A comerciante Juana Pérez atendia seus clientes na banca de frutas em que trabalha no mercado de San Cristóbal de las Casas, no Estado mexicano de Chiapas, quando pediu aos filhos que fossem à barraca da avó.
Dylan Esaú, de dois anos de idade, e sua irmã, de cinco, caminharam então por entre os movimentados corredores — o menino, entretanto, nunca chegaria à avó.
Ele fora abordado no caminho por uma menina de cerca de 10 anos de idade, que o tomou pela mão e o tirou do mercado.
Lá fora, ela era esperada por uma mulher, que os tirou do local. Seus primeiros passos foram gravados pelas câmeras de segurança da fachada das lojas pelas quais passaram.
Isso foi em 30 de junho. Desde então, não se sabe o paradeiro de Dylan Esaú Gómez Pérez, que completa 3 anos em novembro.
O caso ganhou notoriedade no México depois que a mãe do garoto viajou à capital do país para pedir ajuda ao presidente, Andrés Manuel López Obrador.
Rede de exploração infantil
Juana Pérez ficou por dias em frente ao Palácio Nacional, na Cidade do México, sede do governo, com um cartaz com a foto do filho desaparecido.
Ela não conseguiu falar com o presidente, mas viu sua história ser contada por diversos meios de comunicação do país.
Diante da repercussão do caso, as autoridades de Chiapas iniciaram as buscas por Dylan.
A investigação acabou revelando uma rede de tráfico e exploração de menores no mercado de San Cristóbal de las Casas.
O grupo mantinha presas 23 crianças, entre elas vários bebês, em uma casa na cidade. Os menores eram obrigados a vender artesanato e a pedir esmolas na rua.
Três mulheres adultas foram presas. Dylan não foi encontrado, mas a Fiscalía General del Estado (FGE) em Chiapas, o equivalente ao Ministério Público Federal, acredita que o grupo também está por trás do desaparecimento do garoto.
Segundo a FGE, a mulher que o levou do mercado é irmã de uma das detidas. Uma recompensa de US$ 13 mil (cerca de R$ 67 mil) está sendo oferecida a quem capturar a mulher ou levar às autoridades alguma informação sobre o menino.
A família da mulher, conforme tem dito à imprensa local o procurador da FGE em Chiapas Jorge Llaven Abarca, forma uma rede de tráfico de pessoas.
O desaparecimento de menores é um problema crescente no Estado, alertam organizações como a Melel Xojobal, focada na promoção dos direitos de criaças e jovens indígenas.
Dados oficiais apontam que, entre janeiro e julho, foram registrados 160 casos — em apenas 27 os menores foram localizados.
Mantida essa tendência, os números de 2020 seriam o dobro do registrado em 2019, disse à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, Jennifer Haza Melel, diretora da organização.
"Em todo o ano passado houve 184 registros de desaparecimento — e já temos pelo menos 160 até julho", ressalta.
7 desaparecimentos por dia
Assim como Dylan, em média sete menores desaparecem todos os dias no México, segundo dados da organização Red por los Derechos de la Infancia.
Até o dia 21 de julho, foram 1.970 crianças e adolescentes. Do total, apenas 532 foram encontrados.
Acredita-se que parte dos casos podem estar ligados à guerra contra o narcotráfico que começou na gestão do ex-presidente Felipe Calderón, em 2006. Desde então, 12.762 menores estão desaparecidos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em uma postagem no Twitter, disse ver "com preocupação os casos de desaparecimento de meninas, meninos e adolescentes em todo o país".
E fez um "chamado ao México para que cumpra a obrigação de investigar crimes com a devida diligência".
Além da comissão, organismos como Unicef também chegaram veicular mensagens semelhantes em outros momentos.
Ainda assim, o problema segue sem solução, disse à reportagem o diretor da Red por los Derechos de la Infancia, Juan Martín Pérez García. No caso das redes de exploração de pessoas, segundo ele, a desatenção do Estado é mais evidente.
"O grande problema que temos no México com o tráfico de pessoas é que os criminosos não são condenados. Geralmente as autoridades priorizam o espetáculo, e não a solidez da investigação."
Segundo ele, mesmo quando os casos chegam à Justiça, o número efetivo de sentenças é pequeno.
"O crime continua impune."
Para ele, esse quadro contribuiu para uma piora da situação nos últimos anos, já que há indícios de que as redes de exploração de pessoas chegaram a lugares em que ainda não haviam sido detectadas — Estados como Sinaloa, Durango, Jalisco e Guanajuato, onde foram identificadas prática de trabalho análogo ao escravo.
Os locais se somam a outros já conhecidos, como Tlaxcala, Puebla e a capital, Cidade do México, onde operam redes de exploração sexual.
Desnutridos e obrigados a trabalhar
Os menores resgatados em San Cristóbal de las Casas estavam desnutridos e vivam em situação precária, diz a FGE.
A casa estava localizada na região de Los Altos de Chiapas, uma área montanhosa com uma população bastante vulnerável e muita pobreza. Vários dos menores eram do vilarejo de San Juan Chamula.
Não foi a primeira vez que crianças da comunidade foram vítimas de exploração. Em fevereiro de 2019, 14 crianças da região foram resgatadas na capital do Estado de Aguascalientes, onde eram obrigados a trabalhar. Os menores indígenas eram de Simojovel, que também fica em Los Altos.
Vulneráveis
A pobreza é um denominador comum em todos esses casos. Em Chiapas, 80% dos menores, especialmente aqueles de comunidades indígenas, vivem marginalizados, afirma Jennifer Haza, diretora da organização Melel Xojobal.
"Muitas famílias indígenas vivem em condições precárias, com muitas pessoas vivendo em cada casa."
Essa situação os torna ainda mais vulneráveis às redes de exploração de pessoas, acrescenta Pérez García.
Nenhum comentário:
Postar um comentário