Presidente do Chile se enrosca a seis dias da marcha do Dia da Mulher com uma polêmica declaração sobre a violência machista
El país
ROCÍO MONTES
Santiago Do Chile - 03 MAR 2020
A seis dias da manifestação do Dia Internacional da Mulher, a primeira de uma série de marchas programadas para março em meio a revoltas sociais no país, o movimento feminista chileno se voltou contra o presidente Sebastián Piñera. Em uma cerimônia em que promulgava na manhã desta segunda-feira a Lei Gabriela, uma norma importante que considerará feminicídio todo assassinato de uma mulher por razões de gênero, o presidente exemplificou: “Às vezes, não é apenas a vontade dos homens de abusar, mas também a posição das mulheres de ser abusadas”. Acompanhado por sua mulher, Cecilia Morel, e da ministra da Mulher, Isabel Plá, o presidente continuou: “Temos que corrigir o que abusa e também dizer à pessoa abusada que ela não pode permitir que isso aconteça. E que a sociedade inteira vai ajudá-la e respaldá-la para denunciar e evitar que esses fatos continuem acontecendo.”
Em um país onde em 2019 ocorreram 62 feminicídios, e apenas este ano já foram seis, segundo a Rede Chilena de Violência contra as Mulheres, a condenação às palavras do presidente foi geral. “Piñera não pode impedir que a misoginia lhe escape pelos poros e atrapalhe sua tentativa de cooptação”, acusou a Coordenação Feminista do 8M, que representa vários grupos e coletivos de mulheres que no domingo participarão da marcha e desde esta segunda-feira promovem diferentes ações em todo o Chile.
Em um país onde em 2019 ocorreram 62 feminicídios, e apenas este ano já foram seis, segundo a Rede Chilena de Violência contra as Mulheres, a condenação às palavras do presidente foi geral. “Piñera não pode impedir que a misoginia lhe escape pelos poros e atrapalhe sua tentativa de cooptação”, acusou a Coordenação Feminista do 8M, que representa vários grupos e coletivos de mulheres que no domingo participarão da marcha e desde esta segunda-feira promovem diferentes ações em todo o Chile.
“A culpa não é nem nunca foi nossa. A culpa é dos que nos abusam e violentam e da estrutura institucional que os ampara. É o Estado, são os juízes, os pacos [carabineiros] e o presidente”, escreveu a coordenadora nas redes sociais, referindo-se à letra de O estuprador é você, que se tornou um hino mundial contra a violência sexual contra as mulheres, composto pelo coletivo chileno Lastesis.
A própria ministra Plá, que será interpelada no Congresso nesta terça-feira, precisou esclarecer as declarações de Piñera: “O que o presidente quis dizer nunca teve a ver com responsabilizar as mulheres. Ele disse que as mulheres de nosso país devem saber que, quando denunciarem, terão o apoio da sociedade e das instituições e poderes do Estado.” Então, o próprio presidente teve que vir à público para esclarecer suas palavras: “Quero ser muito claro: a posição do nosso Governo é de tolerância zero contra todos os tipos de violência e abuso contra mulheres. É por isso que exorto as mulheres a denunciarem imediatamente qualquer risco ou ameaça contra sua integridade ou vida.”
Não é a primeira vez que Piñera é acusado de machismo. Em 2011, em seu primeiro mandato (2010-2014), no encerramento de uma cúpula no México, ele disse: “Você sabe qual é a diferença entre um político e uma dama? Quando o político diz sim, ele quer dizer talvez; quando ele diz talvez, quer dizer que não e quando diz que não, não é político. Quando uma dama diz não, ela quer dizer talvez; quando ela diz talvez, quer dizer sim, e quando ele diz sim, não é uma dama”, disse o chileno no encerramento da XIII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo na cidade de Tuxtla. Mais uma vez, suas palavras foram amplamente condenadas no Chile, especialmente pelo movimento feminista.
Em junho de 2017, em meio à última campanha presidencial, em uma atividade na cidade de Linares, cerca de 300 quilômetros ao sul de Santiago, ele novamente tentou fazer uma piada aludindo ao assédio às mulheres: “Bem, pessoal, acabam de me sugerir uma brincadeira muito divertida. É muito simples: todas as mulheres se jogam ao chão e se fingem de mortas, e todos nós nos jogamos por cima e nos fingimos de vivos. O que vocês acham, pessoal?”, perguntou Piñera, para logo encerrar o ato de campanha e se despedir dos participantes.
As declarações foram condenadas por diferentes setores e provocaram a reação da presidenta Michelle Bachelet, que governava, em seu segundo mandato (2014-2018): “Uma violação é uma expressão da maior violência contra as mulheres. Brincar com isso é desprezar todas nós, e não é aceitável ”, escreveu a socialista. Há três anos, acossado pelas críticas, Piñera se desculpou: “Peço desculpas por uma piada de mau gosto que não afeta meu apreço e respeito por todas as mulheres. Lamento o uso político que isso gerou.” Posteriormente, seu comando de campanha divulgou um vídeo de sua mulher: “Sebastián já se desculpou. As chilenas sabem do compromisso que ele teve e continuará tendo pelo avanço de seus direitos.”
Nos últimos anos, a elite chilena enfrentou vários episódios sexistas. No final de 2016, em um jantar da Associação de Exportadores de Manufaturas, a Asexma, essa associação empresarial deu uma boneca inflável ao ministro da Economia de Bachelet, Luis Felipe Céspedes. A figura estava nua e tinha uma faixa cobrindo sua boca, onde se podia ler: "Para estimular a economia”. No palco, ao lado de Céspedes, estavam dois líderes destacados da centro-esquerda, que festejaram o episódio com risadas: o ex-secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, e o senador e ex-candidato à presidência Alejandro Guillier. Diante da controvérsia, os envolvidos, incluindo a Asexma, tiveram que apresentar desculpas públicas.
Piñera não escolheu o melhor momento desta vez. No próximo domingo se espera a repetição das manifestações gigantescas de 8 de maio de 2019, quando meio milhão de chilenas foi às ruas para protestar contra a violência machista. Este ano haverá um componente político adicional, porque o Chile debate a paridade de gênero no processo constituinte. Em 26 de abril, o Chile definirá em um plebiscito se substitui a Constituição de Pinochet, de 1980 e, se for o caso, o órgão que estará encarregado de redigir uma nova Carta Fundamental.
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