Entre os numerosos crimes do nazismo, está o sequestro de menores "racialmente valiosos" para serem germanizados à força. Com a infância destruída e a vida fragmentada, os sobreviventes não são reconhecidos como vítimas.
- Deutsche Welle
- 15.03.2020
- Sabine Peschel
Pequenos poloneses classificados pela política racial nazista como "material valioso do ponto de vista racial"
Os genitores de Alodia Witaszek ainda estavam vivos quando ela foi levada embora. No outono de 1943, chegou com a irmã pequena ao "campo de cuidados juvenil" de Litzmannstadt, atual Łódź, onde ambas seriam "germanizadas", ficando proibidas de falar polonês.
As irmãs Witaszek foram apenas duas entre dezenas de milhares: o sequestro infantil organizado era parte da política de raças do nacional-socialismo, visando transformar em alemãs as crianças "racialmente superiores" das regiões anexadas no Oeste da Polônia.
As irmãs Witaszek foram apenas duas entre dezenas de milhares: o sequestro infantil organizado era parte da política de raças do nacional-socialismo, visando transformar em alemãs as crianças "racialmente superiores" das regiões anexadas no Oeste da Polônia.
Os juizados de menores registravam aqueles cuja aparência consideravam "ariana", representantes dos Departamentos de Saúde os submetiam a exames médicos, e os selecionados de "bom sangue" eram enviados a um lar para menores, onde tinham seus nomes germanizados e eram obrigados a aprender alemão.
Em seguida, a associação estatal Lebensborn, da milícia paramilitar SS, assumia a responsabilidade, entregando os mais jovens a famílias filiadas, e os maiores aos internatos denominados "deutsche Heimschulen" pelos nazistas. Privando as crianças de sua memória e sua identidade, elas eram "germanizadas".
O programa de sequestro infantil integrava os planos de reordenamento dos nazistas para a Europa ocupada. Em junho de 1941, o Reichsführer da SS Heinrich Himmler declarara a necessidade de arrebanhar as "crianças pequenas de raça especialmente boa das famílias polonesas".
Contudo a política não foi aplicada só na Polônia: também em regiões ocupadas da União Soviética, Bielorrússia, Ucrânia e Eslovênia os filhos pequenos foram brutalmente subtraídos de suas famílias. Os filhos dos trabalhadores forçados eram afastados das mães, entregues a famílias alemãs ou maltratados nos internatos.
Na Reichsschule für Volksdeutsche (Escola do Reich para Alemães Étnicos) em Achern e no orfanato da Lebensborn de Steinhöring, ambos no sul da Alemanha, quem insistisse em falar a língua materna, em vez de alemão, era punido ficando sem refeições ou de castigo no porão.
Mancha branca na história alemã
Passados 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, o sequestro de crianças pelos nazistas praticamente não é abordado na Alemanha: trata-se de "uma mancha branca na historiografia", condena Artur Wróblewski, jurista polonês que escreve para o portal de internet Interia. E ele quer mudar isso, juntamente com seis outros jornalistas e historiadores.
O grupo foi atrás do destino de sobreviventes como Alodia, que sofreram no próprio corpo a destruição de sua infância e, muitas vezes, de toda a vida, pela megalomania racista dos nazistas.
O resultado das pesquisas foi lançado em livro na Polônia em 2018 e, em fevereiro de 2020, em alemão, pela editora Herder, sob o título Als wäre ich allein auf der Welt. Der nationalsozialistische Kinderraub in Polen (Como se eu estivesse sozinha no mundo. O sequestro nacional-socialista de crianças na Polônia).
Quase todas as testemunhas da época que lá tomam a palavra relatam sobre a repetida procura inútil por suas próprias famílias, sobre a, em geral dolorosa, repatriação após a guerra. E narram o trauma adicional de não serem reconhecidas como vítimas.
Jornalismo investigativo a serviço da justiça
A jornalista Monika Sieradzka, que trabalha para a mídia alemã e polonesa, e sua colega Elisabeth Lehmann, da emissora MDR, foram um passo mais adiante no trabalho de investigação. Após anos de pesquisas, elas reuniram vítimas do sequestro estatal para contar diante de câmeras sobre suas vidas fragmentadas, no documentário Kinderraub der Nazis. Die vergessenen Opfer (Raptos infantis dos nazistas. As vítimas esquecidas), coproduzido pela Deutsche Welle.
Hermann Lüdeking é um dos protagonistas que nunca conseguiram reencontrar suas raízes, apesar de buscas incessantes. Aos seis anos de idade, ele foi colocado num internato, e mais tarde entregue à família Lüdeking, da SS, como "material valioso, do ponto de vista racial".
A única coisa que conseguiu descobrir, pesquisando tenazmente em arquivos e documentos, foi seu nome polonês original: Roman Roszatowski, apelidado "Romek". Crescido no Sul da Alemanha, onde ainda vive, há muito Lüdeking esqueceu o idioma materno.
A associação Geraubte Kinder – Vergessene Opfer (Crianças roubadas – vítimas esquecidas) o ajudou a investigar suas raízes. Os arquivos da Lebensborn foram destruídos após a Segunda Guerra, quando, durante os Processos de Nurembergue, a entidade foi classificada como benemerente. Os juizados de menores locais não dispunham de dados sobre as crianças raptadas.
Sozinho, aos 84 anos, Hermann Lüdeking ainda luta pelo reconhecimento, também moral, como vítima – até agora, em vão. "Os alemães não querem saber de nada disso, pois lhes custaria dinheiro", comenta, amargurado. "Até hoje, Hermann, aliás Romek, se sente um estranho em 'seu' país", constata Monika Sieradzka.
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