El País
3 agosto 2017
3 agosto 2017
"Se eu falasse sobre isso, teria sido afastado das pessoas. Mesmo aqueles que me trataram não teriam apertado minha mão".
Stephen Kigoma foi estuprado durante o conflito em seu país, a República Democrática do Congo.
Ele descreveu sua difícil experiência em uma entrevista com a repórter da BBC Alice Muthengi e pediu que outros sobreviventes também se posicionem.
"Eu escondi que era um sobrevivente de estupro. Eu não podia falar sobre isto - é um tabu", afirmou. "Como homem, eu não devo chorar. As pessoas vão dizer que você é um covarde, que é fraco, estúpido".
O estupro ocorreu quando homens atacaram a casa de Stephen, em Beni, cidade no nordeste da República Democrática do Congo, país que é palco, há décadas, de guerra civil.
"Eles mataram meu pai", conta Stephen. "Três homens me estupraram e disseram: 'Você é um homem, como vai dizer que foi estuprado?'", contou. "É uma arma que eles usam para manter seu silêncio".
O país, que é mais do que 4 vezes maior que a França, é rico em recursos naturais e os vários grupos armados, entre milícias, guerrilhas, tropas do governo e de países vizinhos, tentam tirar proveito da exploração de riquezas minerais.
Pelo 6 milhões de pessoas morreram nessa guerra e centenas de milhares de pessoas tiveram de fugir para países vizinhos.
Após fugir para Uganda em 2011, Stephen buscou ajuda médica - mas apenas depois que um fisioterapeuta que o tratava por conta de um problema nas costas percebeu que havia outros ferimentos.
Ele foi encaminhado a um médico que cuida de sobreviventes de violência sexual e era o único homem na enfermaria.
"Me senti fragilizado. Estava num território ao qual não pertencia, tendo que explicar ao médico o que aconteceu. Esse era o meu medo."
Stephen recebeu ajuda psicológica através do Projeto de Lei de Refugiados, uma ONG na capital de Uganda, Kampala, onde era um dos seis homens falando sobre sua experiência. Mas eles não são os únicos.
Polícia não é opção
A ONG, que investigou o estupro masculino no Congo, também publicou um relatório sobre violência sexual entre refugiados do Sudão do Sul no norte de Uganda. A ONG descobriu que enquanto mais de 20% das mulheres denunciam o estupro, apenas 4% dos homens o fazem.
"A principal razão para menos homens levarem a denúncia adiante é que as pessoas supõem que eles não seriam vulneráveis, que eles seriam capazes de contra-atacar. Se eles permitiram aquilo, então devem ser homossexuais", explicou Chris Dolan, diretor da organização, ao programa Focus on Africa, da BBC.
Levar os casos à Justiça e conseguir punições também representa um problema quando se trata de homens denunciando estupro, acrescenta Dolan.
"No Estatuto de Roma (que estabeleceu a Corte Penal Internacional), você tem uma definição de estupro que é amplo o suficiente para incluir mulheres e homens, mas na maior parte das legislações dos países, a definição de estupro envolve a penetração do pênis na vagina. Isto significa que se um homem denunciar, eles não terão sofrido estupro, mas violência sexual", explica.
"Há um problema na criminalização neste caso - que gira em torno da penetração e não sobre consentimento ou falta de consentimento".
Em 2016, Uganda recebeu mais refugiados do que qualquer outro país, e tem sido elogiado por ter uma das políticas mais acolhedoras do mundo.
Mas para sobreviventes masculinos de estupro como Stephen, a vida não é fácil. Atos homossexuais são ilegais em Uganda, e ir à polícia denunciar o estupro nem sempre é uma opção.
"Quando perguntei à polícia, eles disseram que se tem algo a ver com penetração entre dois homens, é um caso gay", ele disse.
"E se aconteceu com uma mulher, vamos ouvi-la, tratá-la, tomar conta e escutá-la - dar a elas uma voz. Mas o que acontece com homens?"
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