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domingo, 14 de junho de 2020

Iniciativas em direção às mulheres transexuais na pandemia

Por Cassiano Ricardo Martines Bovo
Terça-feira, 9 de junho de 2020

É tempo de cuidado e de fortalecimento de redes de apoio e solidariedade. É preciso encarar o afeto enquanto um desafio deste tempo. E fazer deste desafio uma força coletiva que nos impulsione a lutar por outro mundo possível, justo, igualitário, livre e democrático! (Associação Brasileira de Estudos da Homocultura)

Afetadas em cheio pela Covid-19, um risco dentre tantos outros do seu já duro cotidiano, as mulheres transexuais, em sua maioria, se viram diante do dilema: se prostituir ou morrer de fome. E se perguntam: como pagar as diárias ou o aluguel? Além de outras repercussões do vírus, como as necessidades na área da saúde. Como se proteger do vírus e ao mesmo tempo sobreviver? Eis a questão.

Referindo-se às pessoas LGBTI+, a ONU, via Sistema das Nações Unidas no Brasil, alertou: “Um dos maiores desafios para governos, organismos internacionais e empresas é garantir que esta parcela da população, comprovadamente mais propensa ao desemprego e à pobreza que a população em geral, receba uma atenção especial para minimizar o impacto socioeconômico desta crise”. Situação que se encaixa à maioria das trans.

Cadê o governo? 

Os assassinatos não caíram, pelo contrário:

“A Associação Nacional de Travestis e Transexuais @antra.oficial notificou em pesquisa que durante os meses de março e abril foram registrados 26 casos de assassinatos de mulheres trans e travestis, quando a pandemia se agravou no Brasil.

Foi um aumento de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a ANTRA, isso sem contar as subnotificações dos óbitos, o que é bem comum. Entre os meses de janeiro a abril, foram 64 casos. Uma alta de 49% em relação às 43 ocorrências registradas no mesmo período do ano passado. O número do primeiro quadrimestre de 2020 também foi superior ao de 2018 (63) e 2017 (58), quando a Antra começou a divulgar o relatório. Os casos são contabilizados conforme são noticiados pela mídia ou notificados à entidade através de sua rede”.

Não nos esqueçamos. Outro vírus as travestis já enfrentaram: o HIV; aliás, encararam mesmo foi o preconceito. Quando de seu surgimento e disseminação, estigmatizadas e criminalizadas (lembremos da Operação Tarântula em São Paulo), se uniram contra o abandono. E muito do que se fez na área da saúde, nesse quesito, se deveu ao movimento LGBTI+.  

Voltando à Covid-19. ONGs, coletivos, associações, institutos, fundações, grupos, centros, casas de acolhimento, projetos, órgãos governamentais, dentre outros, entrelaçadas em potente corrente, forjada pelo vírus, mas feita por mãos humanas, criaram laços cimentados nas mais variadas iniciativas em direção à proteção (isolamento, quando possível) e sobrevivência.  

Nas redes, explosão de anúncios de vaquinhas virtuais (depósitos em dinheiro, financiamento coletivo) e coleta de produtos e materiais, reforçados por tantos eventos online. Artistas, DJs e produtores, unidos, realizando shows, performances e festivais em lives (Instagran, Youtube, Facebook), formato que vem a calhar em tempos de pandemia, arrecadam, mas também unem, solidarizam, trocam, informam, conscientizam e fazem refletir.   

Produtos afluem de todos os lados em direção aos locais de arrecadação. Quintais, galpões, garagens e salas ficaram pequenas para toda gente e produtos em meio a caixas, mesas, cestas, armários, balcões, a manusear, preparar e embalar os materiais.

Alimentos em geral, máscaras, potes de gel, sabonete líquido e outros produtos de higiene, água sanitária e materiais de limpeza, medicamentos, talheres, pratos e copos descartáveis, sacos de lixo, roupas, calçados, ração para animas, até botijões de gás, manuseados, embalados, encaixotados, passando de mão; corrente humanitária com um destino: pessoas LGBTI+ em situação de vulnerabilidade, sobretudo as mulheres transexuais, e com as tantas sobreposições: a trans em situação de rua ou na favela, a trans encarcerada, a trans migrante.

Assim, muitas travestis acessaram cestas básicas e tantos outros produtos necessários, Brasil afora. Até entrega de marmitex, em alguns casos. 

Parte do dinheiro arrecadado vira auxílio emergencial, como uma renda mínima, principalmente para quem não conseguiu o auxílio do Governo Federal; organizações orientam no acesso ao benefício.   

Dinheiro e produtos que afluem também às casas de acolhimento LGBTI+ (não confundir com abrigos e albergues governamentais); sempre poucas perante as tantas demandas, se tornaram último refúgio para quem não tem onde ficar em plena pandemia. Foram acolhidas, mesmo que em condições de total sobrecarga. Tudo graças ao trabalho de verdadeiras guerreiras cuidadoras – nem sempre valorizadas e visibilizadas – dessas casas, em extenuante trabalho. Criaram-se redes (talvez a mais potente palavra nesses tempos), como a Rede Brasileira de Casas de Acolhimento LGBTI+ e o Mapa da Solidariedade. 

Tudo isso em período de duas sequenciais e significativas datas para as mulheres transexuais, a reforçar a união, a solidariedade, o orgulho: o 15 e o 17 de maio (Dia do Orgulho de Ser Travesti e Transexual e Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia).

E teve (está tendo) muito mais.

Psicólogos, psicanalistas, clínicas e organizações disponibilizando atendimento gratuito, via consultas virtuais, orientações em lives, webinares, páginas nas redes, constituição de grupos terapêuticos, dicas pela internet. Em apoio, blogueiros, youtubers, influenciadores focam as dificuldades psicológicas vivenciadas. Ajuda mais que necessária; pesquisas apontam que LGBTI+ são quem mais estão psicologicamente sofrendo nas quarentenas. Situações muitas vezes difíceis: lares em que não são aceitos, rotina de conflitos, depressão, ansiedade. Em outros casos, a solidão.  

Pesquisas, debates, encontros, palestras, pronunciamentos, webinares, lives, orientam, informam, unem, fazem trocar experiências.  

Membros de organizações e funcionários de órgãos governamentais e jurídicos, geralmente articulados, produzindo folhetos informativos, indo ao encontro de mulheres transexuais em locais de prostituição. Como se proteger? Por que é melhor sair das ruas? Quais as implicações da Covid-19 em relação ao HIV, ao silicone? Prevenção, orientação, apoio psicológico e material.  

Inciativas foram mapeadas e divulgadas. Criou-se até uma plataforma de denúncias de violações de direitos na pandemia. Bússolas em meio à tempestade. Onde ir? O que fazer? 

Projetos de capacitação e confecção de produtos, por ex. máscaras; dinheiro das vendas, possibilitando sobrevivência de mulheres transexuais. 

Quantas pessoas (verdade é que poderiam ter sido mais) foram tocadas! Teve dono de hotel que liberou as diárias para travestis, locadores que relaxaram nos aluguéis, comerciantes que facilitaram nas vendas. 

Ativistas e organizações que não se conheciam, se uniram ou estreitaram laços, às vezes atuando simultaneamente em diferentes projetos e iniciativas. E aprenderam mais ainda a articulação (outra potente palavra) com órgãos governamentais, estratégia muitas vezes eficaz. 

Muito já se sabia e se fazia, muito se aprendeu.  

Como observatório, podemos ver o que se faz. Nas mãos da potência do vírus em sua luta com o saber médico, em meio a todas as ausências governamentais, não sabemos por quanto tempo os males do vírus perdurarão e tudo indica, nesses tempos, que a união permanecerá. Mas, para o bem das mulheres transexuais, nos perguntamos: o que virá depois da tempestade? 

Que nível de união e solidariedade permanecerão depois? O que se aproveitará? E as lutas em torno das políticas públicas? O governo não pode fazer muito mais? O que é permanente e o que é passageiro em tanta doação de tempo, energia e solidariedade? 

Momento para se pensar nas estratégias e se aproveitar (não se perder) o que se fez. 

Cassiano Ricardo Martines Bovo é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e ativista de Direitos Humanos na Anistia Internacional Brasil.
Notas:
[1] Associação Brasileira de Estudos da Homocultura – ABEH. Biênio 2019-2020. 17 de maio de 2020 – Dia Internacional de Combate a LGBTfobia. Posicionamento da ABEH sobre a necropolítica do governo Bolsonaro. Cuiabá-MT, 17 de maio de 2020.  
[2] http://pheeno.com.br/2020/05/onu-chama-atencao-para-protecao-e-promocao-de-empregos-para-pessoas-lgbti/?fbclid=IwAR2ia4Ri0IQaYzZ1RIfrCwdTeqmSdBCO6qU4kczpGVQLG1VIAIWAZJ31Keo
[3] A Transfobia não está de quarentena. Postado em 19 de maio de 2020 na página da ANTRA. https://www.facebook.com/antrabrasil/?__tn__=%2Cd%2CP-R&eid=ARD-abUm 5umkO44CYnkJRGGhlMUOtyXRzK5-zEFf_rcJES7mkwRP1JTAJv6Ovv7fluqHkUbGqHIBIgl
[4] Neste artigo evitei mencionar pessoas específicas para não incorrer em injustiças; se eu o fizesse, seguramente me esqueceria de atores relevantes. Eu citei organizações apenas nas situações em que se fez extremamente necessário.  

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