Foto: Simona Balint / Stock.xchng |
Abortos considerados ilegais estão entre as principais causas de morte de mães, conforme pesquisa divulgada nesta sexta-feira
por Fernanda da Costa
12/12/2014
Por ser o 4º mais lento em reduzir a mortalidade materna, o Brasil não conseguirá cumprir a meta de reduzir essas ocorrências estabelecida com a Organização das Nações Unidas (ONU) para 2015, segundo uma pesquisa divulgada por instituições de defesa da mulher. O objetivo prevê que o país diminua em 75% as mortes maternas entre 1990 e o próximo ano. Os casos envolvem mães que morrem no período da gestação até a oitava semana após o parto.
A observação integra o relatório de monitoramento da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, na sigla em inglês) da ONU, divulgado nesta sexta-feira. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil reduziu sua taxa de mortes maternas em 43% de 1990 a 2013, menos que Peru (64%), Bolívia e Honduras (61% cada).
De 2000 até 2013, o país teve a quarta pior taxa de redução dessas ocorrências no mundo, ao lado de Madagascar e atrás apenas da Guatemala, África do Sul e Iraque. A meta da ONU integra os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), assinados em setembro de 2000 por 189 nações.
A conclusão das organizações de defesa das mulheres é que “os esforços realizados pelo país têm sido insuficientes para impedir as mortes maternas evitáveis, causadas por aborto, doença hipertensiva, hemorragias e infecção puerperal”, conforme o relatório de monitoramento da Cedaw.
Pesquisa critica qualidade do pré-natal e do parto
Embora o país apresente uma cobertura de pré-natal de 91% e de partos hospitalares de 98,1%, o alto índice de mortalidade materna sugere que esses serviços têm má qualidade no país, de acordo com o estudo. O relatório de monitoramento da Cedaw informa que “não se observam iniciativas para solucionar os entraves que incluem: falta de iniciativas dada à saúde da mulher; má formação dos profissionais que atendem no pré-natal e no parto; peregrinação e filas de espera nos hospitais; uso de tecnologias não baseadas em evidências e falta de acesso oportuno a serviços qualificados de urgência e emergência”.
Além disso, a pesquisa também critica o orçamento executado pelo Rede Cegonha — programa do governo federal que visa melhorar o atendimento às gestantes. Conforme a pesquisa, o programa contou com uma verba de R$ 240 milhões em 2013, mas apenas 10% desse orçamento havia sido executado até novembro deste ano.
Mães negras e pardas são as que mais morrem no país
As principais vítimas da mortalidade materna são mulheres pardas e negras, conforme o relatório de monitoramento da Cedaw. Entre 2009 e 2011, por exemplo, morreram 1.757 mães brancas e 3.034 mães negras e pardas, 73% a mais.
O caso da gestante Alyne Silva Pimentel, 28 anos, morta em 2002 após peregrinar por serviços de saúde do Rio de Janeiro, é um caso emblemático dessa estatística. Negra e moradora da Baixada Fluminense, ela morreu quando estava no sexto mês de gestação, cinco dias após dar entrada em um hospital da rede pública com sinais de gravidez de alto risco, onde não recebeu atendimento apropriado. Em 2011, a ONU recomendou que o Brasil indenizasse a família da gestante e evitasse novos casos de desassistência à mulheres grávidas.
Abortos ilegais estão entre as principais causas de mortalidade materna
Com exceção de casos em que a gravidez é resultante de estupro, oferece risco de vida para a mãe ou o feto foi diagnosticado como anencéfalo, o aborto é considerado ilegal no Brasil. Conforme o relatório de monitoramento da Cedaw, os procedimentos clandestinos estão entre as principais causas de mortalidade materna. O relatório informou que, em 2012, 99.633 mulheres foram internadas por aborto não espontâneo no país, o que representa 10% do total de internações por parto.
No Brasil, uma em cada cinco mulheres fez aborto até os 40 anos, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, feita em 2010. O estudo também revela que 55% das gestantes que realizaram o procedimento tiveram de procurar atendimento médico para finalizá-lo. Outro levantamento realizado em 2010 mostrou que, entre 1995 e 2007, as internações por aborto foram as cirurgias mais realizadas pelo SUS, totalizando 3,1 milhões. O número supera 1,8 milhões de cirurgias de hérnias, por exemplo.
Entre as mulheres que procuraram atendimento médico após induzir um aborto no país está LCS, 20 anos. Seu nome foi preservado, mas o caso serviu de exemplo no relatório para o Cedaw. Quinze dias após induzir o aborto com Cytotec, aos três meses de gravidez, a jovem procurou uma maternidade pública de Salvador com hemorragia e febre, mas não foi atendida “porque era aborto”. Levada a outras instituições públicas, onde também foi discriminada por ter induzido o aborto, LCS não recebeu atendimento adequado e morreu um mês depois, apesar de ser uma morte 100% evitável, de acordo com o estudo.
Conforme o artigo Morte materna pela Ótica dos Direitos Humanos – subsídios para análises de casos, escrito pelas integrantes da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil) Maria José de Oliveira Araújo e Maria Cecilia Moraes Simonetti, “a ilegalidade do aborto e seu impacto na mortalidade materna no Brasil viola direitos humanos” previstos nos tratados internacionais ratificados pelo país — ou seja, quando adquirem caráter de lei nacional. O artigo ainda informa que, em 2003, a ONU recomendou ao Brasil “a eliminação de preceitos que discriminam a mulher, como as severas punições impostas ao aborto” e a proteção de mulheres dos “efeitos do aborto clandestino e inseguro”, para que elas “não se vejam constrangidas a recorrer a tais procedimentos nocivos”.
Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), além das complicações devido a abortos, as principais causas da mortalidade materna são hemorragia, hipertensão e infecções.
Cedaw completa 35 anos no mundo e 12 no Brasil
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher completa 35 anos em 2014, mas apenas em 2002 o país ratificou a legislação. Foi apenas a partir dessa ratificação que o governo se comprometeu a atender as recomendações da ONU e enviar relatórios periódicos à organização sobre suas políticas públicas de atenção às mulheres.
O relatório divulgado nesta sexta-feira contém as respostas do governo às recomendações da Cedaw, a análise de 13 organizações de defesa da mulher sobre as ações voltadas ao gênero e artigos sobre direitos das mulheres. Divulgada em Porto Alegre, a publicação é o segundo volume escrito pelo projeto de monitoramento da convenção.
As organizações que produziram o estudo foram: Coletivo Feminino Plural; Comitê da América Latina e do Caribe para os Direitos da Mulher (Cladem/Brasil); Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM/UFRGS); Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras; Associação Casa da Mulher Catarina; Comissão de Cidadania e Reprodução; ECOS Comunicação em Sexualidade; Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero; Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável/CO; Instituto Mulher pela Ação Integral à Saúde e Direitos Humanos (IMAIS); Plataforma DHESCA Brasil e THEMIS Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.
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