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sexta-feira, 13 de março de 2020

Como é ser astrônoma? Os desafios enfrentados pelas mulheres na profissão


  • As astrônomas que assinam a coluna "Mulheres das Estrelas" relatam preconceitos enfrentados por profissionais mulheres nessa área da ciência

    ANA POSSES, DUÍLIA DE MELLO E GEISA PONTE*

09 MAR 2020

"(...) QUAL O GRANDE FURO DE REPORTAGEM? Voltem para a pia cheia de louça para
lavar!!”

Este foi um comentário que recebemos no post no Facebook da Galileu sobre nossa última coluna falando da estrela Betelgeuse. Apesar desse tipo de comentário ser minoria (recebemos muito mais mensagens de carinho e agradecemos demais por isso), de vez em quando uma ofensa dessas aparece.

Esse discurso sexista não nos desanima. Mas, por que ainda assim ligamos para isso? Porque, no final das contas, esse é um reflexo de situações e crenças ultrapassadas que nós, mulheres, temos que enfrentar quando decidimos seguir carreiras em áreas predominante masculinas como as ciências exatas e engenharias.
Os estigmas começam bem cedo. Ainda na escola, existe um mito quase onipresente de que meninas não são boas em matemática – fato que já foi desmentido em vários estudos sérios de instituições respeitadas. E a coisa não melhora muito quando vamos para o ensino médio e a faculdade.
Nós já recebemos inúmeras mensagens de meninas que desejam cursar Astronomia, mas os pais não concordam pois “não é coisa de menina fazer um curso de exatas”. Esse pensamento é uma grande bobagem, mas infelizmente ele é o motivo de muitas garotas desistirem ou serem impedidas de mesmo começar a seguir seus sonhos.
Dentro da nossa própria experiência de vida, já testemunhamos algumas situações bem desagradáveis de assédio moral ou sexual – em experiências próprias ou de amigas. Sabemos que isso é recorrente, e que mulheres já desistiram da carreira por sofrer assédio e bullying de pessoas que as deveriam apoiar.
Quando falamos sobre nossas experiências pessoais e de situações ocorridas com colegas nossas, sabemos que, infelizmente, não se trata de meras evidências anedóticas. Existem estatísticas com levantamento de dados que confirmam que esses casos são recorrentes ao redor de todo o mundo. Um pesquisa divulgada em 2018 mostra que doutoras astrônomas americanas abandonam a carreira em astronomia em uma taxa de 3 a 4 vezes maior do que homens antes de conseguirem um cargo como professora/pesquisadora.
Até mesmo pesquisadoras pós-doutoras e as estabelecidas em posições permanentes também sofrem do que chamamos de viés inconsciente. Isso significa que crenças ultrapassadas podem ser reproduzidas por nós mesmos sem percebermos. Um exemplo é o excelente estudo feito a partir de propostas de observação do Hubble. Para poder utilizar esse telescópio, o líder de um projeto precisa mostrar para uma comissão de seleção de tempo por que seu trabalho é cientificamente tão importante e para que precisa utilizar esse telescópio.
Porém, em 2014, a comissão estava bem preocupada: a maioria dos líderes de projetos eram homens e enquanto 23% dos projetos de líderes homens conseguiam tempo para observar com o Hubble, apenas 19% dos projetos com líderes mulheres eram bem-sucedidos em poder utilizá-lo. Além disso, os projetos liderados por mulheres recebiam notas de avaliação mais duras do que as recebidas por homens.
Para solucionar esse problema, gradativamente o comitê retirou dos pedidos os nomes dos líderes e colaboradores e incentivou a comunidade a deixar sua proposta o mais anônima possível, sem deixar claro quem era os responsáveis pelo projeto. E o resultado é impressionante: a partir de 2018, quando as propostas se tornaram 100% anônimas, os projetos com líderes mulheres começaram a ter notas menos duras chegando a uma taxa de aceite de 30%, comparativamente superior à taxa de líderes masculinos. Com propostas anônimas, as taxas de aceitação para projetos liderados por homens estatisticamente não mudaram muito.
Mas, se o cenário é esse, por que ainda resistimos? Por que não desanimamos? Porque sabemos que já existem diversas iniciativas em ação que visam exterminar os preconceitos e lutam pela equidade entre todos dentro da produção científica. Um dos principais fatores é luta pela pluralidade. Diversidade de gênero, etnia e cultura é essencial para produção científica de excelência.

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