A desconectividade brasileira em relação ao forte movimento contra a discriminação de gêneros que tomou conta do mundo é notável
MONICA DE BOLLE
20/03/2018
Espanha, Turquia, França, Bélgica, Itália, China, Paquistão, Índia, Afeganistão, Filipinas, Coreia do Sul. Na América Latina: Argentina, Chile, México. Esses foram alguns dos países onde o Dia Internacional da Mulher foi marcado não por rosas pálidas e inúteis, mas por protestos clamando pela igualdade de oportunidades e pelo fim da discriminação e da violência contra a mulher. A imprensa internacional deu ampla cobertura aos protestos mundo afora. No Brasil, houve protestos em 50 cidades, mas nada comparável ao que ocorreu na Espanha e na Argentina, onde as mobilizações repercutiram ruidosamente.
Em São Paulo, as manifestações pela igualdade de direitos das mulheres foram diluídas em meio às faixas pedindo a cabeça de Temer — faltando apenas alguns meses para as eleições — e repudiando a reforma da Previdência, já enterrada pelo atual governo.
A desconectividade brasileira em relação ao forte movimento contra a discriminação de gêneros que tomou conta do mundo é notável.
Mais notáveis são os comentários depreciativos sobre as demandas femininas que se escutam no país de gente que se considera “liberal e conservadora”. Tão pobre é a cabeça de alguns representantes do dito liberalismo conservador tupiniquim que até cortes de cabelo de atrizes famosas tornaram-se alvo de sua raiva desconexa.
Deu na Bloomberg: “Brazilian men will stop getting cash after killing their wives”, ou “homens brasileiros não mais receberão dinheiro após matarem suas mulheres”. Assim mesmo, na lata. Tratava a matéria de tema dos mais ultrajantes: até novembro do ano passado, maridos responsáveis pela morte de suas mulheres tinham o direito de receber compensação pela perda sofrida. Pesquisas sobre as taxas de homicídio de mulheres mostram a estarrecedora situação brasileira. Na América do Sul, o Brasil encabeça a lista de países com o maior número de mortes violentas de mulheres — os dados são de 2016. No mundo, à frente do Brasil estão apenas a Índia e a Nigéria. Repito: em 2016, os três primeiros lugares no quesito femicídio foram para a Índia, a Nigéria e o Brasil, nessa ordem. Em lista compilada pela onu no ano passado, o Brasil aparece na quinta posição em uma classificação de 83 países sobre assassinatos de mulheres — a cada duas horas uma mulher é assassinada no país por homens com os quais tinham relações afetivas. Estima a onu que o custo da violência contra a mulher — em termos de saúde, dias de trabalho perdidos, atendimento e intervenção — é muito mais elevado que os custos relativos a sua prevenção. Sendo o Brasil país onde a violência contra a mulher é para lá de elevada, imaginem o volume de recursos públicos gastos anualmente. Recursos que poderiam ser mais bem utilizados em políticas que atacassem diretamente o problema.
Há quem acredite no Brasil que esse papo de igualdade de direitos, de violência contra a mulher não passa de feminismo ultrapassado. Comparado ao que se vê em outros países, sobretudo depois do movimento Me Too, pouco é dito sobre o papel da mulher na sociedade e no mercado de trabalho. Estudos recentes do fmi para alguns países mostram que aumentos na taxa de participação feminina no mercado de trabalho poderiam elevar o crescimento do pib em alguns pontos percentuais. Carece o Brasil de investigações semelhantes, ainda que a participação das mulheres no mercado de trabalho seja menor que a de países tão díspares quanto Camarões, República Centro-Africana, Colômbia, República Democrática do Congo, Chipre, Bolívia, Angola, Moçambique e por aí vai. A exclusão feminina no mercado de trabalho brasileiro — tema que deveria ser alvo de políticas públicas, além de ser mais bem investigado — leva muitas vezes à dependência econômica nefanda que termina nas delegacias ou nos cemitérios.
Apesar dessas dramáticas evidências sobre a situação da mulher no Brasil, pouco ou nada se fala sobre esse tema quando se discutem as propostas de campanha para a Presidência ou para outros cargos eletivos. Para completar, temos alguns presidenciáveis com reputação e histórico de agressão verbal contra mulheres circulando incólumes nas pesquisas de intenção de voto. Vamos realmente permitir que isso continue? Ou vamos tratar de pôr as mulheres no centro dos debates sobre o rumo do país?
Nenhum comentário:
Postar um comentário