Os jovens de 15 a 24 anos estão sofrendo “de maneira desproporcional” os golpes econômicos da pandemia, mas não abrem mão da ideia de um futuro mais consciente sobre a mudança climática, as desigualdades sociais e o movimento feminista
GEORGINA ZEREGA | BREILLER PIRES | JOSÉ PABLO CRIALES | ROCÍO MONTES
Córdoba / São Paulo / Cidade Do México / Santiago - 01 AGO 2020
“Éramos tão banais.” A voz de Francisco Fernández Soto, um estudante peruano de 21 anos que mora em Lima, carrega um tom de culpa. Antes do coronavírus, ser jovem “era pensar que você tinha a vida inteira pela frente”, diz. Há poucos meses, ele sentia que podia tomar dois anos sabáticos e recuperá-los em seguida. Mas a covid-19 mudou completamente sua percepção do tempo. A vida se deteve, e o futuro foi tragado pela incerteza. Agora que o demitiram “da noite para o dia” do trabalho que tinha como estagiário no jornal Correo —como parte das demissões em massa realizadas por diversos meios de comunicação nos últimos meses, entre eles o grupo El Comercio do Peru—, pensar nos dias que virão significa repensar quem deseja ser e como quer viver.
A pandemia deu uma pausa na rotina de milhões de jovens no mundo. Levou-os a reconsiderar suas prioridades, suas formas de vida, seus objetivos. Eles deixaram de imaginar um futuro inclusivo e cheio de oportunidades para se reinventar num presente intimidante. Ninguém sabe qual será o custo real da crise provocada pela paralisação da covid, mas as previsões indicam que os jovens de 18 a 25 anos ficarão com a pior parte. E a América Latina será uma das regiões que pagarão mais caro. Ante a perspectiva de um futuro embargado, a Geração Z no continente se aferra à ideia de construir uma nova normalidade mais consciente sobre questões como a mudança climática, a desigualdade social e o movimento feminista. Mas seus integrantes sabem que será difícil: a economia está agora na base de suas preocupações.
A pandemia deu uma pausa na rotina de milhões de jovens no mundo. Levou-os a reconsiderar suas prioridades, suas formas de vida, seus objetivos. Eles deixaram de imaginar um futuro inclusivo e cheio de oportunidades para se reinventar num presente intimidante. Ninguém sabe qual será o custo real da crise provocada pela paralisação da covid, mas as previsões indicam que os jovens de 18 a 25 anos ficarão com a pior parte. E a América Latina será uma das regiões que pagarão mais caro. Ante a perspectiva de um futuro embargado, a Geração Z no continente se aferra à ideia de construir uma nova normalidade mais consciente sobre questões como a mudança climática, a desigualdade social e o movimento feminista. Mas seus integrantes sabem que será difícil: a economia está agora na base de suas preocupações.
Terminar a faculdade, encontrar um trabalho adequado, talvez inclusive abrir seu próprio empreendimento, tornar-se independente, sair da casa dos pais. Fernández Soto enumera uma lista mental que reconfigurou nas últimas semanas ante a pergunta sobre o que espera do futuro. “Meu principal medo é que, por minha culpa ou por uma pandemia, eu acabe morando em casa para sempre”, reconhece. As antigas promessas de progresso em troca de esforço — ter acesso à casa própria após muitos anos de trabalho, fazer uma carreira universitária para garantir um bom futuro, por exemplo— já haviam começado a se desintegrar para a Geração X (os nascidos entre 1965 e 1979, em média) e a Geração Y (os célebres millennials, nascidos entre 1980 e 1995). Com pouca experiência de trabalho e sem economias, os centennials (nascidos entre 1996 e 2010) seguem o caminho de seus antecessores e vêm essas perspectivas se distanciando cada vez mais. O medo de Fernández Soto de não poder se tornar independente tem sua origem nas histórias da maioria de seus amigos, que se viram obrigados a voltar a morar com os pais após perder seus empregos nos últimos meses. “Não importa o que façamos, isso fica no nosso subconsciente como um retrocesso”, diz.
Como Fernández Soto e seus amigos, pelo menos um em cada seis jovens perdeu o emprego durante a pandemia, segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Aqueles que têm entre 15 e 24 anos foram atingidos “de maneira desproporcional”, com um dano ainda mais profundo para as mulheres. Antes da pandemia, países como Brasil, Uruguai e Argentina tinham taxas de desemprego juvenil próximas de 30%, números muito superiores à média regional (19%). “A crise está afetando os jovens com maior gravidade e rapidez que qualquer outro grupo. Se não tomarmos medidas imediatas, o legado do vírus poderia nos acompanhar durante décadas”, advertiu o diretor geral da OIT, Guy Ryder.
Na América Latina, essa previsão é como jogar terra sobre o que já estava enterrado. “É uma geração que tinha poucas expectativas para o futuro”, afirma Pedro Núñez, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) na Argentina. Núñez estuda a juventude há anos, e aponta a instabilidade como o fator-chave para entender os centennials. “Os vínculos são mais instáveis, o trabalho mais precário, as trajetórias educativas mais intermitentes, e tudo isso se aprofunda com a pandemia.”
“Quando poderemos respirar de novo?”
Georgia Rhote, de 25 anos, gostava de imaginar onde estaria dentro de cinco ou 10 anos. Nascida em Maracaibo (Venezuela), ela estudou Direito e se mudou para Buenos Aires em 2018 para fazer um estágio. Seu futuro já era incerto antes da pandemia, explica, por ser migrante. Mas agora os caminhos possíveis começam a desaparecer. “Uma das grandes consequências disso é não poder traçar sua vida”, afirma. Em seu caso, o desafio é maior por ela ser “mulher, jovem e racializada”, diz, como se estivesse descrevendo uma corrida de obstáculos. “Se já era difícil para os jovens conseguir trabalho, tudo isso vai impossibilitar muito mais. Vão pedir que você tenha 30 anos de experiência, mas 25 de idade”, brinca.
A estudante de psicologia Thais da Costa Oliveira, 21, teve os planos frustrados com o avanço da pandemia no Brasil. No Rio, onde mora, a jovem viu as aulas da faculdade, os planos de casamento e seu empreendimento serem paralisados. Abriu uma papelaria em fevereiro, e o negócio nunca teve tempo de decolar. “Decidi começar num momento muito ruim”, afirma. À medida que os casos do país aumentavam, também crescia sua preocupação. “Estou angustiada porque não sei quando tudo isso vai terminar, quando poderemos respirar de novo.”
O fator econômico se transformou numa notícia indigesta para os jovens. “Quando começo a escutar que o PIB cairá ‘tantos por cento’ e que se espera uma queda nos mercados, me dá uma enorme sensação de incerteza”, diz Sofía Laudanno, estudante de Medicina de 24 anos da Argentina. “Desligo a TV porque não sei lidar com isso.”
As consequências do colapso são tão assustadoras para os jovens que mais da metade dos que perderam o emprego tiveram problemas de saúde mental —com episódios de ansiedade e ataques de pânico—, segundo uma pesquisa da OIT. O estudo científico internacional Covid-Stress indica que no México os centennials são o grupo mais estressado pela situação atual, seguidos pelos millennials. E a maior preocupação é a economia. Os dados preliminares dos demais países da região, que serão divulgados nas próximas semanas, tendem a apontar na mesma direção.
“É um momento muito difícil para nós”, diz o colombiano Daniel Suárez Álvarez. Este estudante de Economia de 22 anos sofre de depressão, um diagnóstico que se aprofundou com a incerteza e o confinamento. Os episódios de ansiedade se multiplicaram, e ele precisou pedir ajuda psiquiátrica. “Nós, jovens, somos mais conscientes da saúde mental e dizemos: a forma como me sobrecarrego no trabalho está me fazendo mal. Não há nada de heroico em não dormir; na verdade, isso me afeta física e emocionalmente. Não se trata de sobreviver, mas de viver e estar bem.”
As carreiras do futuro sem um presente
Entre as coisas que cambaleiam devido à pandemia, está também a promessa de que a universidade levará a um futuro melhor. As enormes quantias que os estudantes devem pagar em alguns países da região não correspondem, necessariamente, ao que o mercado pode oferecer. É o que diz Mateo Medina Abad, um estudante colombiano que cursa o último ano de jornalismo. “As circunstâncias te levam a perguntar se vale à pena se matricular, pagar outro semestre ou não.” O pesquisador Pedro Núñez afirma que antes da covid já existia uma preocupação sobre “para que serve realmente uma graduação universitária”, que agora se intensifica.
A história de Ashley Carú, 22, revela a fragilidade do paradigma universitário. Formada recentemente em engenharia ambiental, a jovem chilena perdeu o único trabalho que tinha como empacotadora de um supermercado do município de Pirque, na região metropolitana de Santiago. Agora deve ao Estado chileno um crédito pelo financiamento à sua formação, que não pode pagar por falta de emprego. “Estudei uma das carreiras do futuro e ainda assim não tenho oportunidade. Como pagarei a dívida sem trabalho?”, questiona. Carú participou dos protestos no Chile em 2019 e diz que voltará às ruas quando a pandemia passar. “Teremos uma crise econômica muito grande, e a revolta voltará porque há muito medo de não termos recursos para seguir em frente.”
Diante desse futuro incerto, os jovens da região se aferram a algumas prioridades, como a importância de investir na ciência. Para alguns, esta tem sido uma oportunidade de ter acesso a um espaço que até há pouco era inatingível, como a academia internacional. “Nunca me passou pela cabeça ter um paper com meu nome numa revista norte-americana”, admite Sofía Jares, estudante de medicina de 24 anos. Em meados de junho, Jares e seis colegas se transformaram nos “Sete magníficos” da Argentina, um grupo de jovens menores de 25 anos convocados para trabalhar em um tratamento com plasma.
“Se daqui a 10 ou 15 anos isso se repetir, será a nossa geração a que deve comandar a situação”, diz Florencia Nowogrodzki, outra jovem de 24 anos que participa do projeto do plasma. A ideia de que outra pandemia volte a espreitar o mundo se reproduz no discurso centennials com certo temor. Por isso, diz ela, é preciso investir na ciência. A pesquisa científica nos países da região declinou nos últimos anos. Entre 2012 e 2018, a Argentina reduziu em quase 0,1% do PIB o que gastou em pesquisa e desenvolvimento, segundo o Banco Mundial. A redução foi de quase 0,2% no México e 0,1% no Brasil. “É muito difícil obter bons resultados se não há recursos. Dependemos do exterior sem saber o que acontece com nossas populações.”
As gerações se definem também a partir de eventos traumáticos que marcam sua forma de agir. A covid, o trauma que marcará os centennials, deixou vestígios nos corpos dos jovens, que falam de “curar o confinamento” e se perguntam até que ponto isso afetará as relações. “Como será entrar em contato com outra pessoa? Teremos encontros de 15 dias, fazendo quarentena juntos cada vez que virmos alguém?”, brinca Julián de Luca (24 anos, Argentina). Pensar numa “nova normalidade” é algo que os incomoda pelas poucas certezas que têm. “É fundamental saber como a sociedade se modificará, mas acho que isso vai gerar mais mudanças positivas que negativas.”
Apesar do panorama desanimador que enfrentam, os jovens dão por certo que estarão mais ativos nas lutas contra a desigualdade, o machismo e a mudança climática. E farão isso “se reinventando”, diz a estudante de psicologia Andrea Riveros, 23. “Talvez os jovens sejam os mais afetados, mas aí a questão será a nossa forma de enfrentar, a resiliência que teremos e como usaremos a criatividade para gerar oportunidades”, diz a jovem paraguaia.
A maioria dos centennials continua sonhando em concluir os estudos, conhecer o mundo, conseguir um trabalho. Mais do que nunca, todos querem ter uma participação social e contribuir para a construção de um futuro melhor. A jovem maia Nicteé Guzmán May (22 anos, México) é o exemplo mais claro: seu projeto é ser professora para ajudar a moldar uma sociedade mais aberta e inclusiva. “Dizer ‘eu quero fazer uma mudança’ e poder plasmar isso numa nova geração seria um orgulho enorme.”
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