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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Adolescentes e mulheres inconscientes são principais vítimas de crime sexual no Carnaval de São Paulo

6 DE FEVEREIRO DE 2020

Levantamento exclusivo da Gênero e Número aponta que registros de estupro de vulnerável relacionados a blocos de Carnaval se intensificam nos cinco dias de festa; série especial de reportagens vai abordar crimes contra mulheres nos maiores carnavais do país  
Por Flávia Bozza Martins, Lola Ferreira e Maria Martha Bruno*
Ainda era pré-Carnaval de 2017 quando a jovem Carolina, na época com 22 anos, tomou um susto ao ver que um homem desconhecido havia tirado sua blusa, por trás. A agressão inicial se desdobrou em uma luta corporal, sem apoio de nenhuma das 700 mil pessoas que acompanhavam o bloco Casa Comigo, no Largo da Batata, em São Paulo. Carolina teve de se defender do homem, que ainda a agarrou pelo pescoço e a jogou no chão. Durante os minutos de pavor de Carolina, abusada e agredida, o culpado ria. Ela conseguiu arranhá-lo mas, nas próprias palavras, nunca irá esquecer o que aconteceu.

O relato do abuso sofrido por Carolina foi curtido ao menos 55 mil vezes no Facebook, e foram mais de 11 mil comentários de apoio. Carolina, como outras dezenas de mulheres, foi mais uma vítima do machismo na festa mais popular do país, na cidade que tem despontado como um dos principais destinos da folia: em 2019, São Paulo ultrapassou o Rio de Janeiro em número de blocos e a previsão para 2020 é um aumento de 62% na quantidade de cortejos, com 796 no total. 
No primeiro trimestre de 2017, ano em que Carolina entrou para as estatísticas, foram 31 crimes sexuais contra mulheres relacionados a eventos de Carnaval, sendo que 29% deles aconteceram entre a sexta e a terça-feira da festa.  Já nos últimos cinco anos, casos de crimes sexuais no primeiro trimestre, em eventos relacionados ao Carnaval (antes, durante ou após a festa), somam 177 registros de ocorrência na Polícia Civil do estado. A Gênero e Número começa por São Paulo uma série de reportagens baseadas em pedidos de dados, via Lei de Acesso à Informação, sobre crimes contra mulheres nos maiores carnavais do país. 
Os números de São Paulo foram enviados pela Secretaria de Segurança Pública do estado. A solicitação exigiu que fossem mandados somente os registros de ocorrência com as palavras-chaves “bloco de carnaval”, “bloco” e “carnaval” no registro. O número de casos pode ser maior, pois casos relacionados a crimes sexuais e abuso tendem à subnotificação.
O crime sexual com maior número de registros no primeiro trimestre de 2019 é estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal. Dos 19 casos com essas características, 53% aconteceram no período do Carnaval. É considerado estupro de vulnerável a prática sexual com qualquer jovem menor de 14 anos de idade e ou qualquer pessoa, de qualquer idade, que não pode oferecer resistência. Os dados apontam que 1/3 dos registros de estupro de vulnerável teve como vítimas mulheres maior de 14 anos. Ou seja: mulheres que, por algum motivo, não puderam consentir. Podem ser considerados casos assim aqueles em que a vítima está embriagada ou foi vítima de golpes como “boa noite, cinderela”.
Os crimes de estupro, ato obsceno e importunação sexual (em vigor somente a partir de 2019) vêm em seguida no ranking. Desde 2015, (exceto a importunação) estas também foram as ocorrências mais registradas por mulheres na polícia paulista nos eventos carnavalescos.   

Ações de prevenção

Com o objetivo de diminuir a incidência dessas ocorrências, a Comissão Feminina do Carnaval de Rua de São Paulo (CFCR) protocolou um ofício a nove secretarias municipais da capital paulista com objetivo de compreender quais ações efetivas têm sido tomadas para proteger as mulheres durante a festa. Entre as ações consideradas importantes, a CFCR pede campanhas sobre a Lei Maria da Penha durante o Carnaval, ampliação do contingente policial feminino, disponibilização de ônibus para atendimento de vítimas de violência sexual e treinamento especial para lidar com esses casos.
Para Thais Haliski, da coordenação da comissão e membro do bloco Acadêmicos da Cerca Frango, a alta incidência de estupro de vulnerável está relacionada à minimização da relevância do machismo (também) na maior festa popular do país.  
“Vivemos em uma sociedade que ainda não consegue ter empatia quando uma mulher é assediada ou estuprada. Saindo desse lugar, fica muito difícil discutir políticas públicas que contemplem ações efetivas contra o assédio e o estupro, porque a base da mudança de comportamento de uma sociedade acontece através de campanhas de conscientização”, afirma. E completa: “O que precisamos de verdade são números mais precisos dos casos e ações de educação para que as próximas gerações entendam que esse tipo de comportamento não é aceitável em uma sociedade”.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo informou à Gênero e Número que haverá 20 tendas na cidade para atender às vítimas durante todo o Carnaval. Individualmente, 50 “anjos e anjas” estarão dispostos ao longo da festa para um trabalho de prevenção. A secretaria explicou que esses voluntários têm experiência com questões ligadas a assédio, mas não especificou quais ações efetivas que eles farão. Por fim, de acordo com a secretaria, haverá também o Ônibus Lilás, com atendimento itinerante e encaminhamento de vítimas.
Haliski afirma que a CFCR apoia a ação dos anjos, mas com uma ressalva: “Desde que sejam treinados para realizarem o atendimento, sejam de preferência mulheres e que tenham identificação clara, para que a vítima saiba onde estarão nos blocos”.
Caso o pedido da comissão seja aceito, mulheres que passaram por situações como a de Carolina, que abre esta reportagem, saberão exatamente quem procurar no momento do abuso. 
Para Haliski, o aumento de ocorrências do tipo está relacionado à maior visibilidade que a festa paulistana ganhou nos últimos anos. Como boas saídas, ela aponta a necessidade de maior agilidade do Poder Público em acompanhar o crescimento da festa, sob a ótica do assédio e destaca campanhas de sucesso da esfera privada, como #CarnavalSemAssédio e #NãoéNão. 
“Precisamos entender como sociedade que o diálogo na construção é primordial para desenvolver campanhas efetivas no carnaval. A união de órgãos públicos como Ministério Público, secretarias de saúde, assistência social, conselhos tutelares, blocos e escolas de samba é fundamental para entendermos a dinâmica do carnaval e assim construir ações que atinjam a maioria da população”, finaliza. 
No Carnaval e a qualquer momento, mulheres vítimas de abuso sexual e testemunhas de ocorrências podem denunciar o Disque 180 ou acionar a polícia no 190. Denuncie.
*Flávia Bozza Martins é analista de dados, Lola Ferreira é repórter e Maria Martha Bruno é editora da Gênero e Número.

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