Ação do PSB ajuizada no STF quer acabar com a exigência.
By Marcella Fernandes
17/04/2018
Uma ação do PSB (Partido Socialista Brasileiro) pode acabar com a exigência de autorização do marido para laqueadura no SUS (Sistema Único de Saúde).
A legenda ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5911) contra dispositivos da Lei do Planejamento Familiar em março. O trecho determina que a esterilização voluntária só pode ser feita por homens e mulheres acima dos 25 anos com pelo menos 2 filhos vivos e com autorização de ambos os cônjuges.
A lei também estabelece um período de 60 dias entre o pedido e a cirurgia, em que a pessoa terá aconselhamento "visando desencorajar a esterilização precoce".
O relator é o ministro Celso de Mello, que também tem nas mãos outra ação (ADI 5097) sobre o tema, ajuizada pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), em 2014. A entidade questiona a exigência de autorização do cônjuge para a cirurgia.
Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), contudo, a Anadep não teria legitimidade para propor esse tipo de ação. O Supremo reconhece viabilidade de ações diretas propostas por entidades de classe de abrangência nacional, "desde que o objeto da ação guarde pertinência com os interesses próprios da classe representada", escreveu o então-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em parecer em setembro de 2015.
A PGR reconhece que o tema é "norma de relevância para a sociedade", mas afirma que "não possui relação com interesses jurídicos típicos de defensores públicos, suas prerrogativas e direitos", de modo que a ação estaria prejudicada.
A previsão para partidos proporem ações diretas de inconstitucionalidade, por sua vez, está prevista no Artigo 103 da Constituição.
Lei viola dignidade e direitos reprodutivos
De acordo com o PSB, as exigências da Lei do Planejamento Familiar violam direitos previstos na Constituição, como a dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade de escolha e de planejamento familiar, além dos direitos sexuais e reprodutivos. "Essas exigências afrontam direitos fundamentais, contrariam tratados internacionais firmados pelo Brasil, além de divergir dos principais ordenamentos jurídicos estrangeiros", argumenta o partido na ação.
A sigla sustenta que a demanda reprimida por mecanismos efetivos de planejamento familiar tem resultado em gestações indesejadas e em "todas as nefastas consequências daí advindas".
Não restam dúvidas de que os dispositivos excessivamente restritivos trazidos pela Lei 9.263/96 vêm prestando um verdadeiro desserviço à implementação de políticas públicas efetivas no âmbito do planejamento familiar.
Ao justificar o questionamento, a ação destaca que o artigo 226 da Constituição prevê que o planejamento familiar é de "livre decisão do casal" e que é vedada ao ao Estado "qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas".
A petição também destaca que, de acordo com a Lei Maria da Penha, é considerada violência doméstica impedir uso de método contraceptivo. "Além disso, as mulheres de classes menos favorecidas têm que lidar com o maior desequilíbrio de poder entre os gêneros, além dos desafios relativos à falta de informação e às carências da rede pública de saúde", afirmou o presidente do PSB, Carlos Siqueira.
Na ação, a legenda cita pesquisa de acordo com a qual, 25,8% das mulheres e 31% dos homens que pediram a cirurgia no SUS não tiveram sucesso após 6 meses. O estudo foi feito em 6 capitais brasileiras (Palmas, Recife, Cuiabá, Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba) e revelou também que 8% das mulheres acompanhadas engravidaram no período de espera pela esterilização.
A sigla pede a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia desse trecho da Lei do Planejamento Familiar. Também pede que seja considerada inconstitucional a exigência de idade mínima, número de filhos e autorização do cônjuge.
Autorização do marido para laqueadura
De acordo com a Anadep, a autonomia privada é um dos componentes primordiais da liberdade e incluiu a autonomia corporal. "Condicionar a realização de cirurgia de esterilização voluntária à anuência de terceiro (no caso, do cônjuge) constitui ato atentatório à autonomia corporal e ao direito ao planejamento reprodutivo de forma livre e incondicionada", diz a associação.
A ação também pediu a suspensão liminar da norma, mas a medida cautelar foi negada por Mello em fevereiro de 2015. De acordo com ele, o "tardio ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade", considerado que a lei é de 1996, inviabiliza o pedido.
No mérito, a Procuradoria-Geral da República considerou inconstitucional o marido ter de autorizar a laqueadura. "Criminalizar esterilização voluntária realizada sem consentimento do cônjuge ou companheiro impõe à mulher situação de restrição extrema. Com isso, ela se vê sob a dupla ameaça da criminalização do aborto e da esterilização sem consentimento do cônjuge, na constância da sociedade conjugal", escreveu Rodrigo Janot, em parecer assinado em setembro de 2015.
De acordo com o procurador, a criminalização de ambas as condutas violam o direito ao planejamento familiar autônomo do casal.
A situação consubstancia grave violência sociojurídica e até psicológica, inaceitável anacronismo jurídico, porquanto o Estado, ao criminalizar ambas as condutas – o aborto e a esterilização voluntária realizada sem consentimento de terceiro –, impõe reprodução não planejada aos casais e colide frontalmente com o direito constitucional a planejamento familiar.
Na avaliação da procuradoria, a dignidade da pessoa é vinculada à sua capacidade de escolha e não cabe ao Estado "tolher ou rechaçar escolhas legítimas feitas pelos indivíduos capazes".
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