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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Abuso sexual de homens: um crime que começa na infância

1 de agosto de 2018
“Não Ser
Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
– Mantos rotos de estátuas mutiladas!”
Florbela Espanca
Mais um, dentre vários tabus que envolvem os homens, e silenciado pela contemporaneidade que tem acesso à inúmeras informações pela facilidade tecnológica, mas insiste em divulgações parciais, o que expõe a riscos os homens e nossos meninos, ainda em tenra idade.

De modo equivocado construiu-se estereótipos de masculinidade, que ensinam os homens a arte destrutiva de omitir as próprias emoções, assim como os traumas. Erroneamente, ainda, esculpimos a mulher com um viés divino, e as cobrimos com o véu da inocência.
Aos meninos é negado o direito a voz, as escolhas, a narrativas de suas dores e acontecimentos, e são incentivados e estimulados a jamais rejeitarem uma mulher, mesmo que oferecidas de modo precoce. Os que assistem permanecem ausentes qualquer reflexão dobre as consequências psíquicas e sexuais que são impostas a vítima.
“Vou te dar um presente que os meninos na sua idade querem, mas só alguns conseguem o privilégio” (Frase que um menino escutou da sua tia, aos 10 anos de idade. Hoje um adulto que carrega com pesar as experiências que sofreu precocemente)

O QUE É ABUSO SEXUAL

Antes de aprofundar no tema é preciso explicar o que é abuso sexual. O abuso sexual é um conceito amplo, que não necessita de contato físico, como o exibicionismo, voyeurismo, assédio e pornografia infantil, mas também pode envolve-lo, como a prática de aliciamento, corrupção, exploração, tráfico, estupro (no caso citado acima, estupro de vulnerável 217 A, CP).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o abuso sexual consiste em “qualquer ato sexual ou tentativa de ato sexual, comentários ou iniciativas indesejadas, tráfico ou intenções de tráfico direcionados contra a liberdade sexual de uma pessoa”. Importante enfatizar que são atitudes criminosas contra uma pessoa, não contra uma menina ou mulher, embora nos dias atuais não sejam tratados como tal, homens e meninos ainda são seres humanos, pessoas.

VÍTIMAS E SINTOMAS

Midiaticamente há insistência que as meninas são as maiores vítimas dos abusos sexuais, todavia a ausência de vestígios físicos não significa a ausência de feridas emocionais, traumas e lesões na personalidade de um menino.
Nem sempre o menino sofre penetração, as vezes ele é obrigado a realizar os desejos de uma mulher, de diversas formas que não deixam marcas de violência externa. Quantos meninos não são parabenizados pelo feito, que os pais sabem, e ao invés de se preocuparem com o bem-estar do filho, fecham os olhos por medo de “ferir a masculinidade do garoto”?
Essa omissão tem sérias e as vezes irreversíveis consequências, por exemplo problemas no desenvolvimento, fobias, excesso de banhos, transtorno de estresse pós-traumático, depressão, queda nas notas escolares, pesadelos, comportamentos regressivos (fazer xixi na cama e chupar dedo), comportamentos sexuais inadequados para a idade, insistência em permanecer longe da casa/escola, além de sinais físicos, como bactérias, fungos, lesões e coceira nos genitais.
“Geralmente, não é um sinal só, mas um conjunto de indicadores. É importante ressaltar que a criança deve ser levada para avaliação de especialista caso apresente alguns sinais”, diz Heloísa Ribeiro, diretora executiva da ONG Childhood Brasil, de defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

SUJEITO ATIVO DO ABUSO SEXUAL

Assim como o tabu de que meninos e homens não sofrem abusos sexuais, é preciso desmistificar que mulheres não são sujeitos ativos dos crimes contra a dignidade sexual.
Apenas com a Lei 12.015/09, transformou-se o estupro, de crime próprio (praticado por homens), em crime comum, o que ampliou as situações que sempre aconteceram, mas até então eram ignoradas de modo insustentável pelos nossos legisladores, os estupros praticados por mulheres.
Faz-se mister ressaltar a citada lei permitiu também a unificação da conjunção carnal e outros atos libidinosos, como continuidade delitiva e não abolitio criminis, ou seja, em um único tipo penal – estupro 213 CP – inclui-se a conduta anteriormente prevista no artigo 214 do CP.
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§2º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Atentado violento ao pudor (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)

DESINTERESSE E ESTATISTICAS

Embora a atual redação do crime de estupro abranja a prática de mulheres, ela é pouco ou quase nada mencionada, seja na prática de estupro propriamente dita (maiores de 14 anos), seja no estupro de vulneráveis (menores de 14 anos, deficientes, e impossibilitados de oferecer resistência). A maioria das pessoas não se importam quando a vítima é um menino, ou preferem ignorar as práticas criminosas de uma mulher.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Mas vamos aos dados oficiais, advertindo, porém que essas estatísticas dizem respeito apenas aos casos denunciados, quando em geral a criança chega ao hospital com sinais de violências sexual, logo, lamentavelmente os números superam qualquer cadastro.
O primeiro dado diz respeito ao percentual de vítimas, em que dentre 77 mil casos registrados no SUS, 84% eram contra meninas e 16% contra os meninos, mas o questionamento novamente é: será que o número é apenas esse, ou é porque a violência sexual contra os meninos nem sempre deixam vestígios físicos?
I – 44,6% dos meninos sofreram abuso sexual entre os 5 e 9 anos de idade;
II- 71% dos casos os abusadores eram alguém de confiança da vítima;
III- 63% dos casos de abuso sexual infantil ocorreram dentro da residência, logo, os violentadores são familiares;
IV – Segunda o OMS, estima-se que 27% dos meninos até os 12 anos de idade sofreram ou sofrerão algum tipo de abuso sexual.
Ainda, conforme pesquisa realizada pela organização Darkness to Light, nos Estados Unidos:
I- 1 em cada 25 meninos serão abusados sexualmente antes dos 18 anos;
II- 90% das crianças vítimas conhecem seus abusadores;
III- Dentre as crianças abusadas com menos de 6 anos de idade, 50% sofrem as práticas por membros da família.

TABUS DENTRO DO TABU DO ABUSO SEXUAL CONTRA HOMENS

Pelos dados oficiais expostos anteriormente, podemos concluir que o abuso sexual em sua maioria é intrafamiliar, e não extrafamiliar ou institucional, bem como as violências sexuais contra os homens não são práticas homossexuais.
Uma mulher pode abusar sexualmente de um menino, pois violência sexual não é exclusiva de homem, e tampouco necessita de penetração para consumar-se. Diante dessa constatação, podemos estimar que dentre esses 63% de casos que ocorrem dentro de casa um número significativo é praticado pelas mães, vez que ainda passam um maior tempo dedicando-se aos “cuidados” dos filhos que no trabalho externo ao seio familiar.
Meninos que sofrem abusos sexuais não são sortudos, privilegiados ou passaram no “teste” de virilidade precocemente, eles são vítimas, assim como as meninas e terão consequências tão prejudiciais quanto elas.
Se o menino tiver uma ereção é porque gostou e isso significa que permitiu a violência? Não! Não! Não! Ignorar os danos e agressões do ato sexual não isenta a abusadora do crime que praticou. O abuso sexual não é culpa da vítima, e menos ainda quando a vítima é vulnerável!

MUDANÇAS E REFLEXÕES

Até quando iremos impor aos meninos, em tenra idade, papeis e desenvolturas de homens, adultos? Até quando violentaremos os homens com a obrigação de satisfazer sexualmente uma mulher contra a sua vontade? Até quando a virilidade de um homem ou menino será questionada se rejeitar uma mulher?
Até quando será aplaudida uma mulher usar um menino para suas fantasias sexuais? Até quando um menino que faz favores sexuais será visto como um sortudo? Até quando o abuso sexual de meninos será visto como algo natural e sinal de masculinidade? Crianças são apenas crianças, não podem e não devem ser erotizadas!
Sabe o relato do menino de 10 anos, que contou o que a tia disse pela primeira vez, antes do abuso sexual? Ele cresceu, virou um lindo adulto, bem-sucedido, mas carrega dúvidas, tristezas, lembranças e questiona com frequência as suas “escolhas”, e os seus temores.
Hoje ele conta com ajuda profissional e espera um dia se encontrar, mas ainda carrega sentimentos que doem, e frases angustiantes que escutou e ecoam em seu interior: “eu não estava preparado para aquilo, mal brincava com as meninas da minha sala”… “devia ter pego você mais vezes, assim seria um homem”.
Sara Próton
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Pós-Graduanda em Ciências Criminais, PUC Minas e Direito da Saúde, Faculdade Arnaldo.

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