Documentário indicado ao Oscar narra o idílio e o drama do casal inter-racial mais idoso da história dos EUA
TOMMASO KOCH
Madri
El País
Edith e Eddie, em uma cena do documentário que leva o nome do casal e concorre ao Oscar de melhor documentário curta metragem. |
Conheceram-se numa casa de apostas. Ele esperava sentado, e ela se aproximou. Pediu-lhe que por favor jogasse o seu número. Ele jogou, mas o número não saiu. Tentou de novo; nada. Ela lhe disse que tudo bem, que desistisse. Ele arriscou mais uma vez. Bingo. “Dividimos os 5.000 dólares”, conta Eddie para a câmera. Pouco depois, já compartilhavam todo o resto. Em 2014, casaram-se. “O casamento inter-racial mais idoso da história dos Estados Unidos”, decretaram vários jornais locais. Eddie, branco, tinha 95 anos; Edith, 96 e a pele negra. Embora para eles a cor fosse irrelevante. “Decidimos que o importante era a cor do coração. E ele é vermelho”, diz Eddie. “Sim, foi uma flechada”, sorri. Bem a tempo. Já no final, mas de mãos dadas.
Só a morte deveria separá-los. Mas uma filha dela se antecipou e reescreveu o epílogo da fábula de Edith Hill e Eddie Harrison. E, de quebra, revolucionou o filme que Laura Checkoway estava rodando sobre o casal. “Começou como um filme para homenageá-los. Mas acabamos descobrindo um drama que afeta milhares de idosos nos Estados Unidos como um todo”, afirma por telefone a criadora de Edith+Eddie, que neste domingo disputa o Oscar 2018 de melhor documentário em curta-metragem.
Quando a cineasta entrou na vida delas, o casal deixava seus últimos dias transcorrerem de forma feliz na casa dela, na Virgínia. Rebecca, uma das duas herdeiras de Edith, estava mais do que de acordo. Mas a outra, Patricia, se opunha: argumentava que Eddie roubaria sua herança, que sua mãe, doente, já não era capaz de decidir por si só, e que deveria ir com ela para a Flórida. Sua contrariedade chegou a um tribunal, que nomeou uma curadora independente para dirimir a questão. E foi assim que uma desconhecida separou um casal que passou 10 anos juntos, sem nunca tê-los visto na vida: sentenciou que Edith partiria durante um tempo para a Flórida enquanto se decidia “como cuidar melhor dela”. Eles protestaram, se opuseram, mas nada contava: sua vontade, sua união, sua raiva. Um dia, o carro de Patricia chegou e levou Edith embora. Logo antes, puderam pelo menos conhecer pessoalmente a sua curadora, Jessica Niesen. Eddie a confrontou: “Você é má. Os diabos dormem debaixo da sua cama. Você se lembrará disto até morrer”.
Só a morte deveria separá-los. Mas uma filha dela se antecipou e reescreveu o epílogo da fábula de Edith Hill e Eddie Harrison. E, de quebra, revolucionou o filme que Laura Checkoway estava rodando sobre o casal. “Começou como um filme para homenageá-los. Mas acabamos descobrindo um drama que afeta milhares de idosos nos Estados Unidos como um todo”, afirma por telefone a criadora de Edith+Eddie, que neste domingo disputa o Oscar 2018 de melhor documentário em curta-metragem.
Quando a cineasta entrou na vida delas, o casal deixava seus últimos dias transcorrerem de forma feliz na casa dela, na Virgínia. Rebecca, uma das duas herdeiras de Edith, estava mais do que de acordo. Mas a outra, Patricia, se opunha: argumentava que Eddie roubaria sua herança, que sua mãe, doente, já não era capaz de decidir por si só, e que deveria ir com ela para a Flórida. Sua contrariedade chegou a um tribunal, que nomeou uma curadora independente para dirimir a questão. E foi assim que uma desconhecida separou um casal que passou 10 anos juntos, sem nunca tê-los visto na vida: sentenciou que Edith partiria durante um tempo para a Flórida enquanto se decidia “como cuidar melhor dela”. Eles protestaram, se opuseram, mas nada contava: sua vontade, sua união, sua raiva. Um dia, o carro de Patricia chegou e levou Edith embora. Logo antes, puderam pelo menos conhecer pessoalmente a sua curadora, Jessica Niesen. Eddie a confrontou: “Você é má. Os diabos dormem debaixo da sua cama. Você se lembrará disto até morrer”.
Diante de idosos declarados “incapazes” — por demência, perda de memória ou outros motivos —, se os seus cuidadores não chegam a um acordo sobre o que fazer (ou às vezes inclusive passando por cima da vontade dos familiares), o Estado geralmente entrega seu destino, seus direitos e seus bens a um curador, como ocorreu com Edith e Eddie. O sistema permanece quase idêntico ao que estipulava uma lei de 800 anos atrás, exportada do Reino Unido para suas colônias, centrada na ideia de que o poder público deve agir como pai dos cidadãos incapazes de se cuidarem.
Para ser curador (chamado nos EUA de “guardião”), em muitos casos basta fazer um simples curso. Não há dados em nível nacional, mas a reportagem calcula que 1,5 milhão de idosos estão submetidos a essa figura jurídica nos EUA. Deveria ser temporário, mas vira permanente. “Em geral, os curadores tendem a colocar os idosos em alguma instituição, porque fica mais fácil de administrar. Além disso, têm seus próprios interesses”, afirma Checkoway. Traduzindo: encarregam-se de bens e do testamento de seus protegidos, um patrimônio que segundo a The New Yorker chega a 273 bilhões de dólares (886 bilhões de reais). Os curadores têm plena liberdade para dispor do patrimônio dos idosos, vendê-lo e usá-lo para cobrir seus gastos, ou mesmo para o seu próprio benefício.
"Decidimos que o importante era a cor do coração. E ele é vermelho", disse Eddie
A diretora do documentário, Laura Checkoway, não quer continuar falando da polêmica: para isso existe o filme. Prefere contar como se apaixonou por Edith e Eddie, por uma foto que um amigo lhe mostrou. Apareciam num sofá, sorridentes. “Não conseguia parar de olhá-los.” A diretora conseguiu contato com o casal, que concordou em se deixar filmar. E não só isso: sairiam para dançar, e a convidaram. Naquele dia se conheceram, e foi quando a cineasta os retratou na sequência que abre o filme. Durante três meses, manteve-se ao lado deles, sempre gravando. Com gastos mínimos e autofinanciados. Na missa, no parque, na sala de casa. Quando Edith conta que é “grata por viver” e que “todo mundo deveria fazer o melhor que puder”. E quando Eddie afirma que a ama porque é “gentil e muito conversadora”.
Filmou a tarde em que foram separados, e os dias vazios dele sem sua esposa. Quando, semanas depois, o idoso adoeceu e foi internado às pressas num hospital, a câmera de Checkoway continuou gravando. A diretora afirma que vários espectadores lhe contaram que Edith+Eddie os inspirou e os incentivou a cuidar mais dos seus pais. Por isso, a cineasta convida a visitar seu site e solicitar uma projeção do curta. “O filme quer fazer perguntas honestas sobre o que um sistema desonesto gera”, afirma. Começando por uma, talvez a mais pungente: “Por que não honramos os nossos idosos?”.
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