Pensar a mobilidade urbana tem tudo a ver com a luta pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres
Todas famílias passam por momentos de organização da logística do dia a dia. Se o casal é solteiro e não tem carros, eles podem combinar de saírem juntos para a estação ou terminal; se têm apenas um carro, os dois eventualmente agendam caronas entre eles; e, se há filhos nessa história, a programação da rotina ganha ares de organização empresarial, com horários pré-definidos e planos para otimizar os deslocamentos pela cidade.
É insuficiente analisar a necessidade — e a capacidade — de mobilidade de uma pessoa sem levar em conta esse contexto social, econômico, político e cultural, isto é, os aspectos domésticos, familiares e financeiros.
Foi esse o princípio que levou a engenheira Haydée Svab a investigar, em sua tese de mestrado, o impacto do gênero nos padrões de deslocamento na região metropolitana de São Paulo.
O quanto o gênero do passageiro influencia a quantidade de horas no trânsito, o número de viagens no transporte público ou os deslocamentos a pé pela cidade?
Transformação do papel da mulher mudou a mobilidade urbana
É evidente que o momento em que as mulheres “ganham a rua”, seguindo as palavras de Svab, é fundamentalmente associado ao aumento da participação feminina no população economicamente ativa e ao crescimento da renda individual. Ao mesmo tempo, evidências sugerem que nas diversas classes sócio-econômicas as mulheres que trabalham ainda continuam sendo as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado com as crianças.
Não basta estar conquistando cada vez mais posições de relevância em todo o mercado de trabalho, muitas mulheres continuam sendo as principais responsáveis pela casa e pelos filhos.
Ao trabalhar com os dados dos levantamentos de Origem e Destino da Companhia do Metrô, a pesquisadora da Universidade de São Paulo levou em conta os arranjos familiares. Ela analisou variáveis, como: a influência das viagens cujo motivo não seja o trabalho, a distribuição do uso do automóvel entre os membros da família, a presença de crianças de até 14 anos, a faixa de renda familiar, a renda individual e o grau de instrução da pessoa.
E o estudo evidenciou que houve transformações dos papeis sociais desempenhados por homens e mulheres dentro no núcleo familiar e na sociedade nos últimos anos e, que isso, alterou de maneira significativa a maneira como as pessoas de sexo masculino e feminino têm se deslocado.
Por exemplo, ao longo destes 30 anos de pesquisas OD, aumentou em 3,5 vezes a proporção das mulheres que se declaram responsáveis pela família. E entre 1997 e 2007, dentro do grupo de mulheres, elas passaram a dirigir mais do que ser passageiras.
A pesquisa de Svab aponta que os fatores que mais influenciam na quantidade de viagens que a mulher faz são o seu grau de instrução e o fato de ter filhos entre 5 e 9 anos, que é uma idade em que as crianças já vão para a escola e não são grandes o suficiente para ir sozinhas. E que a situação de cônjuge — muitas vezes dependente do responsável pela família --, é a que menos estimula os deslocamentos.
As evidências indicam também que as mulheres têm usado mais o transporte público do que os homens, sendo o ônibus a opção mais representativa. Embora tenham uma diversidade maior de atividades a cumprir, ao se deslocar por meio motorizado, as mulheres utilizam frequentemente rotas não flexíveis.
Portanto, elas cumprem mais tarefas na Região Metropolitana de São Paulo sem a necessidade de ter um carro à disposição e, caminhando a pé, quando precisam de flexibilidade de rota. E isso fica claro quando vemos os números de que as mulheres caminham mais do que os homens.
Cidade para as pessoas — para cada uma delas
Portanto, como Svab lembra, o primeiro passo para desenvolver políticas públicas voltadas para melhorar espaços de convivência é compreender que grupos de diferentes perfis sociais, econômicos, políticos e culturais usam a cidade de maneira diferente.
Esse é o conceito que a cidade de Viena, na Áustria, vem desenvolvendo. Por lá, foi adotada uma política de integração de gêneros que já se refletiu em mais de 60 projetos administrativos da cidade. Por exemplo: entre 1996 e 1997, foi conduzido um estudo para entender como homens e mulheres usavam o espaço dos parques públicos. O resultado causou espanto: depois dos 9 anos de idade, o número de meninas nos parques despencava consideravelmente, enquanto o número de meninos continuava no mesmo patamar.
Os urbanistas, então, tentaram mudar os números ao transformar os próprios parques. Instalaram pegadas no chão para tornar os parques mais acessíveis, e instalaram quadras de vôlei e de badminton para dar mais variedade às atividades. Áreas abertas também foram subdivididas em espaços menores e mais acolhedores. A mudança na frequência feminina nos parques foi sentida quase que imediatamente.
Outro caso de destaque em Viena ocorreu três anos depois, em 1999, quando a prefeitura fez outra pesquisa, desta vez para entender o perfil de quem usava o transporte público. E chegou à conclusão de que as mulheres usavam mais o transporte público e também faziam mais trajetos a pé do que os homens.
E também se percebeu que as mulheres acabavam dividindo mais o tempo entre o trabalho e a família (cuidar de filhos ou parentes mais velhos) do que os homens. A partir daí, foram traçados planos para melhorar a mobilidade para pedestres e o acesso ao transporte público.
Em ambos os casos, primeiro, se olhou cuidadosamente para a questão do gênero e do uso do espaço público e do transporte público; e apenas num segundo momento, é que se pensou em soluções técnicas para a cidade.
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