sofrimento humano.
As mães deveriam, então, deixar de trabalhar para estar mais presentes e se vincular aos filhos?
É fantástico que nós, mulheres, trabalhemos. Eu trabalho desde os 15 anos. A autonomia e a liberdade são fundamentais e são direitos de cada adulto, homem ou mulher. Eu escrevi em vários livros que é frequente que as mães, incapacitadas de se vincular afetivamente com os filhos, usem o trabalho como lugar de refúgio para não enfrentar o desafio da intimidade emocional que uma criança pede. Eu sou feminista. E o trabalho não tem nada a ver com a capacidade de se vincular afetivamente.
O trabalho não rouba o tempo com as crianças?
Não, essa é uma desculpa. O trabalho não é um predador da relação afetiva entre a mãe e seu filho. A única coisa que fere a relação entre mãe e filho é a incapacidade afetiva. Podemos trabalhar, sim, se precisamos, se gostamos e se isso nos faz felizes. O problema é voltar para casa e ter o desejo de conectar-se novamente com a criança. Em geral, a volta para casa nos angustia e preferimos escapar via iPhone, internet ou qualquer outra atividade social que devolva nossa identidade.
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