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sábado, 17 de março de 2018

A política sexual em fevereiro e início de março de 2018

9 mar 2018
O tiroteio em uma escola em Parkland (Flórida) chocou os EUA e o mundo. Os resultados de pesquisas que ganharam visibilidade após a tragédia revelam que a maioria dos autores de tiroteios em massa relatados no país são homens brancos, dos quais uma grande porcentagem tem histórico de supostos ou condenados abusos domésticos. Mais importante, este novo episódio trágico levou a juventude a tomar as ruas e contestar ferozmente as políticas de armas existentes no país sob o lema #NeverAgain (#NuncaMais em português) (verifique uma compilação de artigos em inglês e português).  Já no Brasil, uma das pautas em tramitação no Congresso é a revogação de parte do Estatuto do Desarmamento, ampliando a autorização ao posse de armas.

A trilha do #MeToo continua. Na Austrália, um caso de assédio sexual envolvendo o líder do Partido Nacional levou a uma norma proibindo o sexo entre ministros e suas/seus funcionários. E, escândalos de assédio sexual eclodiram em organizações humanitárias e na ONU.  Evidências relevaram que a equipe masculina da OXFAM trocou dinheiro e outros benefícios por sexo com mulheres e meninas durante operações de resgate após o terremoto do Haiti em 2010. Esses episódios evocam a denúncias de assédio sexual feitas em 2017 contra as tropas brasileiras da  MINUSTAH. Casos similares foram expostos em outras organizações – como Médicos sem Fronteiras (MSF), Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Conselho Norueguês de Refugiados (NRC), Visão Mundial, Mercy Corps e Save the Children – e um caso de assédio sexual envolvendo o vice-diretor brasileiro da UNAIDS chegou à imprensa. Um grupo de analistas,  ao comentar esses eventos lamentáveis, observa que eles tanto comprometem a imagem quanto redizem o apoio a organizações que  desde algum tempo tem sido objeto de um feroz ataque político por parte de setores conservadores.  já sofrem constante ataque político (verifique uma compilação em inglês e português).
À medida que as trilhas #MeToo continuam se irradiando,  vale a pena indagar sobre seus efeitos no Sul global. O impacto da campanha e das controvérsias em torno dela teve, definitivamente, um impacto na América Latina e mais especialmente no Brasil. No entanto, não é tão claro o que está acontecendo na África e na Ásia. Para que essa essa lacuna comece a ser preenchida, o SPW preparou uma compilação preliminar de artigos em português e inglês sobre a China, a Índia, a África do Sul e também a América Latina. Nesta lista, além da América Latina, a Índia é o contexto em que o debate foi mais intenso, abrangendo denúncias de assédio sexual em instituições acadêmicas e Bollywood.
No Brasil
No Brasil, o evento mais importante e positivo aconteceu, de fato, no dia primeiro de março: a decisão do Supremo Tribunal que concede o direito pleno à identidade de gênero sem requisito de diagnóstico médico. A ANTRA e a ABGLT, com toda razão, celebraram essa boa nova com uma declaração e ativistas da ANTRA, para comemorar o fato, queimaram simbolicamente laudos médicos em vídeo e criaram uma nova terminologia: a disforia do laudo.
É também positivo registrar que, no carnaval, o Ministério da Saúde lançou uma nova campanha de prevenção ao HIV/AIDS que, pela primeira vez enfatiza a prevenção combinada, incluindo a recém introduzida PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). OLLA, a marca de preservativos também foi ao ar com uma campanha sem pudor e sem preconceitos o que é mais que necessário nesses tempo de censura e moralismo político (Leia a nota da ABIA).
No âmbito da política carcerária, registrou-se um fato grave e um desdobramento a ser comemorado. No dia 16  de fevereiro, Jessica Monteiro deu à luz na cela da prisão, suscitando um habeas corpus ao Tribunal de São Paulo que por sua vez se desdobrou num habeas corpus coletivo impetrado pela OAB junto ao STF, que emitiu rapidamente a decisão de que todas as gestantes e mães presas preventivamente que tenham filhos até 12 anos ou com necessidades especiais, terão direito à prisão domiciliar.
Já no âmbito do direito do aborto, continuam as más notícias. Caroline Duo, uma jovem de 23 anos, foi encontrada morta após a tentativa de abortamento de uma gestação de quase seis meses. Em sequência, no dia 6 de março, uma jovem e seu namorado foram presos em Corumbá (MS) após a denúncia de agentes de saúde do hospital por conta de sintomas de abortamento.
Já no Senado, o Senador Magno Malta (PR) pediu o arquivamento da sugestão legislativa 15/2014, que também foi deflagrada após duas mortes trágicas, de Jandira e de Elisângela, devido a abortos inseguros no Estado do Rio de Janeiro em 2014 (Leia aqui). Mas no plano do legislativo, a notícia mais importante do mês é que o Artigo 21 da Constituição  Federal, que serve como base legal para intervenção militar na política de segurança pública do Rio de Janeiro, suspende automaticamente a tramitação e votação das  emendas constitucionais. Isso significa que fica paralisado até 2019 o processamento das PECs 181/2015, 29/2015 e 164/2012 que propõe a inclusão do direito à vida desde a concepção na Carta Magna. No entanto, Isso não significa necessariamente o fim dos ataques ao aborto no legislativo federal, pois muitos outros projetos de lei de caráter regressivo continuam sendo tramitados.  Ou seja, os feminismos e demais atores sociais favoráveis ao aborto legal e seguro devem continuar atentos e mobilizados. Nesse sentido, é uma ótima notícia a iniciativa da Revista Marie Claire de lançar no 8 de março a campanha #AbortoSemCrime pela descriminalização do procedimento, que conta com a participação de várias mulheres, inclusive Rebeca Mendes, que teve seu pedido de aborto legal negado pelo STF em dezembro de 2017.
Mas também é importante sublinhar que os debates em torno ao aborto e a questões de gênero e sexualidade não podem passar ao largo da incerta e instável conjuntura política mais ampla na qual a intervenção no Rio é o mais novo e preocupante fato. Sonia Corrêa elabora breves reflexões sobre como e onde essas pautas se cruzam e Carla Rodrigues, num belo artigo para o Blog do IMS, explora as conexões entre a “guerra do Rio” e a experiência vivida por mulheres que abortam clandestinamente e são denunciadas e sancionadas pelo sistema penal.
Finalmente, já que o ano eleitoral começou,  uma notícia alvissareira a registrar é o projeto #MeRepresenta que mapeou 890 candidaturas pró direitos humanos em todo o Brasil de acordo com as pautas de igualdades de gênero, racial e orientação sexual e agora oferece a plataforma para pesquisa na ocasião do ano eleitoral.
No mundo
Aborto
Notícias encorajadoras vêm da Argentina, onde a campanha feminista que luta pelo aborto legal desde 2004 está mais perto de alcançar seu objetivo, já que um projeto de lei de reforma começou a ser discutido pelo Congresso Nacional no dia 6 de março. No dia 19 de fevereiro as mulheres argentinas tomaram as ruas com lenços verdes para reivindicar o aborto legal e cinco dias depois o Presidente Macri se declarou favorável a um debate legislativos sobre o projeto de Lei da Interrupção Voluntária. Alguns observadores sugerem que esta abertura presidencial é uma distração frente às dificuldades econômicas e a popularidade descendente do presidente. (Leia em espanhol) No Congresso, porém, uma plataforma multipartidária está sendo formada para apoiar a mudança legal que inclui o grupo liderado pela senadora Cristina Kirchner, que, como presidente, não apoiou a reforma das leis criminais existentes. O SPW organizou uma compilação preliminar de notícias e artigos sobre esses eventos em espanhol, que serão atualizados à medida que o processamento do projeto prosseguir.
Em El Salvador, onde a criminalização do aborto é absoluta, o Supremo Tribunal emitiu uma decisão favorável sobre o recurso apresentado pela Associação dos Cidadãos para a Despenalização do Aborto e libertou Teodora del Carmen Vasquez. Vasquez foi condenada após sofrer um aborto espontâneo a 30 anos de prisão. Ela passou onze anos na prisão e sua liberação foi uma grande vitória para a luta pelo direito ao aborto na América Latina. (Leia em espanhol)
Na Europa, o Comissário dos Direitos Humanos do Conselho Europeu emitiu uma carta pública às mais altas autoridades da Polônia condenando as seguidas regressões em relação à educação sexual, ao acesso a anticoncepcionais e ao direito ao aborto, que se vê ameaçado por maiores restrições. (Leia a carta em inglês)
Direitos LGBT
A melhor notícia do mês vem do Quênia, onde, em 23 de fevereiro, o Tribunal Superior iniciou um julgamento inovador sobre a inconstitucionalidade dos artigos do código penal da época colonial que proíbem as relações homossexuais.
Nos Estados Unidos, o Tribunal de Recurso de Nova York decidiu no dia 26 sobre a lei federal que proíbe a discriminação por viés sexual no local de trabalho, expandindo o entendimento para atos de discriminação de acordo com a sexualidade também, depois da decisão restritiva em 2017 pelo Secretário de Justiça Jeff Sessions. (Leia em inglês)
Na Indonésia, onde os vários episódios de repressão às pessoas LGBT foram relatados nos últimos anos, o Código Penal do país está passando por uma revisão e isso representa uma ameaça ao direito à privacidade, que pode afetar negativamente as relações extraconjugais e entre o mesmo sexo. Em resposta, uma petição online reuniu oitenta mil assinaturas e o Comissário de Direitos Humanos Zeid Ra’ad Al Hussein expressou a sua consternação quando em visita ao país.
E, em Bermudas, o ataque à ativista trans Alexa Hoffman e o tratamento problemático do caso pelas autoridades policiais desencadeou uma campanha para os direitos LGBT. O episódio foi precedido pela retirada do direito ao casamento igualitário em 8 de fevereiro em decisão aprovada pelo governo, Senado e a Câmara de Deputados.
Direitos das mulheres
Na Pensilvânia (EUA), sete guardas da prisão de Lackawanna foram acusados ​​de abusar sexualmente mulheres internas por anos. (Leia em inglês)
No marco regional de Direitos Humanos, o Protocolo de Santo Domingo, um importante instrumento para a promoção dos direitos das mulheres rurais, foi assinado durante a Consulta Regional para a América Latina e Caribe, que antecede a 62ª Sessão da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres (CSW 62). Na região, vivem 85 milhões de mulheres rurais, que enfrentam uma diversidade de problemas, onde as desigualdades de gênero, classe e cor se relacionam para construir um quadro especialmente vulnerável de direitos. Acesse os relatórios da Consulta aqui.
A investigação do assassinato da ativista Berta Cáceres em Honduras há dois anos acusou e deteve o então presidente da Empresa Desarrollos Energéticos S.A. (DESA), Roberto David Castillo Mejía no dia 2 de março, respondendo à pressão internacional e nacional.
Em todo o mundo, as organizações feministas se prepararam para o Dia Internacional da Mulher. Em vários países, foram feitas chamadas para greves de mulheres contra a deterioração do emprego feminino e a violência de gênero. Na Espanha, a chamada para a greve de 24 horas no dia 8 foi de grande relevância, incluindo as trabalhadoras domésticas e apoiada pelos movimentos sindicais, sendo a primeira greve geral feminista. Nos EUA, diversas ativistas assinam a chamada para o Dia com o lema Precisamos de um feminismo para os 99%, a fim de incluir mulheres negras, trans, pobres, prostitutas, migrantes e trabalhadoras não assalariadas. No Brasil, a robô feminista Beta organizou todos os eventos nacionais em um mapa colaborativo.
Gênero, sexualidade e política religiosa na América Latina
O Ministério Público Federal do Brasil encaminhou ao Supremo a arguição de inconstitucionalidade de leis municipais que proíbem o ensino de questões de gênero e do projeto Escola sem Partido.
Considerando a  intensificação das violências de gênero e sexualidade na América Latina nos últimos anos, que são encampadas pela bandeira contra a “ideologia de gênero”, a visita do Papa Francisco I  ao Chile e ao Peru deve ser pensada em conexão com o cenário regional, onde o neopentecostalismo ganha forças. A visita ao Chile é particularmente relevante porque foi um grande fracasso, já que o Papa mitigou as acusações de abuso sexual pela igreja chilena. Agradecemos a contribuição de José Manuel Morán Faúndes que nos oferece uma visão local do acontecimento.
Despedida
Asma Jahangir, um ícone do litígio e do ativismo de gênero no Paquistão e em todo o mundo, faleceu. Jahangir foi presidente da Comissão de Direitos Humanos do Paquistão, Relatora Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Religião ou Crença, co-fundadora do Women’s Action Forum, a primeira mulher do Paquistão a se tornar Presidente da Associação de Advogados da Suprema Corte, co-presidente do Fórum da Ásia Sul para os Direitos Humanos e a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos no Irã. Nós lamentamos a sua morte e celebramos sua força, ainda tão necessária em um mundo cada vez mais conservador.
Arte e sexualidade
Num contexto de crescente conservadorismo e medidas de censura à arte por toda parte, fazemos um tributo ao artista austríaco Egon Schiele.
E, porque foi carnaval, apresentamos a artista brasileira Aleta Valente.
Recomendamos
Publicações
Revista Sur Vol. 26 da Conectas
Artigos
Por uma justiça feminista – Glaucia Foley – Jornal GGN
A política é a policía – Revista Cult
A palavra que virou palavrão – Revista Piauí
Não perca!
Edital da Agência Patrícia Galvão ‘Jornalismo Investigativo em Direitos Humanos, Aborto e Saúde Pública’com recursos de R$ 10 mil.
Prazo: 2 de maio de 2018
Eventos
Arte+Feminismo é a hackaton promovida pelo Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro)para melhorar os registros que abordem a questão de gênero no Wikipedia no dia 10 de março de 2018, às 9:30 h.
Mesa Redonda “200 anos do Frankenstein de Mary Shelley: ciência, família e sociedade” com Sonia Corrêa e José Eustáquio Diniz Alves no dia 13/03, às 18h, no Auditório do PPCIS, sala 9043F. O evento é parte do ‘Ciclo de Mulheres das Ciências Sociais: Palestras, experiências e protagonismos‘ que acontece na UERJ (Rio de Janeiro) do dia 5 ao 16 de março
III Jornadas do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC (Florianópolis) acontecerão nos dias 20 e 21 de março.
‘Acontecimento Agamben’ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Dia 21 de março de 2018, de 13 às 20 h, no IFCS.

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