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segunda-feira, 9 de março de 2020

ARTIGO: A desigualdade de poder entre os gêneros

ONU
03/03/2020
Em artigo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que a desigualdade de gênero é a grande injustiça de nossa época e o maior desafio de direitos humanos que enfrentamos. Segundo ele, a igualdade de gênero oferece soluções para alguns dos problemas mais intratáveis de nossos tempos.
“Se quisermos alcançar uma globalização justa que funcione para todas e todos, precisamos basear nossas políticas em estatísticas que levem em conta as verdadeiras contribuições das mulheres.” Leia o artigo completo.
O secretário-geral da ONU, António Guterres. Foto: ONU/Manuel Elias
O secretário-geral da ONU, António Guterres. Foto: ONU/Manuel Elias
Por António Guterres*
A desigualdade de gênero é a grande injustiça de nossa época e o maior desafio de direitos humanos que enfrentamos. Mas a igualdade de gênero oferece soluções para alguns dos problemas mais intratáveis de nossos tempos.
Em todos os lugares, as mulheres estão em situação pior do que os homens – simplesmente porque são mulheres. A realidade para mulheres de minorias, mulheres idosas, pessoas com deficiência e mulheres migrantes e refugiadas é ainda pior.
Embora tenhamos visto um enorme progresso nos direitos das mulheres nas últimas décadas, desde a abolição de leis discriminatórias até o aumento do número de meninas na escola, agora enfrentamos um forte retrocesso.
As proteções legais contra estupro e abuso doméstico estão sendo retiradas em alguns países, enquanto políticas que penalizam as mulheres, da austeridade à reprodução coercitiva, foram introduzidas em outros lugares. Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres estão ameaçados por todos os lados.
Tudo isso porque a igualdade de gênero é fundamentalmente uma questão de poder. Séculos de discriminação e patriarcado profundamente arraigados criaram uma desigualdade de poder entre os gêneros em nossas economias, sistemas políticos e corporações. A evidência está em todo lugar.
As mulheres ainda são excluídas do alto escalão, de governos a conselhos corporativos e premiações de prestígio. Mulheres líderes e figuras públicas enfrentam assédio, ameaças e abuso, na Internet ou fora dela. A disparidade salarial entre homens e mulheres é apenas um sintoma da desigualdade de poder entre os gêneros.
Mesmo os dados supostamente neutros que fundamentam a tomada de decisões em temas como planejamento urbano e teste de drogas geralmente se baseiam em um “padrão masculino”; os homens são vistos como padrão, enquanto as mulheres são uma exceção.
Mulheres e meninas também enfrentam séculos de misoginia e o apagamento de suas realizações. Elas são ridicularizadas como histéricas ou hormonais; são rotineiramente julgadas por sua aparência; estão sujeitas a infinitos mitos e tabus sobre suas funções corporais naturais; elas são confrontadas, todos os dias, com o machismo, o ‘mansplaining’ e a culpabilização das vítimas.
Isso afeta profundamente a todos nós e é uma barreira para solucionar muitos dos desafios e ameaças que enfrentamos.
Tome como exemplo a desigualdade. As mulheres ganham 77 centavos por cada dólar ganho pelos homens. A pesquisa mais recente do Fórum Econômico Mundial diz que serão necessários 257 anos para fechar essa lacuna. Enquanto isso, mulheres e meninas fazem cerca de 12 bilhões de horas de trabalho não remunerado todos os dias, o que simplesmente não é levado em conta na tomada de decisões econômicas.
Se quisermos alcançar uma globalização justa que funcione para todas e todos, precisamos basear nossas políticas em estatísticas que levem em conta as verdadeiras contribuições das mulheres.
A tecnologia digital é outro caso em questão. A falta de equilíbrio de gênero nas universidades, startups e ‘vales do silício’ em nosso mundo é profundamente preocupante. Esses centros de tecnologia estão moldando as sociedades e economias do futuro; não podemos permitir que eles entrincheirem e exacerbem o domínio masculino.
Veja as guerras que estão devastando nosso mundo. Há um paralelo entre violência contra as mulheres, opressão civil e conflito. O modo como uma sociedade trata a metade feminina de sua população é um indicador significativo de como tratará os outros. Mesmo em sociedades pacíficas, muitas mulheres estão em perigo mortal em suas próprias casas.
Existe até mesmo uma desigualdade de gênero em nossa resposta à crise climática. As iniciativas para reduzir e reciclar são predominantemente direcionadas às mulheres, enquanto os homens são mais propensos a confiar em soluções tecnológicas não testadas. E economistas e parlamentares mulheres são mais propensas que os homens a apoiar políticas pró-ambientais.
Finalmente, a representação política é a evidência mais clara da diferença de poder entre os gêneros. As mulheres são superadas em número em média de 3 a 1 nos parlamentos de todo o mundo, mas sua presença está fortemente correlacionada com a inovação e o investimento em saúde e educação. Não é por acaso que os governos que estão redefinindo o sucesso econômico para incluir bem-estar e sustentabilidade são liderados por mulheres.
É por isso que uma das minhas prioridades nas Nações Unidas foi trazer mais mulheres para nossa liderança. Já alcançamos a paridade de gênero no alto escalão, dois anos antes do previsto, e temos um roteiro para a paridade em todos os níveis nos próximos anos.
Nosso mundo está com problemas e a igualdade de gênero é uma parte essencial da resposta. Problemas criados pelos seres humanos têm soluções conduzidas pelos seres humanos. A igualdade de gênero é um meio de redefinir e transformar o poder que trará benefícios para todas e todos.
O século 21 deve ser o século da igualdade das mulheres nas negociações de paz e nas negociações comerciais; em salas de diretoria e salas de aula; no G20 e nas Nações Unidas.
É hora de parar de tentar mudar as mulheres e começar a mudar os sistemas que as impedem de alcançar seu potencial.
*Secretário-geral das Nações Unidas

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