Recentemente, entrei em contato com um termo no próprio Instagram que conseguiu agregar tudo aquilo que eu sentia: a tal da positividade tóxica.
TAMO JUNTO
Ana Beatriz Rosa
08/11/2019
Basta uma passeada no Instagram para a gente ser nocauteado com aquela sensação de que todo mundo está bem o tempo inteiro. Com os melhores drinks. Os melhores sorrisos. As melhores roupas. Nas melhores viagens.
Mas basta refletir um pouquinho, só um pouquinho, que a gente compreende que, na realidade, tudo o que a gente posta passa por um processo de edição.
Na maioria dos posts, todos os detalhes são milimetricamente pensados para passar exatamente aquela sensação que te serviu como gatilho ou inspiração.
Ok, talvez tenhamos aprendido a lidar com a ilusão dos corpos inatingíveis e dos recebidos que não cabem nos nossos orçamentos.
Mas e quando a gente está falando sobre a nossa capacidade de ser feliz?
Recentemente, entrei em contato com um termo no próprio Instagram que conseguiu agregar tudo aquilo que eu sentia: a tal da positividade tóxica.
Sabe aquela ideia de que existe uma espécie de tirania da positividade em que só é permitido expressar, falar, postar os sentimentos “bons”?
Já aqueles que consideramos “ruins”, porque são difíceis, a gente coloca para debaixo do tapete...
Conversei com a Erika Marakaba, a psicóloga responsável pelo post que me despertou para essa discussão.
De acordo com ela, quanto mais a gente ignora os nossos sentimentos, mais perdemos a nossa habilidade de lidar com eles. E isso é tão perigoso quanto uma bomba-relógio.
É impossível estarmos bem o tempo inteiro. A única maneira de isso acontecer seria se nós nos privássemos de todo e qualquer contato com as experiências da vida real.
Mas por que, então, confiamos que basta a gente emanar boas energias que todos os problemas vão se resolver?
Para Erika, esse discurso do #GoodVibesOnly casou perfeitamente com a necessidade que nós temos de acreditar que há uma solução imediata para tudo.
“É um discurso que oferece uma esperança imediatista, como a nossa cultura é. Eu não tenho que sofrer ou me abalar pelas coisas; se eu tiver crenças positivas e mantiver um pensamento positivo, tudo vai fluir bem. Mas esqueceram de avisar que isso não existe na realidade”, me explicou a psicóloga.
Nada contra as frases motivacionais. Longe disso. Eu, sinceramente, acredito que a gente atrai o que transmite. Mas existe um limite em relação a isso a que nós precisamos nos atentar.
Embora a gente esteja bastante ciente de que a realidade não é perfeita o tempo inteiro, as redes sociais, inconscientemente, se tornam uma espécie de “fiscal” para que estejamos felizes todos os dias.
“Cria-se uma espécie de pressão, de cobrança por estar bem o tempo inteiro. E não é que as pessoas estão fingindo, elas estão se esforçando para estarem felizes o tempo inteiro. E você acaba acreditando que isso é possível mesmo.”
E é exatamente esse esforço que me preocupa.
É óbvio que ninguém gosta de ficar na fossa. A tristeza dói fisicamente. Mas sentimentos como a angústia e a frustração demandam um tempo de digestão, de ajuste de rotas, que a gente tende a não se permitir.
Tem uma frase que se tornou bastante popular em alguns posts nas redes sociais que é o #FakeUntilYouMakeIt - em português literal, seria algo como “finja até se tornar real”.
A gente tende a achar que o nosso cérebro funciona por marteladas. Costumamos acreditar que se a gente repetir certos comandos, certas afirmações positivas, as coisas vão se resolver sem que a gente precise dedicar tempo a elas.
Mas quer um spoiler? Nenhum processo de autoconhecimento é imediato.
Na conversa com Erika, ela me lembrou de um livro que li recentemente e que super recomendo.
No ensaio Sociedade do Cansaço, o filósofo alemão-coreano Byung-Chul Han fala sobre como, muitas vezes, a nossa autoexploração é compreendida como uma espécie de realização e de sucesso.
“A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível”, diz o autor.
Percebem a complexidade disso?
Para Erika, dentro daquilo que entendemos como a tal da positividade tóxica, a pessoa que não aceita uma existência para além da alegria uma hora simplesmente se esgota e chega à exaustão.
Não à toa vivemos na era do burnout e da ansiedade. Mas esses são papos para outras conversas. Por ora, fica aqui o aprendizado que tive com a psicóloga e que compartilho com vocês.
Parece inofensivo, mas a positividade tóxica bloqueia as nossas emoções que consideramos negativas. O problema é que se eu me impossibilito de viver um sentimento, talvez ele nunca passe.
O que precisamos aprender é: está tudo bem se não estiver tudo bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário