A legislação estabelece que determinadas condutas são consideradas criminosas, sendo que grande parte delas encontram-se no Código Penal (CP). Exemplo disso é a conduta prevista no artigo 129 do CP, o qual estabelece que é punível com pena de detenção, de três meses a um ano, a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. Trata-se do conhecido delito de lesão corporal.
Ocorre que determinadas condutas, em que pese sejam previstas formalmente como crime, não são punidas na prática judiciária. Por que isso ocorre? Uma das possíveis razões é pelo denominado princípio da adequação social.
Ocorre que determinadas condutas, em que pese sejam previstas formalmente como crime, não são punidas na prática judiciária. Por que isso ocorre? Uma das possíveis razões é pelo denominado princípio da adequação social.
Esse princípio dispõe, em síntese, que, se a sociedade aceita a conduta praticada e essa não contraria o disposto na Constituição Federal, ela não será punida criminalmente. Isso significa dizer que, embora formalmente típica, a conduta será materialmente atípica.
Exemplo recorrente na doutrina é o ato da mãe que fura a orelha da filha para pôr um brinco. Tal conduta, formalmente, é considerada lesão corporal. Todavia, em aplicando o princípio da adequação social, ela deixa de sê-lo, tornando-se materialmente atípica, na medida em que é aceita pela sociedade.
Realizada essa breve conceituação, passa-se a analisar julgados que trataram do cabimento (ou não) do princípio ora tratado:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. DENÚNCIA CONTRA A RÉ PELA PRÁTICA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MENORES, E MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO. Em relação a condenação de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, nos termos do art. 218-B, §2º, inciso II, e §3º, do CP, impõe-se a declaração de extinção da punibilidade, face à prescrição da pretensão punitiva do Estado pela pena em concreto, com fundamento no artigo 107, inciso IV, 109, inciso IV e 115, todos do Código Penal, restando prejudicada a análise do apelo defensivo. Quanto a acusação de manutenção de casa de prostituição, a sentença absolutória, nos termos do art. 386, inc. III, do CP, vai mantida, pois aplicável ao caso concreto, o Princípio da adequação social, tendo em vista que tal conduta vem sendo tolerada pela sociedade. Atipicidade material. Caso em que não há evidências de que a vítima estivesse exercendo atividade sexual no local, nem que as pessoas que lá estavam eram obrigadas a prática de prostituição ou tinham seus rendimentos retidos pelo proprietário ou gerente. Proprietário ou gerente do local que sequer foi comprovado de forma satisfatória nos autos. APELO DA DEFESA PREJUDICADO, FACE AO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO E APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 70082598574, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glaucia Dipp Dreher, Julgado em: 17-10-2019)
No julgado acima, entendeu-se pela absolvição quanto a acusação de manutenção de casa de prostituição, considerando que, segundo entendimento majoritário da jurisprudência, a sociedade vem tolerando tal conduta.
Entendimento jurisprudencial diverso, todavia, é no que se refere à pirataria. É consolidado e há, inclusive, súmula que o princípio não se aplica ao delito em questão. Nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. DECISÃO CASSADA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO DETERMINADO. Os princípios da adequação social e da insignificância não elidem em abstrato a incidência da norma incriminadora relativa à “pirataria”. Prejuízos à fisco, aos artistas e ao próprio comércio que revela a tipicidade da conduta. Precedentes jurisprudenciais. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.(Apelação Crime, Nº 70072661846, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandro Luz Portal, Julgado em: 29-06-2017)
Portanto, não obstante a sociedade pareça tolerar a pirataria, os Tribunais entendem pela não incidência do princípio, com fundamento de que a prática causa prejuízo ao fisco, aos artistas e ao comércio.
Percebe-se, assim, que a aplicação de tal princípio é bastante controversa e não possui requisitos claros, de modo que recebe críticas de parte da doutrina, como a de Cezar Roberto Bitencourt (2009):
O certo é que a imprecisão do critério da ‘adequação social’ – diante das mais variadas possibilidades de sua ocorrência -, que, na melhor das hipóteses, não passa de um princípio sempre inseguro e relativo, explica por que os mais destacados penalistas internacionais, entre outros, não aceitam nem como excludente da tipicidade nem como causa de justificação. Aliás, nesse sentido, é muito ilustrativa a conclusão de Jescheck, ao afirmar que ‘a ideia da adequação social resulta, no entanto, num critério inútil para restringir os tipos penais, quando as regras usuais de interpretação possibilitam a sua delimitação correta. Nestes casos, é preferível a aplicação dos critérios de interpretação conhecidos, pois, dessa forma, se obtêm resultados comprováveis, enquanto que a adequação social não deixa de ser um princípio relativamente inseguro, razão pela qual só em última instância deveria ser utilizado.
Desse modo, segundo o doutrinador, por ser um princípio relativamente inseguro, deve ser utilizado somente em última instância, o que, aparentemente, os Tribunais têm feito, tendo em vista que, em grande parte dos julgados em que se aborda o tema, a absolvição tem sido por insuficiência de provas e não por atipicidade material da conduta.
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