Quatro pesquisadoras discutem como a desigualdade afeta a participação feminina em diferentes áreas profissionais
UFRGS
8 de março de 2018 · Reportagem: Nathália Cassola e Yuri Correa
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8 de março de 2018 · Reportagem: Nathália Cassola e Yuri Correa
O dia 8 de março, adotado pela Organização das Nações Unidas e por diversos países como o Dia da Mulher, é uma celebração de conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres ao longo dos anos. A origem dessa data vem das manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e de trabalho durante a Primeira Guerra Mundial, no ano de 1917. Foi a partir da manifestação organizada por elas que o dia 8 foi escolhido. Não só uma celebração, o Dia da Mulher é uma forma de conscientização da sociedade sobre as desigualdades de gênero que ainda existem.
Uma pesquisa feita pelo Grupo de Consultoria de Boston (BCG) com mais de 5 mil pessoas constatou que empresas promovendo um maior progresso nas políticas da diversidade de gênero têm, em média, 85% de mulheres e 87% de homens que buscam subir de cargo. Enquanto naquelas companhias mais conservadoras em relação à distribuição de cargos e à inclusão, a média das mulheres cai para 66%. Ou seja, o levantamento conclui que, nesses ambientes, as mulheres perdem a ambição profissional. As professoras do Instituto de Física da UFRGS Daniela Pavani e Carolina Brito notaram algo similar durante as ações de extensão com crianças em escolas públicas que as levaram a criar o projeto Meninas na Ciência. As docentes perceberam dois fenômenos: 1º – as crianças são muito curiosas nas séries mais iniciais, e esse interesse se perde conforme avançam na grade curricular; 2º – nesses primeiros estágios, a participação de meninos e meninas é igual em todos os assuntos, mas, no que tange a ciência, as meninas deixam de participar nas séries posteriores. “Muitas vezes há o interesse, mas elas simplesmente não se enxergam como parte daquele espaço”, conta Pavani.
Segundo ela, isso ocorre por causa dos chamados “beliscões” ou “mordidas de mosquito”, adversidades do dia a dia que vão desincentivando as mulheres a investir em certos campos ou carreiras; é a noção cultural de que os homens é que dominam esse ou aquele assunto, são as desigualdades de salário entre os gêneros em cargos idênticos, os comentários e as posturas no local de serviço, e também o fato de serem preteridas caso decidam ter filhos. Abordando especificamente este último aspecto, a professora do Instituto de Biociências da UFRGS Fernanda Staniscuaski, mãe de dois filhos, coordena o projeto Parent in Science (o nome é mantido em inglês para não desconsiderar os homens que se dedicam aos seus filhos tanto quanto as mães) e está realizando um estudo aprofundado sobre os impactos da maternidade na carreira científica, a fim de criar novas políticas de apoio e fundos de financiamento para apoiar a participação das mulheres na Ciência.
Retornando para os seus laboratórios e salas de aulas após a licença maternidade, essas pesquisadoras muitas vezes se sentem deslocadas no ambiente de trabalho. A produtividade diminui e, consequentemente, reduzem-se as chances de conseguir financiamento. Sem financiamento, a produtividade continua a cair. É um círculo vicioso que a maior parte das mulheres só consegue escapar cerca de cinco anos após a gravidez, quando retornam à produtividade que tinham anteriormente. O estudo, iniciado com o intuito de desenvolver políticas de apoio que ajudariam as mães no retorno ao trabalho, acabou virando um projeto de pesquisa com um questionário para as pesquisadoras mães (e, mais recentemente, um segundo questionário para os pais e para alunas de pós-graduação) para identificar esses impactos da gravidez no cenário profissional. Para Staniscuaski, é importante trazer visibilidade para esse tema que era frequentemente ignorado. “Enxergar essa situação em outros lugares te traz um sossego de que tu não és a única”, afirma a professora.
A pesquisa abriu muitas portas, e Staniscuaski já foi convidada para palestrar sobre o assunto em diversos lugares. Com o apoio do Instituto Serrapilheira, uma instituição privada de apoio à ciência, o grupo de pesquisa está organizando um simpósio que ocorrerá nos dias 10 e 11 de maio no anfiteatro da PUCRS e contará com a presença de pesquisadoras de vários cantos do país para falar sobre o assunto e suas experiências pessoais como mulheres na ciência. Staniscuaski sabe que a queda de produtividade após a gravidez é inevitável e não pretende que não aconteça. “A gente quer que no início da vida dos filhos, a mãe possa se dedicar a eles”, confessa. Entretanto, o tempo que leva para retomar a carreira poderia ser diminuído se existissem incentivos que facilitassem o retorno aos laboratórios dessas mães que estiveram longe por tanto tempo. O dinheiro poderia ser utilizado da maneira que melhor auxiliar a pesquisadora. Com relação a comentários recebidos de que elas estariam advogando em causa própria, Staniscuaski afirma que somente buscam fazer uma diferença na vida das futuras mães, para que as suas carreiras profissionais não precisem sofrer tanto com a maternidade. “Se tivessem políticas de apoio ou até mesmo só a discussão sobre o assunto, eu não teria sofrido o que sofri. A gente quer viver a maternidade de uma maneira satisfatória e recompensante e nem por isso a gente precisa pagar o preço profissional.”, expressa a professora.
Entretanto, bem antes disso, é preciso incentivar as jovens mulheres desde cedo a ocupar esse espaço. Daniela Pavani e Carolina Brito têm esse objetivo com o projeto Meninas na Ciência, criado em 2014 a partir das ideias que já vinham sido trabalhadas em escolas propondo exercícios e atividades relacionadas à robótica, à astrofísica e à computação. Enquanto tinham o incentivo do CNPq, as professoras também traziam algumas estudantes para conhecer o Instituto de Física na UFRGS, visitas que depois passaram a se estender a outras unidades. Além disso, o projeto pegou a ideia de uma campanha feita na Universidade Mackenzie em São Paulo e lançou nas redes sociais a hashtag “esse é o meu professor” (#esseéomeuprofessor), para que as pessoas denunciassem frases de conteúdo machista, sexista, racista (entre outras problemáticas) ditas pelos docentes em sala de aula. A iniciativa foi um sucesso e recebeu mais de 150 frases apenas nas primeiras 24 horas. Ao fim, as mais chamativas foram impressas e coladas nos murais das respectivas unidades acadêmicas da UFRGS de onde a denúncia tinha saído, para que os professores autores dessas falas pudessem ser confrontados com aquilo.
As mulheres como musicistas
O campo da ciência, porém, não é o único que apresenta disparidades com relação ao homem e à mulher. Embora as mulheres venham conquistando mais direitos e igualdade entre os gêneros nas últimas décadas, é possível afirmar que essa luta está longe de acabar. A questão da desigualdade de gênero que permeia a nossa sociedade ainda tem consequências bem visíveis, mesmo que muitas vezes sejam minimizadas devido à sensibilidade desse tema. Para a professora do Instituto de Artes (IA) da UFRGS Isabel Nogueira, é impossível separar a música da sociologia. O foco de vários dos seus projetos e trabalhos de pesquisa é a questão do gênero dentro de diversos campos musicais e como essas construções afetam os artistas. “A questão das construções de gênero não afetam somente as mulheres, mas elas são justamente jeitos estereotipados das pessoas se comportarem. É importante desconstruir o gênero, mas também entender gênero como uma primeira categoria política”, afirma ela ao falar que isso não se limita apenas a homens e mulheres, mas a pessoas não binárias também.
Para Nogueira, falar sobre o assunto é necessário para desconstruir o que conhecemos como gênero. Atualmente, a designação vem desde o nascimento e já impõe restrições, definindo o que podemos ou não podemos fazer – se tornou uma categoria naturalizada, um mito que se fortalece cada vez mais se não falarmos sobre ele. Segunda ela, a recepção de artistas mulheres varia nos diferentes estilos musicais, e o acesso ao campo da música está longe de ser igualitário. Geralmente, elas são menos bem-vistas se são improvisadoras, ou se trabalham em qualquer ramo que envolva o conhecimento de técnicas e tecnologias. Como cantoras, a recepção é mais favorável. Já como compositoras, muitas vezes são invisibilizadas.
A sua pesquisa começou com uma análise da escola pianística desenvolvida no Conservatório de Música de Pelotas e da diferença entre o número de matrículas de alunas e de alunos já no ano de 1918. Baseado em uma educação positivista, a maioria das mulheres que buscavam a educação musical tinha o intuito de atrair um bom casamento com os seus dotes. Através de um levantamento em jornais da época, Nogueira percebeu que todas as concertistas eram acompanhadas pelos pais ou maridos. Apesar de muito tempo ter se passado desde aquela época, a questão do gênero continua afetando as artistas, e essas construções ainda têm efeitos nos dias de hoje. De acordo com uma pesquisa divulgada em dezembro de 2017 pelo Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e Música do IA, a diferença entre alunos e alunas ingressantes nos cursos de música ainda é significativa. Enquanto 257 alunos são homens, há somente 97 alunas. Em cursos como os de piano, regência, cordas e sopros, música popular e composição, a discrepância é maior do que o dobro. Na música popular, são 123 homens para 30 mulheres. Já nos cursos de canto, as mulheres são maioria. A professora reforça que estes dados, apesar de representarem somente os cursos da UFRGS, refletem a desigualdade que afeta outras universidades e o campo da música como um todo.
Fonte: Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e Música do Instituto de Artes da UFRGS
Com um tema tão delicado para a sua pesquisa, Nogueira recebeu inúmeras reações negativas, frequentemente diminuindo a importância do seu trabalho. “Então por que não tem trabalhos sobre gênero nos congressos de música? Por que não tem obras de compositoras mulheres em nenhum programa de concerto? Por que na faculdade não se estuda compositoras mulheres? Isso não tem a ver com o gênero?”, ela questiona. De acordo com a professora, as formas de assédio são subliminares. Pela primeira vez, este ano foi aprovado um simpósio temático sobre música e gênero no congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM). Trabalhando com o tema desde 2001, Nogueira ainda pretende seguir com essa linha de pesquisa. A professora busca fazer parcerias com outras mulheres, através das quais espera gerar processos de empoderamento e criar modelos femininos dentro do campo da música que possam servir de inspiração para outras artistas.
As mulheres como atletas
Como na música, a diferença de tratamento entre os gêneros se faz presente no campo do esporte. Faz 20 anos que Silvana Goellner trabalha com a questão das mulheres e sua presença e participação nesse ramo. Professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (Esefid) da UFRGS, Goellner resolveu pesquisar sobre a participação da mulher no esporte ao perceber a diferença de visibilidade delas com relação aos homens nesse meio. “O esporte é generificado. Há uma diferença grande em termos da presença e iguais condições de sobreviver no esporte”, declara. A partir de levantamentos históricos sobre o assunto, Goellner pretende mostrar como as mulheres sempre estiveram presentes no mundo dos esportes, apesar de pouco noticiadas. O seu objetivo é simples: ressaltar o protagonismo delas nas práticas esportivas e trazer visibilidade para essas atletas.
Recentemente, a pesquisadora focou o futebol feminino e as dificuldades que somente as mulheres encontram para viver desse esporte, diferentemente dos times masculinos. As jogadoras de futebol muitas vezes precisam de outros empregos para poder se sustentar, incapazes de viver somente do esporte. Elas têm premiações menores, menos campeonatos e menos chances de se manterem no alto nível da competição. Na questão do esporte como lazer, as áreas públicas como parques ou praças são majoritariamente dominadas por homens, e as mulheres precisam fazer movimentos reivindicatórios para conseguir um espaço. Até mesmo na educação física escolar, o incentivo para as meninas seguirem com o esporte é muito menor se comparado com os meninos.
Professora, curadora e coordenadora de vários projetos, Goellner destaca que a pesquisa histórica sobre como se deu essa participação das mulheres em diversos esportes é uma parte essencial. “(…) como que vamos conhecer e reconhecer a importância das mulheres no esporte brasileiro se a gente não conhece todas as lutas que elas tiveram que bancar para poder entrar, se manter e viver desse esporte?”, questiona a pesquisadora. O início do século XX marca o começo do esporte no Brasil, o qual foi primeiramente adotado como uma tradição para as famílias de elite, sempre com a presença das mulheres. Através dessa pesquisa que Goellner aponta vários marcos importantes dentro do esporte brasileiro, sendo um deles o ano de 1941, quando o Conselho Nacional de Desportos aprovou um decreto que proibia a participação das mulheres em algumas atividades que eram consideradas incompatíveis com a sua natureza, como diferentes modalidades de futebol, rugby e polo. Por quase 40 anos, as mulheres foram proibidas de participar de competições dessas modalidades, mas isso não quer dizer que elas não as praticavam. Entretanto, é claro que essas quatro décadas em que o decreto vigorou acabaram gerando um atraso nesses esportes no país, o que tem efeitos até os dias atuais.
Para Goellner, o conhecimento dessa história é fundamental para reconhecer a importância das mulheres no esporte brasileiro através de todas as lutas que elas tiveram que enfrentar para chegar e se manter naquele espaço. “Entender esse lapso entre os dois tempos é fundamental para que a gente consiga entender quais foram as condições que fizeram o esporte para mulheres ser aquilo que ele é”, atesta. Silvana aponta que ainda há uma grande luta pela frente para conquistar esse terreno e melhorar as condições das mulheres no esporte, mas acredita que, compreendendo o passado, podemos melhor projetar o futuro para que as mulheres possam se empoderar cada vez mais nesse elemento da nossa cultura que é o esporte.
O trabalho de pesquisadoras como Daniela Pavani, Fernanda Staniscuaski, Isabel Nogueira, Silvana Goellner, tanto no nosso país como no nível internacional, é trazer visibilidade para essas diferenças e desigualdades que estão presentes nos mais diversos campos profissionais e mostrar como elas afetam as mulheres. Apesar das conquistas ao longo dos anos, ainda há muito o que fazer em relação à igualdade de gêneros. Falar sobre esses temas é de extrema importância: somente gerando essas discussões que seremos capazes de mudar o futuro.
Uma pesquisa feita pelo Grupo de Consultoria de Boston (BCG) com mais de 5 mil pessoas constatou que empresas promovendo um maior progresso nas políticas da diversidade de gênero têm, em média, 85% de mulheres e 87% de homens que buscam subir de cargo. Enquanto naquelas companhias mais conservadoras em relação à distribuição de cargos e à inclusão, a média das mulheres cai para 66%. Ou seja, o levantamento conclui que, nesses ambientes, as mulheres perdem a ambição profissional. As professoras do Instituto de Física da UFRGS Daniela Pavani e Carolina Brito notaram algo similar durante as ações de extensão com crianças em escolas públicas que as levaram a criar o projeto Meninas na Ciência. As docentes perceberam dois fenômenos: 1º – as crianças são muito curiosas nas séries mais iniciais, e esse interesse se perde conforme avançam na grade curricular; 2º – nesses primeiros estágios, a participação de meninos e meninas é igual em todos os assuntos, mas, no que tange a ciência, as meninas deixam de participar nas séries posteriores. “Muitas vezes há o interesse, mas elas simplesmente não se enxergam como parte daquele espaço”, conta Pavani.
Segundo ela, isso ocorre por causa dos chamados “beliscões” ou “mordidas de mosquito”, adversidades do dia a dia que vão desincentivando as mulheres a investir em certos campos ou carreiras; é a noção cultural de que os homens é que dominam esse ou aquele assunto, são as desigualdades de salário entre os gêneros em cargos idênticos, os comentários e as posturas no local de serviço, e também o fato de serem preteridas caso decidam ter filhos. Abordando especificamente este último aspecto, a professora do Instituto de Biociências da UFRGS Fernanda Staniscuaski, mãe de dois filhos, coordena o projeto Parent in Science (o nome é mantido em inglês para não desconsiderar os homens que se dedicam aos seus filhos tanto quanto as mães) e está realizando um estudo aprofundado sobre os impactos da maternidade na carreira científica, a fim de criar novas políticas de apoio e fundos de financiamento para apoiar a participação das mulheres na Ciência.
Retornando para os seus laboratórios e salas de aulas após a licença maternidade, essas pesquisadoras muitas vezes se sentem deslocadas no ambiente de trabalho. A produtividade diminui e, consequentemente, reduzem-se as chances de conseguir financiamento. Sem financiamento, a produtividade continua a cair. É um círculo vicioso que a maior parte das mulheres só consegue escapar cerca de cinco anos após a gravidez, quando retornam à produtividade que tinham anteriormente. O estudo, iniciado com o intuito de desenvolver políticas de apoio que ajudariam as mães no retorno ao trabalho, acabou virando um projeto de pesquisa com um questionário para as pesquisadoras mães (e, mais recentemente, um segundo questionário para os pais e para alunas de pós-graduação) para identificar esses impactos da gravidez no cenário profissional. Para Staniscuaski, é importante trazer visibilidade para esse tema que era frequentemente ignorado. “Enxergar essa situação em outros lugares te traz um sossego de que tu não és a única”, afirma a professora.
A pesquisa abriu muitas portas, e Staniscuaski já foi convidada para palestrar sobre o assunto em diversos lugares. Com o apoio do Instituto Serrapilheira, uma instituição privada de apoio à ciência, o grupo de pesquisa está organizando um simpósio que ocorrerá nos dias 10 e 11 de maio no anfiteatro da PUCRS e contará com a presença de pesquisadoras de vários cantos do país para falar sobre o assunto e suas experiências pessoais como mulheres na ciência. Staniscuaski sabe que a queda de produtividade após a gravidez é inevitável e não pretende que não aconteça. “A gente quer que no início da vida dos filhos, a mãe possa se dedicar a eles”, confessa. Entretanto, o tempo que leva para retomar a carreira poderia ser diminuído se existissem incentivos que facilitassem o retorno aos laboratórios dessas mães que estiveram longe por tanto tempo. O dinheiro poderia ser utilizado da maneira que melhor auxiliar a pesquisadora. Com relação a comentários recebidos de que elas estariam advogando em causa própria, Staniscuaski afirma que somente buscam fazer uma diferença na vida das futuras mães, para que as suas carreiras profissionais não precisem sofrer tanto com a maternidade. “Se tivessem políticas de apoio ou até mesmo só a discussão sobre o assunto, eu não teria sofrido o que sofri. A gente quer viver a maternidade de uma maneira satisfatória e recompensante e nem por isso a gente precisa pagar o preço profissional.”, expressa a professora.
Entretanto, bem antes disso, é preciso incentivar as jovens mulheres desde cedo a ocupar esse espaço. Daniela Pavani e Carolina Brito têm esse objetivo com o projeto Meninas na Ciência, criado em 2014 a partir das ideias que já vinham sido trabalhadas em escolas propondo exercícios e atividades relacionadas à robótica, à astrofísica e à computação. Enquanto tinham o incentivo do CNPq, as professoras também traziam algumas estudantes para conhecer o Instituto de Física na UFRGS, visitas que depois passaram a se estender a outras unidades. Além disso, o projeto pegou a ideia de uma campanha feita na Universidade Mackenzie em São Paulo e lançou nas redes sociais a hashtag “esse é o meu professor” (#esseéomeuprofessor), para que as pessoas denunciassem frases de conteúdo machista, sexista, racista (entre outras problemáticas) ditas pelos docentes em sala de aula. A iniciativa foi um sucesso e recebeu mais de 150 frases apenas nas primeiras 24 horas. Ao fim, as mais chamativas foram impressas e coladas nos murais das respectivas unidades acadêmicas da UFRGS de onde a denúncia tinha saído, para que os professores autores dessas falas pudessem ser confrontados com aquilo.
As mulheres como musicistas
O campo da ciência, porém, não é o único que apresenta disparidades com relação ao homem e à mulher. Embora as mulheres venham conquistando mais direitos e igualdade entre os gêneros nas últimas décadas, é possível afirmar que essa luta está longe de acabar. A questão da desigualdade de gênero que permeia a nossa sociedade ainda tem consequências bem visíveis, mesmo que muitas vezes sejam minimizadas devido à sensibilidade desse tema. Para a professora do Instituto de Artes (IA) da UFRGS Isabel Nogueira, é impossível separar a música da sociologia. O foco de vários dos seus projetos e trabalhos de pesquisa é a questão do gênero dentro de diversos campos musicais e como essas construções afetam os artistas. “A questão das construções de gênero não afetam somente as mulheres, mas elas são justamente jeitos estereotipados das pessoas se comportarem. É importante desconstruir o gênero, mas também entender gênero como uma primeira categoria política”, afirma ela ao falar que isso não se limita apenas a homens e mulheres, mas a pessoas não binárias também.
Para Nogueira, falar sobre o assunto é necessário para desconstruir o que conhecemos como gênero. Atualmente, a designação vem desde o nascimento e já impõe restrições, definindo o que podemos ou não podemos fazer – se tornou uma categoria naturalizada, um mito que se fortalece cada vez mais se não falarmos sobre ele. Segunda ela, a recepção de artistas mulheres varia nos diferentes estilos musicais, e o acesso ao campo da música está longe de ser igualitário. Geralmente, elas são menos bem-vistas se são improvisadoras, ou se trabalham em qualquer ramo que envolva o conhecimento de técnicas e tecnologias. Como cantoras, a recepção é mais favorável. Já como compositoras, muitas vezes são invisibilizadas.
A sua pesquisa começou com uma análise da escola pianística desenvolvida no Conservatório de Música de Pelotas e da diferença entre o número de matrículas de alunas e de alunos já no ano de 1918. Baseado em uma educação positivista, a maioria das mulheres que buscavam a educação musical tinha o intuito de atrair um bom casamento com os seus dotes. Através de um levantamento em jornais da época, Nogueira percebeu que todas as concertistas eram acompanhadas pelos pais ou maridos. Apesar de muito tempo ter se passado desde aquela época, a questão do gênero continua afetando as artistas, e essas construções ainda têm efeitos nos dias de hoje. De acordo com uma pesquisa divulgada em dezembro de 2017 pelo Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e Música do IA, a diferença entre alunos e alunas ingressantes nos cursos de música ainda é significativa. Enquanto 257 alunos são homens, há somente 97 alunas. Em cursos como os de piano, regência, cordas e sopros, música popular e composição, a discrepância é maior do que o dobro. Na música popular, são 123 homens para 30 mulheres. Já nos cursos de canto, as mulheres são maioria. A professora reforça que estes dados, apesar de representarem somente os cursos da UFRGS, refletem a desigualdade que afeta outras universidades e o campo da música como um todo.
Fonte: Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e Música do Instituto de Artes da UFRGS
Com um tema tão delicado para a sua pesquisa, Nogueira recebeu inúmeras reações negativas, frequentemente diminuindo a importância do seu trabalho. “Então por que não tem trabalhos sobre gênero nos congressos de música? Por que não tem obras de compositoras mulheres em nenhum programa de concerto? Por que na faculdade não se estuda compositoras mulheres? Isso não tem a ver com o gênero?”, ela questiona. De acordo com a professora, as formas de assédio são subliminares. Pela primeira vez, este ano foi aprovado um simpósio temático sobre música e gênero no congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM). Trabalhando com o tema desde 2001, Nogueira ainda pretende seguir com essa linha de pesquisa. A professora busca fazer parcerias com outras mulheres, através das quais espera gerar processos de empoderamento e criar modelos femininos dentro do campo da música que possam servir de inspiração para outras artistas.
As mulheres como atletas
Como na música, a diferença de tratamento entre os gêneros se faz presente no campo do esporte. Faz 20 anos que Silvana Goellner trabalha com a questão das mulheres e sua presença e participação nesse ramo. Professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (Esefid) da UFRGS, Goellner resolveu pesquisar sobre a participação da mulher no esporte ao perceber a diferença de visibilidade delas com relação aos homens nesse meio. “O esporte é generificado. Há uma diferença grande em termos da presença e iguais condições de sobreviver no esporte”, declara. A partir de levantamentos históricos sobre o assunto, Goellner pretende mostrar como as mulheres sempre estiveram presentes no mundo dos esportes, apesar de pouco noticiadas. O seu objetivo é simples: ressaltar o protagonismo delas nas práticas esportivas e trazer visibilidade para essas atletas.
Recentemente, a pesquisadora focou o futebol feminino e as dificuldades que somente as mulheres encontram para viver desse esporte, diferentemente dos times masculinos. As jogadoras de futebol muitas vezes precisam de outros empregos para poder se sustentar, incapazes de viver somente do esporte. Elas têm premiações menores, menos campeonatos e menos chances de se manterem no alto nível da competição. Na questão do esporte como lazer, as áreas públicas como parques ou praças são majoritariamente dominadas por homens, e as mulheres precisam fazer movimentos reivindicatórios para conseguir um espaço. Até mesmo na educação física escolar, o incentivo para as meninas seguirem com o esporte é muito menor se comparado com os meninos.
Professora, curadora e coordenadora de vários projetos, Goellner destaca que a pesquisa histórica sobre como se deu essa participação das mulheres em diversos esportes é uma parte essencial. “(…) como que vamos conhecer e reconhecer a importância das mulheres no esporte brasileiro se a gente não conhece todas as lutas que elas tiveram que bancar para poder entrar, se manter e viver desse esporte?”, questiona a pesquisadora. O início do século XX marca o começo do esporte no Brasil, o qual foi primeiramente adotado como uma tradição para as famílias de elite, sempre com a presença das mulheres. Através dessa pesquisa que Goellner aponta vários marcos importantes dentro do esporte brasileiro, sendo um deles o ano de 1941, quando o Conselho Nacional de Desportos aprovou um decreto que proibia a participação das mulheres em algumas atividades que eram consideradas incompatíveis com a sua natureza, como diferentes modalidades de futebol, rugby e polo. Por quase 40 anos, as mulheres foram proibidas de participar de competições dessas modalidades, mas isso não quer dizer que elas não as praticavam. Entretanto, é claro que essas quatro décadas em que o decreto vigorou acabaram gerando um atraso nesses esportes no país, o que tem efeitos até os dias atuais.
Para Goellner, o conhecimento dessa história é fundamental para reconhecer a importância das mulheres no esporte brasileiro através de todas as lutas que elas tiveram que enfrentar para chegar e se manter naquele espaço. “Entender esse lapso entre os dois tempos é fundamental para que a gente consiga entender quais foram as condições que fizeram o esporte para mulheres ser aquilo que ele é”, atesta. Silvana aponta que ainda há uma grande luta pela frente para conquistar esse terreno e melhorar as condições das mulheres no esporte, mas acredita que, compreendendo o passado, podemos melhor projetar o futuro para que as mulheres possam se empoderar cada vez mais nesse elemento da nossa cultura que é o esporte.
O trabalho de pesquisadoras como Daniela Pavani, Fernanda Staniscuaski, Isabel Nogueira, Silvana Goellner, tanto no nosso país como no nível internacional, é trazer visibilidade para essas diferenças e desigualdades que estão presentes nos mais diversos campos profissionais e mostrar como elas afetam as mulheres. Apesar das conquistas ao longo dos anos, ainda há muito o que fazer em relação à igualdade de gêneros. Falar sobre esses temas é de extrema importância: somente gerando essas discussões que seremos capazes de mudar o futuro.
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