Documento exclui união homoafetiva do que se denomina ‘entidade familiar’
MARINA ROSSI São Paulo 17 DIC 2014
O educador Toni Reis, de 50 anos, e seu marido David Harrad demoraram sete anos para conseguir adotar Alysson, hoje com 14 anos. “Foi um processo difícil”, disse Reis. “Tivemos que recorrer ao Supremo Tribunal Federal”, diz. Hoje, a família é formada por mais dois filhos além de Alysson: Jéssica, de 11 anos, e Felipe, de nove anos.
A história de Toni e David é parecida com a de centenas de casais homossexuais que tentam adotar filhos. Demora, e os processos costumam ser mais complicados do que se fosse um casal heterossexual. Mas esse processo pode ficar ainda mais difícil. Se o Projeto de Lei 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR), for aprovado, a família de Toni e David corre o risco de não ser reconhecida como família pelo Estado. Isso significa que direitos como herança, guarda compartilhada dos filhos em caso de separação do casal, plano de saúde corporativo e até a associação a clubes, podem ser simplesmente negados a eles.
O texto, também chamado de Estatuto da Família, trata de políticas públicas efetivas voltadas especialmente para a valorização da família. Mas define como entidade familiar apenas o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, exclui por completo a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo perante à lei.
Também propõe modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente para exigir que as pessoas que queiram adotar um filho sejam, necessariamente, casadas civilmente ou que mantenham uma união estável. O que significa que casais homossexuais não teriam o direito de adotar um filho, como fizeram, depois de anos de luta, Toni e David.
“É uma excrescência’, diz Reis, que também é ex-presidente, e atual secretário de Educação, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e militante dos direitos gays. “É um projeto que não dá direitos, mas tira direitos”. De acordo com Viviane Girardi, advogada especialista em direito da família, a questão é mais séria. Ela define a lei como inconstitucional. “A Constituição diz que todos são iguais perante a lei”, explica. “Se essa lei for aprovada, deve ocorrer um bombardeio de ações que vão questionar a constitucionalidade dela”.
No ano passado, foi criada uma comissão especial para apreciar o texto do projeto de lei. Segundo a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), todos os 23 deputados membros da comissão são evangélicos, exceto ela e mais três deputados petistas. Ela também compartilha da opinião de inconstitucionalidade. “Na nossa opinião, o Estatuto é inconstitucional”, disse. “E a nossa proposta é que ele seja simplesmente rejeitado [e não modificado]”.
Questionado sobre a constitucionalidade da lei, o presidente da comissão, deputado Leonardo Picciani (PMDB), desconversou. “Eu tenho evitado durante o processo manifestar a minha posição pessoal até o término do processo para que eu possa com tranquilidade conduzir a deliberação da matéria”, disse. “Eu não fiz uma análise a fundo da questão constitucional da matéria para te dizer sobre esse ponto específico”, afirmou. Procurado, o autor do Estatuto da Família, deputado Anderson Ferreira (PR), não retornou à ligação da reportagem.
A questão é polêmica. Em fevereiro deste ano, o site da Câmara criou uma enquete online perguntando: “Você concorda com a definição de família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?”. Mais de 4,6 milhões de pessoas responderam, deixando essa como a enquete mais votada do site até agora. Das respostas, 49,98% eram “sim”, e 49,71%, “não”. Embora denote um país dividido, o que não é surpresa, o resultado não interfere na aprovação ou não da PL, que está agendada para ser votada pela comissão especial nesta quarta-feira.
Porém, a reunião não ocorreu na data prevista. Agora, a pauta só deve ser discutida novamente no ano que vem, já que, devido ao recesso parlamentar que se inicia na próxima segunda-feira, não há mais tempo hábil para esse debate. De qualquer maneira, se for aprovada em 2015 por uma nova comissão que deverá ser criada, entra na fila de votação na Câmara. Em tempos de uma bancada cada vez mais conservadora, haveria, em tese, mais chances de ser aprovada.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal aprovou, por unanimidade, que as uniões homoafetivas deveriam ter os mesmos direitos que uniões heterossexuais. Desde então, casais homossexuais têm direitos como herança, benefícios da Previdência, inclusão como dependentes em plano de saúde e adoção, dentre outros direitos. Na época, o relator Carlos Ayres Britto argumentou que “a família é a base da sociedade, e não o casamento”. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça deu mais um passo no avanço dos direitos homossexuais: aprovou a resolução que obriga todos os cartórios do país a registrar o casamento civil e união estável entre pessoas do mesmo sexo.
“[Se aprovada] A lei vai superar todo o avanço que a jurisprudência fez até aqui”, diz a advogada Viviane Girardi. Pela jurisprudência ou por exemplos internacionais, a união entre pessoas do mesmo sexo já deveria ser uma questão superada no Brasil. “Existem hoje 36 países que reconhecem a união entre pessoas do mesmo sexo”, diz Toni Reis. Além disso, segundo o autor alemão Petzold, existem hoje 196 tipos de família convivendo na sociedade ocidental. Segundo ele, esse número classifica variáveis como se os casais são casados legalmente ou não, se têm filhos biológicos ou adotivos, se compartilham renda, e por aí vai. Quer dizer, a união homoafetiva deveria ser considerada apenas mais uma forma de constituir família, como outra qualquer.
Por isso, ainda que o Estatuto seja aprovado pela comissão, depois passe pela Câmara e pelo Senado e seja sancionado pela presidenta, ainda assim ele será questionado. “[Se a lei for aprovada] Vai dar um bug jurídico no país”, diz Toni Reis. “Temos 70.000 casais gays no Brasil. Desses, 3.721 se casaram só no ano passado. O que vamos fazer com todo esse pessoal que já tem direitos garantidos?”.
O educador Toni Reis, de 50 anos, e seu marido David Harrad demoraram sete anos para conseguir adotar Alysson, hoje com 14 anos. “Foi um processo difícil”, disse Reis. “Tivemos que recorrer ao Supremo Tribunal Federal”, diz. Hoje, a família é formada por mais dois filhos além de Alysson: Jéssica, de 11 anos, e Felipe, de nove anos.
A história de Toni e David é parecida com a de centenas de casais homossexuais que tentam adotar filhos. Demora, e os processos costumam ser mais complicados do que se fosse um casal heterossexual. Mas esse processo pode ficar ainda mais difícil. Se o Projeto de Lei 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR), for aprovado, a família de Toni e David corre o risco de não ser reconhecida como família pelo Estado. Isso significa que direitos como herança, guarda compartilhada dos filhos em caso de separação do casal, plano de saúde corporativo e até a associação a clubes, podem ser simplesmente negados a eles.
O texto, também chamado de Estatuto da Família, trata de políticas públicas efetivas voltadas especialmente para a valorização da família. Mas define como entidade familiar apenas o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, exclui por completo a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo perante à lei.
Também propõe modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente para exigir que as pessoas que queiram adotar um filho sejam, necessariamente, casadas civilmente ou que mantenham uma união estável. O que significa que casais homossexuais não teriam o direito de adotar um filho, como fizeram, depois de anos de luta, Toni e David.
“É uma excrescência’, diz Reis, que também é ex-presidente, e atual secretário de Educação, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e militante dos direitos gays. “É um projeto que não dá direitos, mas tira direitos”. De acordo com Viviane Girardi, advogada especialista em direito da família, a questão é mais séria. Ela define a lei como inconstitucional. “A Constituição diz que todos são iguais perante a lei”, explica. “Se essa lei for aprovada, deve ocorrer um bombardeio de ações que vão questionar a constitucionalidade dela”.
No ano passado, foi criada uma comissão especial para apreciar o texto do projeto de lei. Segundo a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), todos os 23 deputados membros da comissão são evangélicos, exceto ela e mais três deputados petistas. Ela também compartilha da opinião de inconstitucionalidade. “Na nossa opinião, o Estatuto é inconstitucional”, disse. “E a nossa proposta é que ele seja simplesmente rejeitado [e não modificado]”.
Questionado sobre a constitucionalidade da lei, o presidente da comissão, deputado Leonardo Picciani (PMDB), desconversou. “Eu tenho evitado durante o processo manifestar a minha posição pessoal até o término do processo para que eu possa com tranquilidade conduzir a deliberação da matéria”, disse. “Eu não fiz uma análise a fundo da questão constitucional da matéria para te dizer sobre esse ponto específico”, afirmou. Procurado, o autor do Estatuto da Família, deputado Anderson Ferreira (PR), não retornou à ligação da reportagem.
A questão é polêmica. Em fevereiro deste ano, o site da Câmara criou uma enquete online perguntando: “Você concorda com a definição de família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?”. Mais de 4,6 milhões de pessoas responderam, deixando essa como a enquete mais votada do site até agora. Das respostas, 49,98% eram “sim”, e 49,71%, “não”. Embora denote um país dividido, o que não é surpresa, o resultado não interfere na aprovação ou não da PL, que está agendada para ser votada pela comissão especial nesta quarta-feira.
Porém, a reunião não ocorreu na data prevista. Agora, a pauta só deve ser discutida novamente no ano que vem, já que, devido ao recesso parlamentar que se inicia na próxima segunda-feira, não há mais tempo hábil para esse debate. De qualquer maneira, se for aprovada em 2015 por uma nova comissão que deverá ser criada, entra na fila de votação na Câmara. Em tempos de uma bancada cada vez mais conservadora, haveria, em tese, mais chances de ser aprovada.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal aprovou, por unanimidade, que as uniões homoafetivas deveriam ter os mesmos direitos que uniões heterossexuais. Desde então, casais homossexuais têm direitos como herança, benefícios da Previdência, inclusão como dependentes em plano de saúde e adoção, dentre outros direitos. Na época, o relator Carlos Ayres Britto argumentou que “a família é a base da sociedade, e não o casamento”. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça deu mais um passo no avanço dos direitos homossexuais: aprovou a resolução que obriga todos os cartórios do país a registrar o casamento civil e união estável entre pessoas do mesmo sexo.
“[Se aprovada] A lei vai superar todo o avanço que a jurisprudência fez até aqui”, diz a advogada Viviane Girardi. Pela jurisprudência ou por exemplos internacionais, a união entre pessoas do mesmo sexo já deveria ser uma questão superada no Brasil. “Existem hoje 36 países que reconhecem a união entre pessoas do mesmo sexo”, diz Toni Reis. Além disso, segundo o autor alemão Petzold, existem hoje 196 tipos de família convivendo na sociedade ocidental. Segundo ele, esse número classifica variáveis como se os casais são casados legalmente ou não, se têm filhos biológicos ou adotivos, se compartilham renda, e por aí vai. Quer dizer, a união homoafetiva deveria ser considerada apenas mais uma forma de constituir família, como outra qualquer.
Por isso, ainda que o Estatuto seja aprovado pela comissão, depois passe pela Câmara e pelo Senado e seja sancionado pela presidenta, ainda assim ele será questionado. “[Se a lei for aprovada] Vai dar um bug jurídico no país”, diz Toni Reis. “Temos 70.000 casais gays no Brasil. Desses, 3.721 se casaram só no ano passado. O que vamos fazer com todo esse pessoal que já tem direitos garantidos?”.
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