Quer ensinar seu filho a ser antirracista? Este é um bom começo.
Kelsey Borresen
08/11/2020
TAMO JUNTO
Pais brancos muitas vezes preferem não falar abertamente sobre raça com seus filhos por causa do medo infundado de que isso só vai chamar atenção para diferenças que as crianças nem sequer seriam capazes de perceber. Alguns também afirmam que elas são pequenas demais para esse tipo de conversa.
Mas pesquisas indicam que até mesmo bebês conseguem reconhecer diferentes tons de pele. Quando chegam à idade da pré-escola, as crianças desenvolvem viés racial – que nem sempre são consistentes com o que elas vão pensar quando chegarem à vida adulta.
Mas pesquisas indicam que até mesmo bebês conseguem reconhecer diferentes tons de pele. Quando chegam à idade da pré-escola, as crianças desenvolvem viés racial – que nem sempre são consistentes com o que elas vão pensar quando chegarem à vida adulta.
Falar sobre raça com seus filhos não reforça o preconceito, mas evitar o tema pode surtir esse resultado.
“Desde muito cedo, a criança enxerga padrões”, escreve no Buzzfeed Erin Winkler, professora associada de estudos afro-americanos. “Quem mora onde; que tipos de casas que eles veem nos diferentes bairros; quais são os personagens mais desejáveis nos filmes que eles assistem; quem desempenha certas funções no consultório médico, na escola, no supermercado; e assim por diante. Elas tentam criar ‘regras’ para explicar o que estão vendo.”
Se os pais não explicam por que existem essas disparidades – e que elas são resultado de racismo sistêmico ―, as crianças vão pensar que trata-se de algo justificado ou “natural”.
Se seu filho fizer um comentário inadequado, seu instinto pode ser simplesmente censurá-lo e mudar de assunto. Mas varrer as coisas para debaixo do tapete é um desserviço para a criança.
“Muitos pais param no ‘psst’, silenciando a criança, mas sem responder à pergunta ou sem investigar o que a levou a fazer o comentário”, escreveu a psicóloga Beverly Daniel Tatum em seu livro “Why Are All the Black Kids Sitting Together in the Cafeteria” (por que todas as crianças negras sentam juntas no refeitório, em tradução livre). “Crianças silenciadas muitas vezes aprendem a evitar o tema da raça em público. Suas perguntas não deixam de existir, simplesmente não são mais proferidas.”
É claro que não basta apenas tocar no assunto quando se ouvem comentários ofensivos. Os pais também devem ter conversas regulares e sinceras (mas adequadas à idade da criança) sobre raça e desigualdade. Além disso, é importante interagir com amigos e parentes de outras raças ou etnias, ler livros e assistir programas de TV de autores por não-brancos e com protagonistas não-brancos, e mostrar aos pequenos como se envolver em movimentos de justiça social e outras causas importantes, entre outras coisas.
Pedimos que especialistas listassem alguns dos comentários problemáticos feitos pelas crianças e como os pais podem responder, aproveitando a oportunidade de aprendizado.
1. “Por que o cabelo dela é esquisito?”
Quando uma criança branca faz esse comentário em relação a uma criança negra, é sinal de que ela percebe como negativas as diferenças estéticas em relação a ela mesma, perpetuando ideais de beleza brancos e eurocêntricos, como o cabelo liso.
“Os pais podem responder enfatizando a beleza das diferenças”, diz LeNaya Smith Crawford, terapeuta familiar e dona da Kaleidoscope Family Therapy, em Atlanta. “Eles podem apontar diferenças em sua família imediata e como elas não mudam o amor e o afeto.”
2. “Aquele menino tem pele suja.”
Crianças brancas muito pequenas podem achar que tons de pele mais escuros estão “sujos”, porque a pele preta ou marrom não é familiar.
Como escreve Tatum em seu livro, os pais podem responder dizendo algo como: “A pele dele é tão limpa quanto a sua. É apenas de cor diferente. Assim como temos cabelos de cores diferentes, as pessoas têm cores de pele diferentes.”
“A aceitação do outro começa por expô-los ao mundo fora de suas bolhas”
Pais brancos podem interpretar essas observações como um sinal de que precisam aumentar a exposição de seus filhos a pessoas de diferentes raças e culturas, diz Smith Crawford. Os pais também devem ter amizades interraciais genuínas e incentivar seus filhos a expandir seus círculos sociais, a fim de incluir também crianças de diferentes origens.
“Muitas vezes, as crianças brancas apontam essas diferenças porque seus mundos são muito parecidos com elas mesmas”, afirma Smith Crawford. “Elas se veem refletidas na mídia, em filmes, em programas de TV, na escola e na vizinhança. A aceitação do outro começa por expô-los ao mundo fora de suas bolhas.”
3. “Não brincamos com eles no parque porque são pretos ou pardos.”
Em seu livro The First R: How Children Learn Race and Racism (O Primeiro R: Como as Crianças Aprendem Raça e Racismo, em tradução livre), os pesquisadores Debra Van Ausdale e Joe Feagin escreveram sobre um estudo que realizaram com crianças de 3 a 5 anos em uma creche com diversidade racial. Eles descobriram que as crianças nessa faixa etária usavam a raça para incluir ou excluir colegas nas brincadeiras e também para exercer poder em suas redes sociais.
Se seu filho disser que excluiu outra criança por esse motivo, primeiro afirme estar feliz por ele ter te contado, explica a educadora Jennifer Harvey, autora de Raising White Kids: Bringing Up Children in a Racially Unjust America (Criando Filhos Brancos em uma América Racialmente Injusta). Depois explique por que esse comportamento é racista.
Você pode dizer: “Acho que ‘X’ ficou magoado com isso. Também quero explicar a palavra que usamos quando dizemos algo mau ou tratamos alguém de forma diferente por causa da cor da pele ou da raça”, sugere Harvey. “Isso se chama racismo. Ainda não tínhamos conversado sobre isso, mas vou te ensinar o que é e por que nessa família a gente combate o racismo.”
4. “Esta boneca [preta] não é tão bonita quanto aquela [branca].”
Crianças brancas podem preferir bonecas com pele mais clara e outros brinquedos parecidos com elas. Mesmo que você celebre a diversidade em casa, seus filhos recebem mensagens de toda parte. Essas mensagens muitas vezes os levam a ver tons de pele mais escuros como menos desejáveis, enquanto a pele mais clara é associada a atributos mais positivos, como a beleza.
“É importante que pais de crianças brancas sejam muito proativos em relação a mensagens positivas e respostas à pele morena, bonecas negras, personagens latinos na TV”, diz Harvey. “As crianças brancas percebem preconceitos muito, muito cedo. Portanto, seja proativo desde cedo e preste atenção nas percepções dos seus filhos.”
Em vez de silenciar sua filha por dizer algo maldoso, investigue o que a levou a dizer aquilo, perguntando: “Por que você acha que essa boneca não é tão bonita quanto a outra?”
Você também pode dizer algo como: “Essa boneca tem uma linda pele marrom”, sugere Harvey. “Você sabia que a maioria das pessoas no mundo tem pele muito mais escura do que a nossa?”
5. “Não enxergo cores.”
As crianças mais velhas podem dizer que são “daltônicas” quanto às diferenças raciais, talvez imitando algo que ouviram de pais, professores ou colegas. E, embora as pessoas que afirmam não enxergar cores geralmente tenham boas intenções (“Não tenho preconceito!”), esse tipo de afirmação pode ser prejudicial. Recusar-se a reconhecer a raça de uma pessoa também pode significar menosprezo por suas experiências pelo sofrimento que elas enfrentaram por causa da cor de sua pele. Além disso, é uma demonstração flagrante de privilégio branco: somente os brancos têm o luxo de passar pela vida sem levar sua raça em consideração.
“Se as pessoas conseguem enxergar fisicamente a pessoa na frente delas, fazem julgamentos imediatos sem nem sequer perceber”, afirma Kevin Nadal, professor de psicologia do John Jay College. “Fazemos isso o tempo todo quando se trata de sexo, idade e outras características. Por que seria diferente com raça?”
“As crianças brancas percebem preconceitos muito, muito cedo. Portanto, seja proativo desde cedo e preste atenção nas percepções dos seus filhos”
Em vez de reforçar a ideia de que não existem diferenças raciais, ajude seu filho a reconhecê-las. Ensine-os a abraçar as diferenças positivas ― como diferentes tons de pele ou tipos de cabelo, por exemplo – ao mesmo tempo apontando as semelhanças entre as diferentes raças (“Você e seu amigo negro adoram ir à biblioteca”) e as diferenças entre as pessoas da mesma raça (“Você e seu amigo branco têm um gosto diferente em filmes”). Também é importante chamar a atenção para a injustiça na forma como são tratados os não-brancos.
“Fale sobre as desigualdades raciais no mundo e explique temos de ser incansáveis no reconhecimento desse problema e no combate à injustiça”, afirma Nadal.
6. “Crianças negras ou pardas só gostam de andar juntas.”
No ensino médio, a auto-segregação por raça se torna mais pronunciada, diz Harvey. Se seu filho fizer um comentário desse tipo, pergunte por que eles acham que os garotos negros ou outros da mesma raça tendem a andar juntos. Pergunte se eles notam as crianças brancas fazendo a mesma coisa.
Seu filho também pode comentar que há mais crianças brancas nas classes “avançadas”. Explique que não é por causa da inteligência inata de um grupo. Na realidade, essas disparidades raciais existem na educação (e na sociedade em geral) por causa dos sistemas, estruturas e preconceitos que oprimem as pessoas de cor, enquanto beneficiam os brancos.
Depois, peça ao seu filho para se perguntar se ele mesmo não está contribuindo com essa divisão racial e como eles podem mudar essa situação.
Pergunte: “Como um estudante do ensino médio pode ser um agente de conexão e mudança dentro da escola? Como seria isso? Existem outros alunos e/ou professores que você acha que também gostariam de fazer parte dessa mudança? Como seria uma conversa com essas pessoas?”
Deixe claro que amizades interraciais sinceras ajudam a derrubar essas barreiras, afirma Harvey.
*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.
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