REVISTA IHU
12 Março 2020
A Catholic Women Strike [Greve das Mulheres Católicas] começará oficialmente no domingo, 3 de maio, e continuará durante todo o mês tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora. Haverá boicote a celebrações e ritos oficiais, abstenção de ações de voluntariado, parada e redirecionamento de fundos destinados a paróquias e dioceses.
A reportagem é de Francesco Lepore, publicada em Linkiesta.it, 11-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A reportagem é de Francesco Lepore, publicada em Linkiesta.it, 11-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por ocasião do dia 8 de março, Dia Internacional dos Direitos da Mulher, 12 organizações lançaram a Greve Global das Mulheres Católicas (Catholic Women Strike), que começará oficialmente no domingo, 3 de maio, e continuará durante todo o mês tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora.
A greve se concretizará em uma série de eventos coordenados em nível mundial, através dos quais é solicitada a plena igualdade das mulheres na Igreja Católica: parada e redirecionamento de fundos destinados a paróquias e dioceses, boicote a celebrações e ritos oficiais, organização de encontros de oração fora dos edifícios eclesiásticos antes das missas programadas, abstenção de ações de voluntariado nas realidades eclesiais e do trabalho para as mulheres que nelas estejam envolvidas. Elas serão apoiadas financeiramente através de doações em nome do princípio da mútua solidariedade evangélica.
A cor e o sinal unificador do sufrágio feminino será o branco, que aquelas que se unirem à greve são convidadas a vestir, especialmente nos encontros comuns.
Para as 12 organizações promotoras, a plena igualdade das mulheres na Igreja Católica passa principalmente pelo ministério ordenado e pelo desimpedimento de papéis de governo. Mas não só.
A Greve das Mulheres Católicas pede para “reformar o ensinamento da Igreja sobre a sexualidade, para que ele reflita a complexa realidade da experiência vivida, o primado da consciência e as exigências pastorais do povo de Deus; transformar o ensinamento e a prática da Igreja para pôr fim a todas as opressões das pessoas LGBTI+, das pessoas negras, das pessoas empobrecidas e marginalizadas em toda a sua identidade; criar estruturas e processos que, baseados na competência de todos os católicos – e especialmente das mulheres –, levem toda a Igreja a uma justa avaliação dos abusos sexuais cometidos pelo clero e dos encobrimentos garantidos a este”.
A greve global das mulheres católicas se inspira no movimento alemão Maria 2.0, que, nascido no início de 2019 na Heilig-Kreuz-Kirche, em Münster, durante a leitura em grupo da Evangelii gaudium do Papa Francisco, celebrará, justamente em maio, o 1º aniversário do boicote público a uma semana de celebrações marianas (dias 11 a 18).
Desde então, o Maria 2.0 se espalhou por toda a Alemanha e organizou inúmeras manifestações, como a corrente humana em torno da Catedral de Colônia, no dia 23 de setembro de 2019. Seu nome deriva da mãe de Jesus, que é tradicionalmente considerada na Igreja como modelo de mulher silenciosa, submissa e obediente. O movimento reage a isso, como afirma Barbara Stratmann: “O 2.0 significa um novo início. Zerar tudo. Não somos mais assim”.
O Maria 2.0 é uma das 12 organizações femininas católicas que organizaram a Catholic Women Strike. As outras são: Association of Roman Catholic Women Priests (ARCWP), Call to Action, Corpus, DignityUsa, FutureChurch, New Ways Ministry, Roman Catholic Women Priests (RCWP), Southeastern Pennsylvania Women’s Ordination Conference (Sepawoc), Women’s Ordination Conference (WOC), Women’s Ordination Worldwide (WOW).
Ao Linkiesta, Marianne Duddy-Burke, diretora executiva da DignityUsa, disse: “Os dons e o trabalho das mulheres foram negligenciados por muito tempo pelas autoridades da Igreja. Não há motivo algum para que as mulheres devam ser excluídas dos cargos de comando e autoridade. As mulheres tentaram todos os meios disponíveis para serem ouvidas e para responder aos seus pedidos de igualdade. Não estamos mais satisfeitas com o fato de que nossos dons são ‘especiais’, mas não os necessários para o governo na Igreja Católica. Devemos demonstrar que amamos a nossa Igreja, mas não podemos mais tolerar ser consideradas como membros inferiores”.
A manifestação dirige-se, acima de tudo, ao Papa Francisco, conforme explicado pela Ir. Jeannine Gramick, cofundadora do New Ways Ministry e conhecida mundialmente pelo seu compromisso em favor de uma plena aceitação das pessoas LGBTI+ na Igreja e na sociedade, o que lhe valeu, no dia 31 de maio de 1999, uma notificação de condenação por parte da Congregação para a Doutrina da Fé (na época liderada por Ratzinger) aprovada por João Paulo II.
“Embora eu aprecie – explicou ela – que Francisco esteja tentando redirecionar a barca de Pedro segundo o espírito do Vaticano II, o papa tem muito a aprender sobre as mulheres. Precisamente sobre o fato de que as mulheres não podem ser definidas ou limitadas por papéis estereotipados na sociedade, nem deveriam ser tão limitadas na Igreja. Quando metade da população da Igreja, como a do sexo feminino, não pode tomar decisões ou presidir a Eucaristia nas paróquias, nas dioceses ou no Vaticano, então algo está seriamente errado. Tal escândalo deve acabar! Por isso, pedimos a greve das mulheres católicas, para anunciar que o Espírito Santo deve poder soprar na Igreja. O Papa Francisco é um homem humilde e orante, capaz de admitir os seus erros. Rezo à sua avó Rosa para que lhe sussurre ao ouvido que o lugar certo para as mulheres na Igreja é o mesmo que os homens têm.”
Essa é uma situação que é considerada como não mais sustentável pela teóloga, patróloga e ex-freira beneditina Selene Zorzi, para quem “a paciência das mulheres ultrapassou todos os limites. E, se é verdade que o grau de civilização de uma sociedade é medido pela condição das mulheres, a Igreja Católica deve encontrar agora uma nova configuração. Uma das lições que nos chega da emergência do Covid-19 e que também diz respeito à suspensão das celebrações é que a fé pode se dar ao luxo de relativizar até a Eucaristia (somente Deus é absoluto: é a Palavra que convoca a Igreja e é da escuta da Palavra que nasce a fé), e com ela o lugar tão central, necessário e ‘patriarcal’ que até agora foi atribuído ao padre homem”.
A intelectual e francesista lésbica Paola Guazzo oferece uma avaliação diferente, por ser oferecida por uma mulher externa à Igreja, mas uníssona no conteúdo.
“Em um dia chuvoso de maio de 1991 – lembrou ela – eu tive o prazer de escutar a teóloga feminista Mary Daly. Daly fazia mil referências filosóficas e religiosas, tentando reconfigurar uma dimensão que colocasse em primeiro plano o ser feminino, visto por ela não como um ‘to be’, mas como um ser um ‘being’, um devir ontológico à la Deleuze, conjugado com o cuidado feminista das relações salvíficas realizadas por uma nova comunidade de mulheres biofílicas, prontas para um salto para a frente, após o qual o presidente Mao seria apenas um amador da transformação social. Utopia? Pode ser. Mas, enquanto isso, nestes tempos difíceis, em que a cruzada da direita ligada ao Congresso Mundial das Famílias é organizada e difundida, a plataforma radical e a greve propostas pelas mulheres ligadas à vanguarda do catolicismo mundial marcam uma etapa ousada e orientada para uma mudança profunda. Esperando que as estruturas organizacionais da Igreja, que frequentemente, nestes últimos anos, produziram antídotos contra a desumanização do socorro, da misericórdia e das relações humanas, entendam que agora é necessária uma mudança teológica e política, cujo impacto poderia ser semelhante, se não até maior, ao do Vaticano II. E esse impacto tem apenas um nome: mulheres.”
Mas por que reafirmar tudo isso precisamente através da greve? Quem dá uma explicação detalhada ao Linkiesta é Marinella Perroni, ex-presidente da Coordenação das Teólogas Italianas (CTI) e professora de Novo Testamento no Pontifício Ateneu Santo Anselmo. A acadêmica romana, autora de inúmeras publicações, especialmente no âmbito neotestamentário, declarou:
“Desde tempos muito antigos, a greve tem sido a única arma que as mulheres abraçaram para conseguir algo: era o ano 411 a.C., quando foi representada na Grécia, pela primeira vez, a comédia de Aristófanes ‘Lisístrata’, na qual mulheres de todas as cidades gregas se unem em uma greve para pôr fim à Guerra do Peloponeso que devasta o país inteiro há mais de 30 anos. Certamente, não é possível fazer sobreposições fáceis: lá, fala-se de abstinência do sexo; na greve das mulheres católicas, de abstinência das práticas religiosas oficiais; lá, o resultado final é o retorno à condição patriarcal anterior; as mulheres católicas esperam contribuir para uma reavaliação profunda das assimetrias eclesiais.
“No entanto – continua –, existem afinidades importantes entre a comédia antiga e a situação da Igreja Católica atual: basta pensar na dificuldade de conscientizar todas as mulheres de que a greve é apenas um meio, embora muito mais sério e responsável do que o cisma silencioso com o qual selam o seu afastamento da Igreja. No entanto, continua sendo um meio. Se será eficaz, não sabemos: certamente, não é o primeiro, se pensarmos na greve das mulheres católicas alemãs do ano passado, e nem será o último, porque batalhas sérias exigem tempos longos e constância na determinação. Entretanto, é uma palavra ‘gritada’ (alguns dirão ‘berrada’), porque falar não é suficiente, tentar raciocinar não é suficiente. O duplo naufrágio da comissão de estudo sobre o diaconato e das expectativas da Igreja amazônica demonstra isso.
“‘Se cedermos, se lhes dermos o mínimo controle, não haverá mais um ofício que estas, com a sua obstinação, não serão capazes de fazer. Elas construirão navios, quererão combater pelo mar [...]. Se depois começarem a cavalgar, é o fim dos cavaleiros.’ Assim diz o coro dos velhos atenienses diante da Acrópole ocupada pelas mulheres em greve. No fundo, eles já haviam entendido com grande antecedência que uma greve nunca é suficiente em si mesma, é como o dedo que aponta para a lua. Somente quem não quer entender para para olhar o dedo, enquanto já está demonstrado que, mais cedo ou mais tarde, se chega à lua.”
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