Na noite em que a diretora Isabel Coixet triunfa com três prêmios, o diretor Sebastián Lelio é agraciado como melhor filme iberoamerino com a história de amor de uma transexual
GREGORIO BELINCHÓN
Madrid
El País
“Deixe a menina ler, que pra algo servirá.” É o que dizia a mãe de Isabel Coixet ao pai da diretora, quando este a recriminava por não querer realizar os afazeres domésticos. A cineasta recordou isso ontem, na presença de sua mãe. E para algo serviu. Na noite de sábado, quando parecia que a manchete da 32.a edição da cerimônia do Goya seria algo assim como Euskaraz hitz egiten Goya… (Os Goya falam em euskera, o idioma basco), o principal prêmio, de melhor filme, foi para La Librería, de Isabel Coixet, que também levou sua segunda estatueta de melhor direção e outro de roteiro adaptado, transformando-se assim na cineasta com mais goyas da História – sete.
Desta vez ganhou em inglês, porque era assim que pedia sua história, um filme de amor pelos livros, uma aposta nas pessoas que defendem seus ideais em situações difíceis. Coixet nunca quis que seu drama contivesse um jogo de espelhos sobre a situação atual da Catalunha; trata-se, na verdade, de um drama universal que transcorre na Irlanda.
É a terceira vez que um filme dirigido por uma mulher ganha o prêmio principal. E a segunda que Coixet vence nesse quesito, após A Vida Secreta das Palavras, o máximo gesto feminista dos acadêmicos. A cineasta viveu num furacão nos últimos meses e, como afirmou dias atrás num debate no EL PAÍS: “O melhor de falar sobre feminismo é que já não me perguntam sobre a Catalunha.” Se houve uma imagem poderosa para qualquer menina que estivesse assistindo à cerimônia, para quaisquer das jovens alunas – que representam 65% dos estudantes das escolas de cinema –, foi a de Coixet com seus troféus. Os três que seu trabalho obteve.
PRINCIPAIS PREMIADOS
Melhor filme: A livraria
Melhor direção: Isabel Coixet (A livraria)
Atriz protagonista: Nathalie Poça (Não sei dizer adeus)
Ator protaganista:Javier Gutiérrez (O autor)
Atriz de partilha: Adelfa Calvo (O autor)
Ator de partilha: David Verdaguer (Verão 1993)
Guião adaptado: Isabel Coixet (A livraria)
Guião original: Aitor Arregui, Andoni de Caños, Jon Garaño e José Mari Goenaga (Handia)
Atriz revelação: Bruna Cusí (Verão 1993)
Ator revelação. Eneko Sagardoy (Handia)
Direção artística: Mikel Serrano (Handia)
Direção de fotografia: Javier Agirre Erauso (Handia)
Montagem: Laurent Dufreche e Raúl López (Handia)
Direção novel: Carla Simón (Verão 1993)
Direção de produção: Ander Sistiaga (Handia)
Efeitos especiais: Jon Serrano e David Heras (Handia)
Filme documental: Muitos filhos, um macaco e um castelo
Filme de animação: Tadeo Jones 2. O segredo do Rei Meça
Filme ibero-americana: Uma mulher fantástica (Chile)
Curta-metragem de ficção. Mãe(Rodrigo Sorogoyen)
Canção original. O telefonema de Leiva (O telefonema)
Música original: Pascal Gaigne (Handia)
Maquillaje e peluquería: Ainhoa Eskisabel, Olga Cruz e Gorka Aguirre (Handia)
Som: Aitor Berenguer, Gabriel Gutiérrez e Nicolás de Poulpiquet (Verónica)
A América Latina esteve representada com o filme Uma mulher Fantástica, do diretor chileno Sebastián Lelio, que levou o Goya como melhor filme iberoamericano. O longa, que já havia passado pelo Festival de Berlim, no ano passado, onde levou o Prêmio Teddy e o Urso de Prata na categoria melhor roteiro, foi celebrado na noite do festival espanhol, batendo a produção colombiana “Amazonas”, a argentina “Zama”, e “Tempestad”, que concorreu pelo México. Agora, a história da transexual Marina concorre a melhor filme estrangeiro no Oscar. “É uma notícia fantástica”, comemorou Lelio, que dedicou o prêmio “à geração de cineastas que está por trás deste filme”.
Daniela Vega, a mulher fantástica do filme, celebrou pedindo “rebeldia, resistência e amor” nos dias atuais. Trata-se de um filme ousado para um país conservador como o Chile que tem se aberto ao debate sobre questões LGBT há alguns anos. Até a presidenta do Chile, Michele Bachelet, comemorou a premiação no Twitter. “Nosso cinema abrindo conversas necessárias sobre quem somos”, postou ela.
Em euskera
O filme basco Handia, que foi rodado em euskera e conta a história de um gigante, levou 10 prêmios, os chamados técnicos. Só faltou um deles para ganhar todos: o de melhor som, vencido por Verónica. De resto, tampouco houve grandes surpresas. Não tivemos uma ganhadora nascida no século XXI, como teria acontecido se Sandra Escacena ganhasse com Verónica. Esse prêmio finalmente foi para Bruna Cusí, a mãe/tia de Verano 1993, filmado em catalão, e seu companheiro na tela, David Verdaguer, recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante.
O que começou sem muito ímpeto no tapete vermelho (os leques vermelhos distribuídos pela CIMA, a associação de mulheres audiovisuais, só apareceram às 20h30, muito tarde para a entrada, e o primeiro deles nas mãos da atriz inglesa Emily Mortimer) se intensificou com muitos diretores e produtores pedindo cotas, como na Suécia – onde foi instaurado um sistema que fez com que, de 2012 a 2015, a porcentagem de diretoras passasse de 26% a 50%. Mas tudo acabou com uma cerimônia descafeinada, que carecia de velocidade, na qual talvez o melhor momento cômico tenha sido o do crítico de cinema Carlos Boyero imitando Carlos Boyero com um roteiro chanante [em referência ao extinto programa de humor espanhol La Hora Chanante]. Joaquín Reyes e Ernesto Sevilla tiveram momentos que fizeram jus à sua estatura de criadores surrealistas. Mas momentos, não ritmo. E a organização tampouco funcionou muito, com uma cerimônia que se estendeu até 3:15 da madrugada.
Para a posteridade, ficarão o grito de liberdade artística lançado por Adelfa Calvo (“nós, mulheres do cinema, temos muitas histórias bonitas para contar; tomara que atores e atrizes possam trabalhar em igualdade”); a frase de Leticia Dolera, dizendo que o mundo do cinema, onde só se viam homens, está se transformando numa bela festa feminista); e a dedicatória maravilhosa e emotiva de Carla Simón, com seu Goya de melhor direção revelação por Verano, 1993, recordando seus pais biológicos, mortos em decorrência da aids, como os protagonistas de seu filme, e todos os que vivem com HIV “porque [a doença] continua sendo tratada como um estigma”. E a lembrança feita por Dolera e Paula Ortiz, através das palavras de Federico García Lorca, de que as mulheres são a metade dos seres humanos, algo que não se vê na tela, onde apenas 38% dos personagens são femininos.
Mas esse tema veio à tona graças ao curta Los Desheredados, de Laura Ferrés, que venceu em sua categoria após triunfar na Semana da Crítica de Cannes, e a Nathalie Poza, melhor atriz por No Sé Decir Adiós, com um “menina, vá, abrace suas feridas e as transforme em arte”. E “este ofício é muito bonito, mas também muito cruel, e me lembro dos companheiros e companheiras cujo telefone não toca e que não têm a oportunidade de mostrar seu talento”, como disse Javier Gutiérrez, melhor ator por El Autor, no encerramento de seu discurso.
Tão maravilhoso quanto o sopro de naturalidade de Julita Salmerón, mãe de Gustavo Salmerón, que levou o cabezón [apelido da estatueta do Goya] de melhor documentário por Muchos Hijos, Un Mono y Un Castillo. “Com isso, não poderei sair com o carrinho de compras”, espetou a matriarca do clã, que no final fez o que poucas (e poucos) fazem: “Dedico [o prêmio] a todas as mães, bem, e a todas as mulheres”. Houve ganhadoras em 10 dos 28 prêmios. Em 32 anos de cerimônias isso ainda parece pouco, mas nesta edição havia 30 candidatas entre 135 indicados. A média ganhador/finalista melhora quando se confia numa cineasta.
Discurso contido
Na ausência de Yvonne Blake, a presidenta da Academia, que se recupera de um AVC, o discurso institucional foi lido por seus vice-presidentes, Mariano Barroso e Nora Navas. O texto recebeu aplausos da plateia, mas pareceu contido demais. “A partir de hoje, e para sempre, a Academia de Cinema será uma referência em termos de igualdade, respeito e oportunidade. Queremos transmitir aos adolescentes que hoje vão ao cinema e sonham em se dedicar a este ofício que não há limites. E que não basta se colocar diante da câmera. Que também precisamos de diretoras, montadoras, roteiristas, diretoras de fotografia, compositoras... em igualdade de número perante os homens”, disse Navas.
Ela prosseguiu recordando o Oscar que Blake ganhou por desenhar o figurino de Nicholas e Alexandra, em 1971, para refrescar a memória do público e afirmar que as estatuetas obtidas por atores deixam muito mais marcas. “Queremos mostrar a todas as pessoas, homens e mulheres, que queiram se dedicar ao cinema, que a Academia defende a igualdade profissional de oportunidades. Só assim faremos com que nossa indústria deixe de perder o talento das mulheres para chegar mais longe.”
Os leques não brilharam, uma pena. Os discursos foram se diluindo, e assim se perdeu uma oportunidade – a de ter alçado a voz contra os “micromachismos” que atingem a sociedade espanhola e o cinema. No final, num momento inesperado, a mais guerreira foi Marisa Paredes, Goya de Honra e presidenta da Academia durante a cerimônia do “Não à guerra”: “Voltaria a proferir aquele discurso.”
PRINCIPAIS PREMIADOS
Melhor filme: La Librería
Melhor direção: Isabel Coixet (La Librería)
Melhor atriz: Nathalie Poza (No Sé Decir Adiós)
Melhor ator: Javier Gutiérrez (El Autor)
Melhor atriz coadjuvante: Adelfa Calvo (El Autor)
Melhor ator coadjuvante: David Verdaguer (Verano 1993)
Melhor roteiro adaptado: Isabel Coixet (La Librería)
Melhor roteiro original: Aitor Arregui, Andoni de Caños, Jon Garaño e José Mari Goenaga (Handia)
Melhor atriz revelação: Bruna Cusí (Verano 1993)
Melhor ator revelação: Eneko Sagardoy (Handia)
Melhor direção artística: Mikel Serrano (Handia)
Melhor direção de fotografia: Javier Agirre Erauso (Handia)
Melhor montagem: Laurent Dufreche e Raúl López (Handia)
Melhor direção revelação Carla Simón (Verano 1993)
Melhor direção de arte: Ander Sistiaga (Handia)
Melhores efeitos especiais: Jon Serrano e David Heras (Handia)
Melhor documentário: Muchos hijos, Un Mono y Un Castillo
Melhor filme de animação: Tadeo Jones 2. El Secreto del Rey Midas
Melhor filme ibero-americano: Una Mujer Fantástica (Chile)
Melhor curta de ficção: Madre (Rodrigo Sorogoyen)
Melhor canção original: La Llamada, de Leiva (La Llamada)
Melhor trilha sonora original: Pascal Gaigne (Handia)
Melhor maquiagem: Ainhoa Eskisabel, Olga Cruz e Gorka Aguirre (Handia)
Melhor som: Aitor Berenguer, Gabriel Gutiérrez e Nicolás de Poulpiquet (Verónica)
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