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terça-feira, 3 de março de 2020

MULHERES ORGANIZAM ‘CALCINHAÇO’ EM ÚNICA ASSEMBLEIA DO PAÍS SEM DEPUTADA

Protesto surgiu após críticas de parlamentares de Mato Grosso do Sul ao Carnaval e reivindica atenção à pauta feminina
Única do país sem deputadas, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul será o destino nesta terça-feira (3) de um grupo de mulheres que participarão do “Calcinhaço da Democracia”, um protesto para pedir mais atenção à pauta feminina na Casa.
A manifestação, convocada via redes sociais por coletivos feministas e integrantes de partidos como PSOL e PT, é motivada por dois fatores, segundo as organizadoras: a falta de representatividade no Legislativo local e falas de deputados contra o Carnaval consideradas moralistas.

Como a Folha mostrou em dezembro, a Assembleia sul-mato-grossense tem as 24 cadeiras ocupadas por homens, algo que não ocorria desde 1987. A situação reflete o histórico de predominância masculina no poder estadual.
Em 40 anos (o estado é jovem, foi instalado em 1979), apenas 11 mulheres tomaram posse como deputada estadual —a maioria por ter ligações familiares e conjugais com líderes políticos.

Imagem distribuída em redes sociais para convocar para o protesto em Mato Grosso do Sul
Imagem distribuída em redes sociais para convocar para o protesto em Mato Grosso do Sul – Reprodução

“Quem tem medo de calcinha na Assembleia Legislativa terá que correr!”, postou nas redes sociais uma das agitadoras da manifestação, que ganhou corpo depois da primeira sessão pós-Carnaval, realizada na quinta-feira (27).
Na ocasião, parlamentares se queixaram de problemas na festa na capital do estado, Campo Grande, como casos de vandalismo e violência. Foi o discurso do deputado Professor Rinaldo (PSDB), reclamando de transtornos aos fiéis de uma igreja evangélica, que acabou dando o mote ao protesto.
“Tem que respeitar também os direitos daqueles que professam a sua fé. E as cenas que foram apresentadas ali foram terríveis, degradantes. Pessoas urinando em frente ao culto. Teve mulheres que tiraram a calcinha”, afirmou ele ao microfone.
Segundo o tucano, foi descumprido um acordo para que blocos se abstivessem de passar na rua do templo. Os defensores da folia dizem que o combinado foi seguido, mas que foliões usaram a via, que é pública, para chegar às concentrações.
“Relatei o que ouvi dos pastores”, diz Rinaldo à Folha. “Não gosto de Carnaval, mas respeito quem vai e acho que é um direito, desde que não cerceie o direito do outro.” O tucano é fiel da igreja que mencionou no plenário, mas não presenciou a cena narrada.
A menção à roupa íntima feminina incendiou o debate nos grupos feministas. Para parte das manifestantes, o deputado sugeriu que uma peça foi deixada na igreja e deveria ter provas disso antes de propagar a informação. O deputado diz não saber detalhar a situação, já que não a viu.
“Usaram uma sessão inteira para criticar o Carnaval sob alegação de ter encontrado uma suposta calcinha, que ninguém viu, em frente uma igreja”, afirma a advogada Janice Andrade, uma das puxadoras do “Calcinhaço”.
Segundo ela, os comentários de deputados do PSDB, Solidariedade e PSL contra a folia acabaram por criminalizar a festa e seus frequentadores, muitos deles moradores da periferia.
“Defendo o direito de todos ao acesso ao lazer gratuito”, diz a advogada e ativista, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. “A indignação de todas as organizadoras é com o descaso dos deputados com as pautas importantes.”
Durante o protesto, as participantes estenderão um varal com calcinhas na frente do prédio do Legislativo. Elas pretendem ainda recolher peças novas, que serão depois doadas a mulheres em situação de rua.
A lista de bandeiras do protesto desta terça é ampla. Vai desde a reclamação pela falta de deputadas na Casa até o pedido para que a Assembleia abrace causas como o combate ao feminicídio, aos estupros, ao assédio, à misoginia e à violência obstétrica.
“São muitos casos de violência contra a mulher no estado, e os deputados falando de uma suposta calcinha”, ressalta Janice.
Diante das roupas penduradas, representantes de movimentos sociais vão expor suas reivindicações. “Estarão lá defensores dos direitos humanos e dos direitos indígenas, uma área que sofre com muitos conflitos, vitimizando principalmente mulheres”, diz a advogada.
Segundo Cris Dias, outra organizadora, o objetivo principal do ato é levantar a voz e “dizer aos deputados eleitos que não há possibilidade nenhuma do exercício da democracia sem a participação das mulheres”.
“É inadmissível não termos nenhuma deputada eleita”, diz a psicóloga, que atua em movimentos feministas e dirige uma revista sobre o tema. O grupo também pedirá que a Casa discuta a sério políticas públicas para a população feminina.
Uma ala das mobilizadoras também está engajada na preparação de atos no próximo sábado (8), quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Um discurso frequente nos corredores, em defesa dos parlamentares, é o de que a atual legislatura busca suprir a ausência investindo em iniciativas como a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher.
O colegiado, composto por dez homens, tem como finalidade oficial “implementar ferramentas para o fortalecimento das políticas e direitos das mulheres de Mato Grosso do Sul”. Na prática, a atuação do grupo tem se restringido a iniciativas de combate à violência doméstica.
A socióloga Jaqueline Teodoro Comin, que pesquisou em seu mestrado a participação das mulheres na política local, atribui a baixa representatividade feminina na política estadual ao que chama de cultura patriarcal, que resultou em um predomínio masculino nos espaços de poder.
O eleitorado do estado que foi às urnas em 2018 era majoritariamente feminino (52%). De 355 postulantes a uma vaga na Assembleia, 101 (28%) eram do sexo feminino.
Na legislatura anterior, três deputadas tinham mandato. Uma delas, Mara Caseiro (PSDB), tentou a reeleição, mas ficou na suplência e não assumiu um assento.
Por Joelmir Tavares

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