A mulher solteira é mal-vista depois de completar 24 anos. E existem empresas que tiram partido disso
El País
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Gonçalo Fonseca
6 ABR 2018
6 ABR 2018
Na China, as mulheres ainda são vistas frequentemente como um produto que começa a se desvalorizar a partir dos 24 anos, a idade média para se casar no país. “Hoje em dia quase não telefono para minha família, cada vez que falo com minha mãe ela me repreende porque continuo solteira”, confessa Dream, de 28 anos, da província de Hubei. As solteiras de sua idade são rotuladas com o termo depreciativo sheng nü, literalmente “mulheres que sobraram”.
O paradoxo é que, na China, existem muito mais homens solteiros que mulheres. A política do filho único, imposta entre 1979 e 2015, unida à tradicional preferência pelos homens, levou ao abandono de meninas e até ao infanticídio feminino. Por isso existe, atualmente, um enorme desequilíbrio de sexos. Os especialistas calculam que, em 2020, haverá mais de 30 milhões de homens que nunca encontrarão uma mulher. Ao mesmo tempo, contudo, a adoção do capitalismo de Estado e a decolagem da economia criaram novos cenários, como a incorporação da mulher à vida profissional. Nas grandes cidades, as mulheres mais qualificadas e mais bem-sucedidas são as que sofrem maior pressão, tanto da família como do entorno social, por estarem solteiras.
No desespero, muitas recorrem a fórmulas insólitas. Por exemplo, cursos intitulados Como Encontrar um Marido, oferecido pelo Weime Clube. Uma das empresas que, dentro desse asfixiante clima social, fazem parte de uma indústria bilionária que explora os medos e a solidão de toda uma geração de chinesas.
Hoje em dia quase não telefono para minha família, cada vez que falo com minha mãe ela me repreende porque continuo solteira
Eric, presidente da empresa, ministra cursos desse tipo há quase 10 anos. No início, os alunos eram todos homens. Até que perceberam o óbvio: a clientela que precisavam buscar era o público feminino. “A mensalidade é de 6.000 yuans [3.000 reais], mas percebemos que os homens que podiam pagar não precisavam de ajuda para encontrar uma esposa”, conta esboçando um sorriso.
“Hoje vamos aprender como conhecer alguém em sites de namoro”, anuncia enquanto abre um arquivo Excel. “Tenho aqui no celular mais de 150 garotas com quem fiz contato, ordenadas pela beleza e pelas respostas que me deram”. Ao final da tarde, Eric escolhe duas alunas para uma aula prática em Xintiandi, um dos locais mais populares entre os jovens de Xangai. “O objetivo é conseguir a maior quantidade possível de números de telefone de homens, para depois escolher os melhores”, explica. O exercício é aparentemente simples… e começa com uma mentira. “Têm que dizer que estão sem bateria e que vocês gostariam muitíssimo de tirar uma foto aqui. Depois de tirarem a foto, peçam para enviá-la para seu celular. É a forma mais fácil de ficar com seu número”, ensina o professor.
Apesar de essa geração millennial viver com um bem-estar material inédito, as tradições pesam. “Tenho um bom emprego e um bom padrão de vida aqui em Xangai”, comenta Dream depois de sua aula em Xintiandi, “mas quando meus pais me telefonam, me fazem sentir que não tenho nenhum valor”.
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