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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Evangélicas feministas lideram por legalização do aborto e justiça reprodutiva

Por Simony dos Anjos
Quarta-feira, 25 de setembro de 2019

No próximo dia 28 de setembro, em toda América Latina, acontecerão mobilizações em razão do Dia caribenho e latino-americano de luta pela legalização do aborto, e tendo sido a América Latina violentamente cristianizada, as instituições cristãs ainda figuram como as colunas de uma moral que legitima um Estado que ignora a vida das mulheres e suas reivindicações.

A colonização cristã-europeia, que sequestrou de nós nossas espiritualidades originárias e nos cristianizou violentamente, instaura um ambiente de controle dos corpos das mulheres com base nesse moralismo misógino, protagonizado por pastores, padres e movimentos que se intitulam “pró-vida”.  Nós, as feministas, nos perguntamos: “pró-vida de quem?”

No Brasil, uma a cada cinco mulheres de até 40 anos, já abortaram. Destas que abortaram, 56% são católicas e 25% são evangélicas. Ou seja, a igreja – católica e evangélica – defende a criminalização de mulheres que sentam em seus bancos aos domingos, e que as sustentam com seus dízimos.  Na discussão da ADPF 442, no STF, na qual se debateu a questão da descriminalização do aborto, foram apresentados dados alarmantes. Em nosso país, são realizados cerca de um milhão de abortos, resultando em 250 mil mulheres hospitalizadas por esse motivo, das quais 15 mil sofrem complicações e 5 mil enfrentam complicações de muita gravidade. No que diz respeito ao número de mortes, em 2016, morreram 203 mulheres, na última década, cerca de duas mil mulheres perderam suas vidas –  números que podem ser subnotificados, uma vez que não temos um sistema de atendimento adequado para essas situações. E sabemos que essas mulheres que morrem têm cor: negra. 

Entre todas as violências que as populações amefricanas, como diria Lélia González, sofreram, dou destaque para a violência sobre os corpos e filhos das mulheres negras. Até hoje, somos as que mais sofrem violências obstétricas, as que mais morrem em abortos inseguros, a população com maior taxa de mortalidade infantil e, quando se atravessa todo essa violência normatizada socialmente, vemos nossos filhos morrerem a cada 23 minutos. Apenas em 2019, na guerra que o Estado do Rio de Janeiro declarou contra as periferias, já morreram cinco crianças. E essas vidas, para os movimentos “pró-vida”, não importam? As vidas do Kauan Peixoto, 12 anos; da Jenifer Gomes, 11 anos; do Kauan Rozário, 11 anos; do Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos e da Ágatha Félix, 8 anos, não importam?

Assim, as violências contra as mães negras ultrapassam os casos de violências obstétricas e mortes por abortos inseguros. E por tal motivo, os movimentos de mulheres negras têm trazido à baila um adensamento à pauta da legalização do aborto, ampliando para a questão da Justiça Reprodutiva. Em outras palavras, que se deve legalizar o aborto, é ponto pacífico. Mas, e quando essa mulher negra é mãe? Que justiça ela tem?

Ainda mais, no que diz respeito à posição das instituições cristãs, que valor têm os corpos de nossos filhos estendidos no chão? Quando o governador católico do Rio, o presidente católico da República, a ministra evangélica da mulher, da família e dos Direitos Humanos, e tantos outros políticos religiosos, dizem que tem que atirar na favela, de quem são os filhos que irão morrer? O moralismo cristão nos mata duplamente, porque controla nossos corpos e porque normatiza um Estado que condena nossos filhos à morte, em nome de uma religião que nos demoniza e desumaniza. 
Portanto, o que divide mulheres brancas de classe média/média alta e as mulheres negras pobres, no que diz respeito aos Direitos sexuais e reprodutivos, não é somente o alto número de mortes de mulheres negras em abortos inseguros. Existem outros fatores que devem ser considerados, pois quando uma mulher branca e de classe média quer ser mãe, ela goza de muitos mais direitos maternos, do que uma mulher negra. Em Mulheres, raça e classe, Davis diz que:
“os direitos ao aborto são fundamentais para as mulheres e a democracia. Mas eles não podem ser considerados separadamente de outros direitos reprodutivos, como o de ser livre do abuso da esterilização, do direito de ter filhos. Também não se pode assumir que uma vitória nesse campo para as mulheres ricas, que são capazes de arcar com os custos do aborto, seja uma vitória para as pobres”. 
E porque eu acho importante abrir esse debate em plena semana de discussão da legalização do aborto? Por que essa não deve ser a única pauta do movimento feminista. Se de fato queremos que todas as mulheres tenham suas vidas respeitadas e preservadas, se queremos todas na luta, se queremos bater de frente com a instituição cristã e laicizar o debate da legalização do aborto, devemos nos abrir para essa realidade das mulheres negras.

Justiça reprodutiva é sobre creche, é sobre ver nossos filhos vivos e na escola, é sobre escolher quando ser mãe e, se for mãe, que seja com qualidade e respeito, sem o risco de ser vítima da esterilização compulsória. E, no fim das contas, para as mulheres negras, legalização do aborto e o direito à ser mãe é a mesma luta: quando não morremos por abortos inseguros, nossos filhos morrem pela violência de Estado, faz parte de um mesmo projeto de genocídio da população negra. 

Devemos, portanto, lutar com afinco pela legalização do aborto e pelas vidas das mulheres, mas que seja pela vida de todas a mulheres, de fato! Bora para rua dia 28 de setembro debater Justiça Reprodutiva?*

Serviço
Evento: Ato-debate legalizar o aborto, direito ao nosso corpo!
Local e horário: São Paulo, Vão do MASP, dia 28 de setembro, às 14h

Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestranda em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia, educação e a diversidade.

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