4 fevereiro 2020
Abi Blake quase foi morta pelo marido — e só quando isso aconteceu ela decidiu terminar o relacionamento e prestar queixa à polícia, conforme relata a jornalista da BBC Sue Mitchell.
O casal foi apresentado por amigos em comum em 2014, logo após o Dia dos Namorados. Ela era gerente de operações no aeroporto de Manchester, e já tinha um filho de um relacionamento anterior; ele era gerente de telecomunicações.
Apenas alguns meses após o primeiro encontro, Abi se casou com o homem que ela chamava de "príncipe", ignorando as desconfianças de familiares e amigos. Enquanto dirigiam para o hotel na lua de mel, ela disse que aquele era um dos momentos mais felizes da sua vida. Mas a felicidade não durou muito.
Sebastian Swamy foi morar com Abi na cidade de Knutsford, em Cheshire, no Reino Unido, e disse à esposa que queria fazer o filho dela muito feliz.
Mas, desde o início, havia certas coisas que a incomodavam em relação ao marido. Ele insistia em dizer a ela como se comportar —"desde usar maquiagem, salto alto, até em relação à minha aparência, como eu devia falar, me portar", relembra.
"Ele costumava apontar o dedo para minha cabeça e dizer, apesar de eu ter um diploma: 'Para alguém com tanto intelecto, você é muito estúpida'. Comecei a duvidar de mim mesma e a me questionar, e isso foi apenas o começo."
Primeiras agressões
Por um longo tempo, Abi tentou ignorar os fatos, dando desculpas para o comportamento do marido e se concentrando nos aspectos positivos da relação: nos momentos em que ele cuidava dela e era gentil, nas ocasiões em que ele a levava para sair, comprava flores e consertava as coisas em casa.
Ele era bonito, e ela se emocionava quando recebia presentes que significavam muito para ele, como o anel que pertencera ao avô na Índia.
Quando a violência física começou, ficou mais difícil ignorar. A primeira vez foi depois que ele a convenceu a sair com amigos. Abi voltou para casa e encontrou vestígios do que parecia ser cocaína na mesinha do filho e garrafas de bebida no chão. Ela exigiu uma explicação e Swamy explodiu.
"Ele me deu um tapa muito, muito forte, depois apertou minha boca e falou para eu calar a boca."
"Eu subi as escadas correndo e, na manhã seguinte, ele se desculpou, dizendo que não tinha sido de propósito, que jamais faria aquilo de novo e que lamentava muito. Ele disse que tinha sido por minha causa, que eu estava gritando, e que ele tinha feito aquilo apenas para eu ficar quieta e para que os vizinhos não ouvissem. Esse foi o primeiro golpe."
'Tudo tão assustador'
Abi tentava esconder os hematomas usando lenços e roupas de manga comprida, mas era mais difícil esconder a vergonha. Quando ficava realmente assustada, chamava a polícia, que levava Swamy e voltava horas depois para conversar com ela.
Mas ela sempre se recusava a prestar queixa, até mesmo quando o marido começou um incêndio na própria casa, enquanto ela dormia no andar de cima.
"Eu sentei, fiquei olhando para a casa e pensando: 'Preciso pintar, preciso limpar.' E apenas disse: 'Não, eu não posso fazer isso'. Então, o policial falou: 'Abi, você sabe que ele precisa ser denunciado por incêndio criminoso'. E eu disse: 'Não, não, não'. Era tudo tão assustador."
Abi conta que o marido a fez acreditar que ela não poderia viver sem ele.
"Sua autoestima e amor próprio caem tanto que você acredita em tudo o que dizem", explica.
A mãe de Abi alertou que um dia ela acabaria dentro de um caixão. Cinco dias depois, as palavras dela quase se tornaram realidade — Swamy chutou e bateu em Abi com tanta força que lesionou a coluna, quebrou as costelas e perfurou um pulmão da mulher. Quando ela estava caída no chão, ele gritou que estava cansado dela e que ela precisava calar a boca.
Abi sobreviveu graças aos vizinhos que vieram em seu socorro e aos cirurgiões que operaram as vértebras lesionadas por meio de uma incisão no pescoço. Ela sofreu lesões permanentes na medula espinhal e foi diagnosticada com transtorno de estresse pós-traumático.
Desta vez, ela se deu conta de que precisava deixá-lo.
A psicóloga forense Keri Nixon está convencida de que, se ela não tivesse abandonado o marido, poderia ser morta em breve.
"Ele era uma pessoa violenta, e acredito que o nível de álcool naquela noite agravou bastante esse ataque em particular, e é por isso que ela potencialmente acabaria morta. Porque ele sairia de novo, ficaria bêbado de novo, irritado com ela novamente, e não teria parado."
Segundo ela, este é um caso de "abuso doméstico grave e de alto risco". Havia controle coercitivo, abuso emocional, isolamento — Swamy desencorajava a mulher de ver os amigos e a família — e abuso físico. E, como acontece muitas vezes nesses casos, a própria Abi estava em negação.
Diante das inúmeras vezes em que os policiais eram chamados para atender a incidentes de abuso doméstico e as vítimas se recusavam a prestar queixa ou retiravam as acusações no dia seguinte, a detetive Claire Jesson, da polícia de Cheshire, teve uma ideia em parceria com um estagiário.
Eles sugeriram que, em vez de a polícia deixar a vítima sozinha por várias horas depois de levar o agressor, seria melhor enviar um agente especializado em abuso doméstico a cada incidente, que permaneceria com a vítima e conversaria com ela sobre as opções para buscar ajuda.
Essa ideia se tornou um programa-piloto, que teve início em Crewe em junho do ano passado, e agora está sendo testado em Macclesfield — e pode ser implementado de forma mais ampla.
"A partir do momento em que eles entram pela porta, estão lá para apoiar a vítima. Estamos construindo esse relacionamento desde o início", explica Jesson.
"O que costumava acontecer é que, se o agressor era preso, os policiais precisavam levá-lo sob custódia e só voltavam mais tarde, quando as pessoas, muitas vezes, tinham decidido não prestar queixa."
Dos 180 casos atendidos pela equipe de abuso doméstico em Crewe, 74 resultaram em acusação, intimação, medida cautelar ou resoluções extrajudiciais, afirma Jesson — uma proporção muito maior do que antes. A duração média das investigações também diminuiu de 32 dias para menos de 20.
"Acho que podemos mostrar que foi bem-sucedido. Está sendo realizada uma análise completa neste momento, e eles vão ver se é viável lançar (o programa) com força total. O feedback dos colegas foi muito positivo, mas não é uma coisa simples. É um enorme investimento para a polícia."
Os dados do Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido mostram como é importante encontrar soluções para o problema. Em 2018, 4,2% dos homens e 7,9% das mulheres sofreram abuso doméstico, o que equivale a cerca de 685 mil vítimas masculinas e 1,3 milhão do sexo feminino Os assassinatos relacionados à violência doméstica tiveram cinco anos de alta, com uma média de duas mulheres mortas a cada semana.
Por que isso acontece?
As vítimas de abuso geralmente perguntam à psicóloga forense Keri Nixon o que faz com que seus parceiros ajam daquela maneira.
"Na maioria dos casos, os agressores com quem trabalhei cresceram testemunhando abusos domésticos", diz ela.
"Às vezes, há agressores com uma personalidade muito narcisista, cujas mães fizeram com que se sentissem a melhor coisa do mundo. Quando eram repreendidos, a mãe os defendia. Era quase como se dissessem: 'Meu filho não faz nada de errado'. E elas criaram esses monstros narcisistas que acham que podem apenas passar pela vida como bem entenderem."
"E se esse tipo de cara também testemunhou abuso doméstico, é muito provável que seja abusivo em seus relacionamentos e não assuma nenhuma responsabilidade. Portanto, quando são libertados da prisão, 'não é culpa deles'. Eles vão entrar em outro relacionamento, vão sair para beber, para jantar, vão seduzir e fazer a mulher se apaixonar por eles e, na sequência, vão começar a repetir o mesmo padrão."
Keri Nixon diz que o foco em pessoas que são assassinadas por seus parceiros faz com que vítimas como Abi, às vezes, sejam esquecidas.
"Eu trabalhei com forças policiais em todo o país, e investiguei muitos, muitos casos de abuso doméstico, onde as vítimas são quase abandonadas para morrer, e não ouvimos falar sobre esses casos."
"Trabalhei em um caso em que uma mulher teve a cabeça golpeada repetidamente contra a banheira até ser quase morta, um caso em que uma mulher foi esfaqueada e depois se levantou no tribunal e defendeu o agressor, porque estava num ponto em que ela não conseguia deixá-lo", diz.
O caso de Abi chegou aos tribunais e, em janeiro de 2019, Sebastian Swamy admitiu ter causado graves lesões corporais à mulher — e ficou preso por três anos e quatro meses. Ele disse que começou a beber mais depois que foi vítima de um golpe e perdeu muito dinheiro.
Ao proferir a sentença, o juiz Steven Everett afirmou que Swamy causou ferimentos graves e catastróficos à esposa, e que a vida dela nunca mais seria a mesma.
"Você era o Dr. Jekyll para as pessoas na rua, mas estava claro que você era capaz de ser o Mr. Hyde quando estava dentro de casa", declarou o juiz, fazendo referência aos personagens do livro O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson.
Embora Swamy tenha sido condenado a mais de três anos de prisão, ele havia passado algum tempo sob custódia antes do julgamento — e Abi descobriu no verão passado que ele seria libertado muito antes do esperado. Quando os oficiais de justiça se recusaram a informar a data exata, ela pediu ajuda à detetive Jesson.
"Bizarramente, e não consigo entender muito bem até hoje, Abi não estava sendo informada da data. Por motivos de proteção de dados, os oficiais não estavam dispostos a divulgar a data, então apenas peguei o telefone e disse a eles: 'Este é um caso de alto risco, precisamos divulgar essa informação imediatamente'."
Abi se escondeu quando Swamy deixou a prisão de Wrexham. Ele foi para a casa da família em Berkshire — e quando ela soube que ele estava sob vigilância eletrônica, voltou para casa.
Abi se orgulha agora de ajudar outras vítimas como ela por meio de seu trabalho com a instituição My CWA, baseada em Cheshire, que oferece refúgio, creche, apoio familiar, assistência telefônica 24 horas, programa para agressores, terapia para crianças, área de relaxamento para quem quer socializar e instalações para quem deseja aprender novas habilidades.
Os agentes especializados em abuso doméstico, pela detetive Jesson, visitam regularmente a instituição — e são recebidos calorosamente pelas mulheres que ajudaram.
Abi espera que outras vítimas não sofram da mesma forma que ela, e faz um apelo para que elas se salvem, tomando uma atitude mais cedo do que ela.
"Não começa com o (abuso) físico, começa com o psicológico. Eu não sabia que isso era abuso, até ser quase morta — foi então que recebi a ajuda de que tanto precisava. Portanto, se você conseguir se livrar (ainda) no nível psicológico, caia fora. Estou me manifestando na esperança de ajudar ou de salvar uma pessoa e/ou seus filhos."
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