O objetivo do crime de manter ou distribuir fotos ou vídeos que simulam atos sexuais de crianças e adolescentes, inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente na reforma de 2008 (artigo 241-C), não é proteger os jovens, e sim tentar determinar padrões obrigatórios de comportamentos sexuais na sociedade. E esse intuito da norma é incompatível com os princípios jurídicos. Assim argumenta Leopoldo Stefanno Gonçalves Leone Louveira em sua dissertação de mestrado, A esfera da vida privada do cidadão como limite à interferência do direito penal: a questão da pornografia infantil, defendida no ano passado na Faculdade de Direito da USP.
“Punir a mera fantasia é incondizente com os ditames de um Direito Penal em um Estado de Direito. De outra banda, a violação às imagens dos adolescentes — caso alguma entidade ou associação se sinta prejudicada com pornografia infantil simulada — deve ficar no campo da indenização civil e não da instrumentalização do Direito Penal para ‘corrigir’ os cidadãos”, opina Louveira.
Para o pesquisador, a moral não pode ser a única inspiração para o Direito Penal. Isso por que esse ramo jurídico funciona como última instância repressiva, e só deve ser acionado quando outras vertentes — como o Direito Civil — não forem eficazes.
Além disso, segundo Louveira, o Estado só pode interferir na vida privada dos cidadãos (como a vida sexual) caso haja ameaça ou lesão de bens jurídicos ou de interesses de terceiros. O problema é que a pornografia infantil simulada não ofende essas instituições, uma vez que não houve prática de atos sexuais reais na produção das fotos e vídeos que a retratam.
Louveira também rechaça a “tese da instigação” usada como justificação para que a posse ou distribuição desses materiais seja considerada crime. Segundo esse argumento, é preciso punir o detentor de pornografia infantil para evitar que ele possa vir a exteriorizar as suas fantasias sexuais no futuro. De acordo com o pesquisador, “inexistem critérios empíricos comprovados cientificamente de estímulo à prática de crimes sexuais mais graves”.
Pelo contrário: há quem defenda a “tese da catarse”, conforme a qual o contato do sujeito com esses materiais pode satisfazer sua libido e evitar a busca por relações sexuais com crianças e adolescentes.
Pornografia real
Por outro lado, Louveira defende que a posse ou distribuição de pornografia infantil real (crime previsto no artigo 241-B do ECA) seja punida penalmente pelo Estado. Isso para evitar estimular o desenvolvimento de uma indústria de produção de fotos e vídeos retratando atos sexuais de crianças e adolescentes, o que lesaria a dignidade e a imagem deles.
Existe também a analogia feita com o crime de receptação. Esta conduta ilícita, tipificada no artigo 180 do Código Penal, pune quem adquirir ou receber algo que tenha sido obtido mediante delito de terceiro. Dessa forma, o sujeito que obtém pornografia infantil está sendo conivente com as práticas criminosas que originaram as fotos e vídeos
Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.
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