A moda enxerga o corpo feminino como uma entidade maleável, algo a ser moldado de acordo com as convenções dos complexos códigos sociais ou os caprichos fugazes da indústria fashion.
Prova disso é uma exposição em cartaz no Instituto de Tecnologia da Moda (FIT na sigla em inglês), em Nova York, que analisa a mudança da silhueta da mulher ao longo do tempo – do século 18 até os dias de hoje.
Ela mostra que o padrão de beleza sempre foi uma construção cultural – algo que precisa ser desafiado se a ideia é promover uma maior aceitação do corpo feminino, valorizando a diversidade.
No século 18, a noção do "corpo ideal" era uma preocupação principalmente das camadas mais altas da sociedade.
O uso de espartilhos era considerado essencial na época. Mas, como observa Emma McClendon, curadora da exposição, o objetivo não era simplesmente afinar a silhueta.
Segundo ela, o uso generalizado da peça era "muito mais complexo e relacionado a noções culturais de propriedade, classe e aspecto físico da mulher".
Usar o acessório apertado sobre o corpo ajudava a manter a postura reta. E caminhar com elegância, enquanto usava um traje tão desconfortável, era um sinal de status.
"Havia também uma crença dominante na época de que os corpos das mulheres eram inerentemente fracos e precisavam de apoio", explica McClendon.
Essas ideias foram questionadas por alguns dos principais escritores e pensadores da época, com Jean-Jacques Rousseau, um dos principais filósofos do Iluminismo. Para ele, o espartilho era uma metáfora particularmente adequada para as instituições sociais que reprimem o indivíduo – mas sua tese teve pouca repercussão.
Foi na sequência da Revolução Francesa (1789), quando a aparência aristocrática se tornou incontestavelmente censurável, que o espartilho perdeu brevemente sua força no imaginário feminino. As mulheres passaram a adotar roupas de caimento mais fluido e cintura alta estilo império (logo abaixo do busto). Mas, mesmo assim, alguma peça de suporte ainda era usada.
O retorno da cintura fina, evidenciada pelas volumosas crinolinas (armação feita de arcos de aço para moldar a forma das saias), em voga de 1845 a 1870, chamava a atenção para a parte superior do corpo, considerada "a mais preciosa", de acordo com Denis Bruna, curador do departamento de moda do Museu de Artes Decorativas, em Paris.
"Na cultura ocidental, as partes inferiores do corpo não são consideradas dignas de admiração, e é por isso que as pernas das mulheres ficaram escondidas durante séculos sob saias e anáguas."
Tal estilo também permitia à burguesia em ascensão ostentar sua riqueza. O vestuário masculino era relativamente sóbrio na época. Mas se um homem fosse capaz de proporcionar à esposa uma crinolina – que exigia grandes quantidades de tecido e a ajuda de uma criada para vestir –, era sinal de que ele tinha uma renda considerável.
Pressão para se adequar
A partir de 1870, a chegada do bustle (ou anquinha), armação que deixava a parte de trás da saia mais acentuada, coincidiu com uma era em que a moda se tornava progressivamente mais democrática.
Com os avanços técnicos e a proliferação das lojas de departamento, mulheres de classes sociais distintas passaram a comprar estilos de roupa semelhantes, criando assim uma certa padronização da silhueta ideal e uma pressão para se adequar em todas as camadas da sociedade.
Apesar dos alertas feitos há décadas por médicos e ativistas sobre os efeitos nocivos dos corseletes e espartilhos, as mulheres correram para comprar as peças quando se tornaram acessíveis para a massa.
Porém, o fato de muitos anúncios oferecerem os acessórios com medidas que variavam de 45,72 a 76,2 cm, deixava claro que muitas mulheres não atendiam o ideal de magreza da época.
O início do século 20 presenciou, por sua vez, a influência do movimento estético, representado por vestidos elegantes e mais folgados criados pela loja de departamentos Liberty, em Londres, na tentativa de libertar as mulheres do confinamento do espartilho.
O estilo fazia sucesso nas rodas de artistas, mas era considerado excêntrico pelo público em geral. E mesmo aqueles que optavam por seguir a moda raramente usavam as peças fora de casa.
Foi na década de 1920, quando o estilo flapper entrou na moda, que os suportes e armações convencionais começaram a perder força.
Mas, segundo McClendon, "a ideia de que as mulheres deixaram de usar espartilhos e de repente ficaram 'livres' é um equívoco comum".
O novo estilo exigia um corpo levemente andrógino, alcançado por meio de uma cinta para afinar o quadril que, embora fosse certamente mais confortável, ainda criava um tipo físico artificial.
Mulheres que não conseguiam se adequar ao look encontraram outras maneiras de ser fashion. A exposição apresenta um par de pijamas de crepe roxo e laranja com 101,6 cm de cintura, provando que, embora a indústria da moda tentasse ignorá-las, sempre houve mulheres maiores e elegantes.
E, embora os anos 30 anunciassem o retorno da cintura, com vestidos que acompanhavam o contorno do corpo, alguns estilistas se dedicavam a atender mulheres com medidas maiores do que as modelos das capas de revista.
Um vestido lindo de seda metálico da House of Paquin, por exemplo, foi confeccionado com 78,74 cm de cintura.
Abraçando a diversidade
Durante a década de 1940, os ombros largos e os quadris estreitos foram popularizados pelo figurinista Gilbert Adrian. Até que o estilista Christian Dior rompeu drasticamente com esse padrão ao lançar o "New Look", que valorizava as formas do busto e a cintura fina, exigindo até 20 metros de tecido.
"Ele queria criar vestidos que fossem uma resposta à pobreza do período da guerra", diz Bruna.
Esta estética ultrafeminina passou a simbolizar a década de 1950.
Já a década de 1960 viu o retorno do estilo andrógeno e boyish (que faz uso de elementos do guarda-roupa masculino), personificados pela modelo Twiggy. Mas, ao contrário da década de 1920, as roupas mais reveladoras do período, como o tubinho de Rudi Gernreich com painel lateral de plástico, tornaram praticamente impossível o uso de peças de suporte.
Os espartilhos e as cintas podem ter saído de moda, mas as mulheres passaram a enfrentar novas formas de opressão. Nos anos 1970 e 1980, houve uma ampla exaltação das dietas e do exercício físico, a fim de manter o corpo em forma e tonificado, algo "necessário" para usar as criações sensuais fluidas de Halston ou os vestidos de Thierry Mugler que moldavam a silhueta.
As revistas de moda legitimavam corpos esbeltos com seios paradoxalmente grandes na década de 1980, visual que, para a maioria, só seria possível alcançar por meio de cirurgia plástica. Enquanto, nos anos 1990, estampavam a extrema fragilidade de Kate Moss.
Embora o tipo físico esbelto ainda dominasse grande parte da indústria fashion no início do século 21, a ascensão das mídias sociais começou a mudar gradualmente a forma como as pessoas consomem e interagem com a moda. Blogs de estilo e plataformas digitais, como Instagram e Twitter, abriram as portas do mundo da moda para uma parcela cada vez maior de pessoas.
Determinadas marcas adotaram com entusiasmo uma visão mais inclusiva do corpo. A estilista americana Becca McCharen-Tran, da Chromat, tem dado um show de diversidade nas passarelas, apresentando modelos de diferentes raças, medidas e identidade de gêneros.
Christian Siriano, por exemplo, inclui modelos plus-size em seus desfiles e faz roupas até o tamanho 26. Quando a atriz Leslie Jones reclamou no Twitter que nenhum designer queria vesti-la para a estreia de um filme devido ao seu tamanho, o estilista disse que se orgulharia de fazer isso e criou um vestido vermelho incrível para ela.
O episódio provocou um debate sobre a marginalização de certos tipos de corpo por marcas contemporâneas. E, segundo McClendon, esse tipo de discussão precisa sem dúvida continuar.
"Não são nossos corpos que estão errados, é o sistema de dimensionamento que está errado", diz ela.
"Até que reconheçamos os problemas do sistema atual, não podemos começar a consertá-lo."
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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