Anastasia Mikova conversou pessoalmente com mil personagens para o documentário; cem delas estarão no filme "Woman"
Anastasia Mikova, 37 anos, exibia um sorriso de satisfação ao chegar para a entrevista em um ensolarado pátio no bairro de Montmartre, na capital francesa, nas proximidades de sua casa. Há dois dias, havia finalizado a fase de montagem de seu mais novo filme, “Woman”, codirigido pelo célebre fotógrafo e cineasta francês Yann Arthus-Bertrand. Foram mais de duas mil entrevistas com mulheres, realizadas por três anos e meio em cerca de 50 países. A ideia surgiu durante as filmagens da precedente obra da dupla, “Human” (2015), uma imersão no ser humano por meio de depoimentos recolhidos pelos quatro cantos do planeta. “Ao fazer entrevistas para o ‘Human’, me impressionou uma necessidade visceral nas mulheres de contar suas histórias, bem mais do que nos homens. Quando sua voz é oprimida por séculos, torna-se algo quase físico. E quando libera, é um poço sem fundo. Encontramos mulheres nos mais diferentes e longínquos lugares, por quem nunca ninguém se interessou, e dissemos a cada uma delas: ‘Você é importante, quero ouvir a sua história’. No início, elas se mostravam desconfiadas, mas depois que entendiam o que fazíamos, passava-se algo incrível, se abria uma porta, como um vulcão que entrava em erupção”, conta.
O gosto pela descoberta e a curiosidade pelo humano e o mundo emergiram cedo em sua vida. Seu modelo “total e absoluto” é a mãe, Rita, que, adolescente, partiu sozinha da aldeia em que vivia em Nagorno-Karabakh, região entre a Armênia e o Azerbaijão, para estudar em Kiev, na Ucrânia. “Ela nasceu em uma família pobre de cinco irmãos. Sua mãe morreu quando ela tinha apenas dois anos. Aos 17, disse que ia para a universidade. Ninguém a encorajou. Foi para casa de um tio, em Kiev. Durante vários anos foi duro, tinha três trabalhos e estudava ao mesmo tempo. Quando vejo tudo o que ela conseguiu, quem sou eu ao seu lado?”, indaga.
O gosto pela descoberta e a curiosidade pelo humano e o mundo emergiram cedo em sua vida. Seu modelo “total e absoluto” é a mãe, Rita, que, adolescente, partiu sozinha da aldeia em que vivia em Nagorno-Karabakh, região entre a Armênia e o Azerbaijão, para estudar em Kiev, na Ucrânia. “Ela nasceu em uma família pobre de cinco irmãos. Sua mãe morreu quando ela tinha apenas dois anos. Aos 17, disse que ia para a universidade. Ninguém a encorajou. Foi para casa de um tio, em Kiev. Durante vários anos foi duro, tinha três trabalhos e estudava ao mesmo tempo. Quando vejo tudo o que ela conseguiu, quem sou eu ao seu lado?”, indaga.
A partir dos anos 1990, quando se abriram as fronteiras do bloco soviético, a mãe enviava a jovem Anastasia para temporadas na Itália ou na França, em programas para vivenciar outras culturas e aprender novos idiomas. “A cada verão, passava um mês em algum país estrangeiro. Tinha 10, 11 anos, e ela me dizia: ‘Vá viajar, ver o mundo e como vivem as outras pessoas, quero que você tenha um horizonte mais amplo’”. O pai, Igor, já falecido, fazia documentários, a maioria com temática do reino animal, uma influência também nos destinos da filha. “Ele estava sempre com uma câmera na mão. Cheguei a essa profissão de forma inconsciente, nunca me disse que era minha vocação. Mas, intrinsecamente, já tinha isso desde a infância”.
Em 1998, aos 17 anos, a exemplo da mãe, Anastasia partiu para estudar em outro país. Escolheu cursar História em Paris. “Não era um sonho, mas uma evidência. Fui preparada para uma vida independente. Não conhecia ninguém em Paris, uma enorme cidade, com muitas coisas acontecendo. Isso faz você se questionar e amadurecer muito rápido”.
Depois de ter passado pelas revistas “Figaro Magazine” e “Marie Claire”, foi trabalhar na série documental sobre ecologia “Vu du ciel”, para a tevê pública francesa, onde encontrou Arthus-Bertrand, amigo e parceiro profissional até hoje. Ter participado da equipe do filme “Human” transformou sua maneira de encarar a vida. “Encontrei pessoas pelo mundo que partilharam comigo coisas difíceis que viveram, em histórias que nunca haviam contado para ninguém. Só em falar nisso me sinto arrepiada. Desde esse momento, não há mais fronteira na minha vida entre o que faço e o que sou, tornou-se um todo. É algo que te penetra de alguma forma. Em tudo que faço, hoje, procuro um sentido talvez exacerbado. É quase uma missão. ‘Human’ foi o momento em que me conscientizei disso”.
A experiência se aprofundou em “Woman”, em que fez mais da metade das duas mil entrevistas realizadas para o filme, com pré-estreia mundial no Festival de Veneza, que começa no fim do mês, e tem lançamento previsto no início de 2020. Apenas cem aparecerão na versão de 1h45min para o cinema, mas todas as demais estarão presentes de alguma forma no formato digital, na exposição e livro que acompanham o projeto. Segundo ela, 70% do filme poderia, infelizmente, tratar somente das violências sofridas pelas mulheres: “Mas fizemos a escolha de mostrar que elas não são apenas isso. Além de educação ou emancipação, abordamos também temas íntimos, como menstruação, orgasmo, a relação com o corpo. Ainda assim, boa parte do filme é dedicada à violência, porque se trata de uma realidade. O Brasil me surpreendeu por isso, é um país em que a violência está tão normalizada, a mulheres falam como uma evidência e, por vezes, não se mostram revoltadas”.
A palavra que resume, para ela, o teor do projeto “Woman” é “resiliência”: “A resiliência das mulheres pode fazer milagres. Estamos em um momento crucial da História: as mulheres estão prontas a ver o mundo de forma diferente e, sobretudo, não querem mais que os homens decidam por elas. Este filme é um espelho para as mulheres — de alguma forma, todas se reconhecerão nele —, mas não é feito por elas somente para elas, mas também para os homens, pois é uma janela para um mundo que eles não conhecem. Tudo o que fazemos, eu e Yann, é sobre o viver junto. Tentemos nos compreender mais e certamente que vai melhorar, para os dois lados.”
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