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domingo, 21 de dezembro de 2014

EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO 21

Mais exercícios, mais repetição e mais testes podem até resultar em uma nota maior, mas não prepararão o aluno de forma integral e, muito menos, darão conta de desenvolver todas as competências que ele necessita para enfrentar os desafios do século 21. Enquanto o mundo abre espaço e cobra que os jovens sejam protagonistas de seu próprio desenvolvimento e de suas comunidades, o ensino tradicional ainda responde com modelos criados para atender demandas antigas. A realidade é que o ser humano é definitivamente complexo e, para desenvolvê-lo de maneira completa, é necessário incorporar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes.

Uma das saídas para reconectar o indivíduo ao mundo onde vive passa pelo desenvolvimento de competências socioemocionais. Nesse processo, tanto crianças como adultos aprendem a colocar em prática as melhores atitudes e habilidades para controlar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia, manter relações sociais positivas e tomar decisões de maneira responsável, entre outros. Uma abordagem como essa pode ajudar, por exemplo, na elaboração de práticas pedagógicas mais justas e eficazes, além de explicar por que crianças de um mesmo meio social vão trilhar um caminho mais positivo na vida, enquanto outras, não.

Longe de ser um modismo, a preocupação com o desenvolvimento dessas características sempre foi objetivo da educação e precisa ser entendido como um processo de formação integral, que  não se restringe à transmissão de conteúdos. Então o que muda? Para que consiga alcançar esse propósito, a inclusão de competências socioemocionais na educação precisa ser intencional.

“As competências socioemocionais são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”

“A gente está falando de uma mudança de cultura, de compreensão de vida, do que a gente acredita que é o ser humano, o conhecimento, a aprendizagem e de qual é o papel da escola”, explica Anita Abed, consultora da Unesco (organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura). “O conhecimento em si deve ser amplamente significativo e prazeroso, algo da ordem socioemocional”, diz.

A nova visão não implica em deixar de lado o grupo de competências conhecidas como cognitivas (interpretar, refletir, pensar abstratamente, generalizar aprendizados), até porque elas estão relacionadas estreitamente com as socioemocionais. Pesquisas revelam que alunos que têm competências socioemocionais mais desenvolvidas apresentam maior facilidade de aprender os conteúdos acadêmicos. No livro “Uma questão de caráter” (Intrínseca, 272 págs), o escritor e jornalista americano Paul Tough vai além, e coloca que o sucesso no meio universitário não está ligado ao bom desempenho na escola, mas sim à manifestação de características como otimismo, resiliência e rapidez na socialização. O livro ainda explica que competências socioemocionais não são inatas e fixas: “elas são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”, seja no ambiente escolar ou dentro de casa.

EVOLUÇÃO DO DEBATE

A discussão sobre o papel e a importância das competências socioemocionais ganhou corpo no mundo inteiro ao longo das últimas décadas. Nos anos 90, o surgimento do Paradigma do Desenvolvimento Humano, proposto pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e a publicação do Relatório Jacques Delors, organizado pela Unesco, representaram um importante passo para o debate sobre a importância de uma educação plena, que considere o ser humano em sua integralidade.

O primeiro texto coloca as pessoas no centro dos processos de desenvolvimento e aponta a educação como oportunidade central para prepará-las para escolhas e ajudá-las a transformar seu potencial em competências. Já o relatório da Unesco sugere um sistema de ensino fundado em quatro pilares: (i) aprender a conhecer, (ii) aprender a fazer, (iii) aprender a ser, e (iv) aprender a conviver.

A partir desse momento, especialistas das mais diversas áreas, como economia, educação, neurociências e psicologia, começaram a definir quais seriam as competências necessárias ao alcance dos quatro pilares propostos e se haveria outros grandes objetivos para o aprendizado. Para isso, os estudos investigaram a relação entre desenvolvimento socioemocional e desenvolvimento cognitivo, bem como o elo de ambos com os diversos contextos de aprendizagem (escola, família, comunidade, ambiente de trabalho e etc.) e com diversos indicadores de bem-estar ao longo da vida (renda, saúde e segurança, entre outras).

Segundo o especialista em educação de Hong Kong Lee Wing On, as competências e habilidades listadas por essas pesquisas estão intimamente conectadas com as chamadas soft skills (habilidades maleáveis, em livre tradução), que compreendem um conjunto de características sociais, reguladoras e comportamentais (Heffron, 1997; Heckman e Kaultz, 2012). Também se relacionam com o conceito de capital social (Putnam, 1995), que é determinado pelo nível de cooperação entre integrantes de uma comunidade. Esses conceitos abrangem capacidades que se modificam a partir de experiências e da interação com outras pessoas (por isso o termo soft, em contraposição aos menos maleáveis inteligência e conhecimento, tal como medidos por testes de desempenho e QI).

Mais recentemente, as atenções se voltaram a como levar para as escolas e disseminar o desenvolvimento de competências socioemocionais. Na esteira, organismos multilaterais como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) passaram a produzir conhecimento para apoiar governos e instituições a criarem políticas e práticas voltadas intencionalmente para a promoção dessas competências, com apoio de métodos específicos para este fim.

UMA TEORIA: BIG FIVE

Entre os psicólogos, tem crescido o reconhecimento de que é possível analisar a personalidade humana em cinco dimensões, conhecidas como Big Five: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade, consciência (também traduzida como conscienciosidade, do inglês conscientiousness) e estabilidade emocional (em inglês, usualmente identificada na carga de instabilidade emocional, ou neuroticism). Os Big Five são resultado de uma análise das respostas de questionários sobre comportamentos representativos de todas as características de personalidade que um indivíduo pode ter. Quando aplicados a pessoas de diferentes culturas e em diferentes momentos do tempo, as respostas a esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura, o que deu origem à hipótese de que os traços de personalidade dos seres humanos se agrupam efetivamente em torno de cinco grandes domínios.

O pioneirismo da teoria é atribuído a Gordon Allport e colegas que, em meados dos anos 30, buscaram nos dicionários todos os adjetivos que poderiam descrever atributos de personalidade (como por exemplo: “amável”, “agressivo” etc). Na década de 40, Raymond Catell reduziu a lista de adjetivos para 171 termos e depois os agrupou por afinidade em 35 conjuntos.

A partir dos anos 60, pesquisas de grande amostragem detectaram que cinco fatores principais resumiam a variação existente. Os autores que mais contribuíram ao modelo à época, considerados os “pais” da teoria, foram: Lewis Goldberg, Robert R. McCrae e Paul T. Costa, Jerry Wiggins e Oliver John.

Para ressaltar a importância do tema, John, que atua como professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Berkley e é autor do The Big Five Personality Test, um dos mais robustos testes de avaliação dos traços de personalidade, analisa que pela primeira vez na história é possível entender o que acontece com os traços de personalidade. “Temos a chance de conectá-los às escolas, e as competências socioemocionais são atributos que não podemos subestimar”, afirma.

O professor de Berkley explica que a teoria dos Big Five tem sido comprovada por diversos pesquisadores independentes ao redor do mundo. “É incrível que estudiosos do Brasil também encontrem as mesmas respostas. Isso significa que as pessoas podem trabalhar juntas em busca do que funciona, ao invés de ficar dizendo que isso é meu ou seu. Eu não sou dono da teoria dos Big Five e você não precisa me pagar royalties (compensações). Ela (teoria) funciona como um código aberto”.

Domínios do Big Five

Grande parte das experiências desenvolvidas por pesquisadores utiliza escalas e testes para medir aspectos particulares da personalidade e enquadrá-los em ao menos um dos domínios dos Big Five. Abaixo, o esquema proposto por John e Srivastava (1999) e citado em Almlund et al (2011) para enquadrar os domínios capturados por escalas e testes nos cinco grandes grupos dos Big Five:

Abertura a novas experiências:  tendência a ser aberto a novas experiências estéticas, culturais e intelectuais. O indivíduo aberto a novas experiências caracteriza-se como imaginativo, artístico, excitável, curioso, não convencional e com amplos interesses.

Consciência: inclinação a ser organizado, esforçado e responsável. O indivíduo consciente é caracterizado como eficiente, organizado, autônomo, disciplinado, não impulsivo e orientado para seus objetivos (batalhador).

Extroversão: orientação de interesses e energia em direção ao mundo externo e pessoas e coisas (ao invés do mundo interno da experiência subjetiva). O indivíduo extrovertido é caracterizado como amigável, sociável, autoconfiante, energético, aventureiro e entusiasmado.

Amabilidade: tendência a agir de modo cooperativo e não egoísta. O indivíduo amável ou cooperativo se caracteriza como tolerante, altruísta, modesto, simpático, não teimoso e objetivo (direto quando se dirige a alguém).

Estabilidade Emocional: previsibilidade e consistência de reações emocionais, sem mudanças bruscas de humor. Em sua carga inversa, o indivíduo emocionalmente instável é caracterizado como preocupado, irritadiço, introspectivo, impulsivo, e não-autoconfiante.

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