RUTH MANUS
05 Novembro 2014
Precisamos mesmo de uma vida perfeita?
Eu poderia te dizer que quero uma vida linda ao seu lado. Uma casa boa, com um jardim bonito, flores coloridas. Poderia dizer que quero viagens para a praia, para o campo e para as metrópoles mais encantadoras do globo. Poderia te dizer que quero dois filhos,um casal, com cabelos brilhantes, pele saudável e bochechas coradas. Nada disso seria mentira.
Mas, outro dia, me dei conta de que há amores que com muito menos, conseguem marcar muito mais. Que ter tudo isso que descrevi acima não garante uma vida de amor. E que ter muito menos do que isso, não impede a felicidade plena. Foi quando ouvi minha avó, viúva há quase 20 anos, dizer:
“Eu não tenho nenhuma inveja de moças como você, que têm rapazes bonitos e jovens para namorar. Tenho inveja das velhas que nem eu que ainda têm seus velhos de cabeça branca para andar de mãos dadas.”
A história deles não foi impecável. Não conheceram a Europa juntos, não construíram um império, os filhos não alcançaram 1,80m de altura, alguns netos são orelhudos, um câncer atrapalhou tudo, ele morreu cedo, ela se viu pela metade.
Não foi impecável, mas foi o suficiente para ela nunca mais ter tirado os vidros de perfume dele do banheiro e a aliança dourada do dedo.
E para TODA noite- eu disse TODA noite-, há 20 anos, desdobrar uma carta num papel amarelado em que ele dizia o quanto a amava num aniversário de casamento e ir dormir com os olhos mareados. Foi o suficiente para ela, mesmo só bebendo Guaraná e Chopp Black, ter encontrado uma lata de Coca com o nome dele, José, e uma garrafa com o nome dela, Rita, e deixá-las juntas, como enfeite soberano da cozinha.
E para TODA noite- eu disse TODA noite-, há 20 anos, desdobrar uma carta num papel amarelado em que ele dizia o quanto a amava num aniversário de casamento e ir dormir com os olhos mareados. Foi o suficiente para ela, mesmo só bebendo Guaraná e Chopp Black, ter encontrado uma lata de Coca com o nome dele, José, e uma garrafa com o nome dela, Rita, e deixá-las juntas, como enfeite soberano da cozinha.
E foi contemplando esse amor que percebi que quero viver muito mais com você do que uma vida bonita. Quero viver uma vida de verdade ao seu lado.
E o que eu quero viver, de verdade, com você?
Uma vida com altos e baixos.
Perrengue de grana.
Dificuldade para instalar persiana.
Filhos que não comem legume.
Alguma insegurança, algum ciúme.
Problemas. Soluções.
Alívios. Aflições.
Quero perder a entrada na estrada.
Alguns acertos. Algumas burradas.
Companhia para abrir resultado de exame.
E que, de vez em quando, a gente se engane.
Quero a receita de bolo que não vai dar certo.
E dependência de óculos para enxergar de perto.
Quero ver filme ruim no cinema.
E tentativas frustradas de escrever poema.
Dúvidas. Sugestões.
Sonhos. Ilusões.
Dezoito pernilongos no quarto.
As dores de ter ou não ter um parto.
Domingo de tédio.
Algum incômodo. Algum remédio.
Companhia na sala de espera.
Chá preto que não veio da Inglaterra.
Pneu furado. Calvície.
Trânsito parado. Bursite.
Quero mais que uma vida bonita.
Quero brigar pela última batata frita.
Quero aquela sua mania que tanto me irrita.
Quero errar no café da visita.
Quero que você seja meu Zé, quero ser sua Rita.
Quero um amor como o dos meus avós.
Quero que juntos, pela vida, desatemos os nós.
E quero um dia, sozinha na cama, poder chorar de saudades da sua voz.
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