Escolas voltaram a funcionar em três estados, mas crise sanitária mantém famílias inseguras quanto à exposição ao vírus; mães não têm garantia financeira durante fechamento
A pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da Gênero e Número com a Sempreviva Organização Feminista, mapeou os impactos da pandemia no trabalho de cuidado e monitoramento das brasileiras. Os dados coletados mostram que monitorar ou fazer companhia a crianças menores de 12 anos demanda mais tempo do que antes da quarentena: 40% das mulheres disseram que esse tipo de cuidado aumentou muito.
De acordo com o Mapa de Retorno das Atividades Educacionais Presencial no Brasil, da Federação Nacional das Escolas Particulares, apenas Amazonas, Distrito Federal e Maranhão já têm aulas presenciais nas unidades pagas. Outras 15 unidades federativas não têm qualquer previsão de colocar as crianças reunidas em uma sala, mas oito já começaram os debates sobre o melhor momento. E, no Rio de Janeiro, um embate entre o prefeito da capital e o governador teve intervenção da Justiça e do Ministério Público. A decisão mais recente, desta quarta (5), manteve as escolas fechadas.
A carioca Bianca Torres, pequena empresária e mãe de gêmeas de 8 anos, administra quatro negócios e, sem as aulas no colégio, viu a sua produtividade despencar: “Eu não consigo dar conta, a dedicação não tem como ser a mesma”. Bianca é responsável por cuidar, agora sozinha, da casa, da alimentação das meninas e, claro, dos seus negócios. Mesmo com toda a dificuldade, não pretende mandar as filhas de volta à escola.
“Para onde eu vou, elas vão comigo. Mas quando elas estão na rua comigo, eu estou cuidando, higienizando, mandando não passar a mão no rosto. Na escola não tenho controle nenhum, não acho que o professor consegue controlar e afastar dezenas de crianças. Se eu mal consigo fazer isso com duas, imagine um professor que não tem autoridade de pai e mãe”, pondera a empresária.
No início desta semana, a economista Mônica de Bolle e a antropóloga Débora Diniz debateram sobre a economia do cuidado durante a pandemia. Para Diniz, a situação atual sobre o retorno ou não das aulas presenciais é uma perversidade.
“As mulheres se veem diante de um dilema, porque podem ter que fazer escolha sobre sair do mercado de trabalho, já que vai ter presunção de normalidade: ‘as aulas voltaram, e se voltaram, é o fim do trabalho em casa’. Também tem as mulheres que não podem escolher sair do mercado de trabalho e vão ter amplificação do risco: elas nos seus trabalhos e suas crianças na escola, se arriscando [ao vírus]”, avalia.
E, em outro momento, completa: “Eu nem chamaria de escolha. São imperativos em que a mulher tem de escolher o que causa menos dano, e elas vão tomar essas decisões baseadas em sua relação de dependência e de cuidado”.
Enquanto há a pressão de alguns empresários do ramo da educação para a volta às aulas, o Congresso se articula com projetos que podem evitar colocar as mães em situação tão difícil. O PL 2968/2020, assinado por Fernanda Melchionna (PSOL/RS) e mais 21 deputadas, pede que o auxílio emergencial seja estendido por 12 meses para famílias monoparentais. Nesses moldes, mais de 11 milhões de famílias comandadas por mães solo seriam beneficiadas.
Na justificativa, Melchionna recorre à economia do cuidado: cabe principalmente às mulheres cuidar das crianças e idosos durante esse período, o que acarreta em maior dificuldade de voltar ao mercado de trabalho.
Sobre isto, Débora Diniz também avaliou: “Como vamos garantir a reprodução social da vida com essa fragilização da proteção das mulheres como cuidadoras? Não há outra maneira que não garantirmos a suficiência econômica, não tem jeito, é lógico. (…) Nós nunca precisamos tanto do estado para centralidade da proteção social, para o revigoramento econômico, quanto agora”.
Por enquanto, nada foi decidido. O PL 2968 está parado desde maio, e conforme avançam as discussões sobre volta às aulas, as mães e mulheres responsáveis pelo cuidado seguem na incerteza.
*Lola Ferreira é repórter da Gênero e Número.
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