Mudar o mundo qualquer pessoa quer. Lavar a louça é que são elas.
Alex Castro
Mente e atitude, Prisões
16 de Dezembro de 2014
Todas as pessoas desejam ser ouvidas. Entretanto, tão poucas escutam.
Por que é tão difícil suspendermos nossos julgamentos, nossas opiniões, nossas interrupções, para conceder a outra pessoa o inestimável dom da nossa atenção completa e concentrada?
* * *
Esse é o quarto exercício de empatia. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios.
* * *
Com quem fazer
Esse exercício pode ser feito com qualquer pessoa, seja conhecida (mãe, amiga, parente) ou desconhecida (no metrô, na fila do banco), mas tem que ser uma interação pessoal, cara-a-cara, à moda antiga.
Saber "ouvir" no bate-papo de internet não conta.
* * *
Como encontrar pessoas com histórias para contar
A pessoa que estamos procurando é literalmente qualquer pessoa.
Todas nós estamos sempre, em algum grau, ansiosas por alguma conexão humana significativa.
Não é difícil: basta sair da bolha de proteção de nossos Kindles e iPhones, criados especificamente para nos isolar do mundo.
Basta abrir mão da nossa atitude tão comum de automaticamente cortar qualquer pessoa que tente nos "alugar".
(Aliás, que expressão horrível, como se uma outra pessoa buscar uma conexão humana conosco fosse algo incômodo a ser evitado.)
* * *
Como se abrir para as pessoas
Para ouvir histórias de pessoas, o meu método preferido é abrir meu corpo para elas.
Em vez de passar por alguém articulando um burocrático "tudo bem" enquanto nem diminuo o ritmo forçado do meu passo...
Eu escolho fazer diferente.
Eu escolho parar, me aproximar, me debruçar, encostar, olhar no olho — o que for apropriado para o nível de relacionamento que tenho com aquela pessoa.
Só então, só depois de deixar claro que estou ali, parado, com minha atenção plena, 100% presente, eu pergunto:
"Tudo bem? Como você está?"
Não basta articular aquelas palavras que todas já sabemos ser vazias ("ai, menina, você acredita que perguntei como ela tava... e ela RESPONDEU?!"): é preciso que o nosso corpo todo também se abra para a interação humana com as outras pessoas.
* * *
E quando as pessoas não se abrem de volta?
Em um dos encontros "As Prisões", alguém comentou:
"Ai, Alex, eu faço isso, mas não está funcionando! Ninguém se abre comigo!"
Mas o exercício de empatia não é um exercício de interrogatório. Nosso objetivo não é arrancar informações das pessoas, mas simplesmente nos colocar em uma postura aberta para receber suas histórias.
A partir daí, fica por conta de cada interlocutora. Algumas talvez não acreditem em nossas boas intenções, outras talvez sintam que não têm intimidade conosco. Vai ver somente não estão com tempo para conversar naquela hora.
Cada pessoa é uma pessoa: teve outra vida, outros traumas, outras questões. Ninguém tem obrigação de se abrir conosco só porque nos abrimos para ela.
* * *
Fazendo as perguntas cujas respostas precisam ser ouvidas
Ouvir não é um exercício passivo: requer curiosidade e imaginação.
Evito fazer aquelas perguntas que o uso comum já nos ensinou que são vazias ("tudo bem?", "como está?", etc), a não ser que todo o meu corpo esteja gritando que estou de fato ali 100% presente fazendo aquela pergunta para valer.
Com pessoas que não conheço, gosto de fazer perguntas voltadas para o futuro:
"E esse 2015 aí, hein, como é que vai ser?"
Qualquer pessoa que esteja aberta ao diálogo vai responder com alguns de seus planos e metas. Algumas levantam os olhos, encaram o infinito e dá pra sentir o momento em que quase fisicamente entramos em seus sonhos e projetos.
(Sempre vale a pena lembrar: empatia vem do grego "em" e "pathos", ou seja, entrar nos sentimentos.)
Com pessoas que já conhecemos, as melhores perguntas utilizam os conhecimentos que possuímos das vidas dessas pessoas, nossas lembranças de interações anteriores.
Aliás, se nossa atenção plena e irrestrita é um dos maiores presentes podemos oferecer às pessoas, nossa memória também é uma função dessa atenção. Quem está prestando atenção, lembra.
Se você já teve várias interações com uma pessoa e, ainda assim, não lembra nada ou quase nada sobre ela, eu diria que você precisa urgentemente trabalhar na sua atenção e na sua empatia.
Às vezes, nos desculpamos por nossa falta de memória dizendo coisas como:
"Foi mal, sou tão distraído, minha cabeça está cheia de problemas, não lembrei mesmo…"
Mas a distração que me faz esquecer não é o que me justifica: é o que me condena.
Gostaria de poder dizer que sou uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Mas não: minha péssima memória e minha extrema distração são sintomas de meu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a mim.
Hoje em dia, sempre que reparo que estou usando minha falta de memória como desculpa por alguma distração, já soa um alerta anti-egocentrismo em minha cabeça: qualquer comportamento meu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.
* * *
Um exercício para ouvir com atenção irrestrita
Uma vez que você encontre uma pessoa com uma história, vem a parte realmente difícil: ouvir.
Para começar, desligue todos os retângulos luminosos que carrega em seu corpo.
(Sempre que estou com alguém e ela puxa o celular, parece estar dizendo: "péra, Alex, deixa eu ver se tem alguma coisa mais interessante que você acontecendo na internet." E sabe qual é o pior? Sempre tem. Porque a internet é infinita e eu sou só uma pessoa. Mas eu estou ALI.)
Nunca, nunca interrompa.
No máximo, se a pessoa precisar de estímulos, sorria, balance a cabeça, faça "arrã". Caso seja necessário, faça perguntas curtas, parafraseando o que ela disse, para confirmar e apoiar.
Concentre totalmente sua atenção na pessoa que está falando com você.
Nossa atenção plena é um dos maiores presentes que temos pra oferecer.
Não pense em você, no que vai retrucar, no que teria feito no lugar dela, no que acha que ela deveria ter feito, naquela coisa parecida que aconteceu com um amigo seu. Nada disso importa.
Você não existe. Não existe seu ego, suas opiniões, seus julgamentos de valor. Você está só.... ouvindo! Todo o seu ser está concentrado nessa única dificílima atividade transcendental. Ouvir.
Por fim, não ofereça sua opinião. Se a pessoa pedir expressamente, fale com moderação.
* * *
Uma variação mais intimista do exercício
O exercício de ouvir é uma via de mão dupla: só podemos entrar nos sentimentos de outra pessoa se também nos abrirmos para ela.
Por isso, para pessoas mais tímidas, o exercício pode ser penoso: ele exige que saiamos de nossa zona de conforto.
Uma possível alternativa é fazer o exercício com uma pessoa amiga ou conhecida, com quem se sinta bem e confortável, e que concorde em fazer o exercício de empatia com você.
As regras são simples: cada pessoa fala por um período de tempo pré-determinado (digamos, meia hora), sem qualquer interrupção. Depois, alternam.
O objetivo do exercício, ao nos permitir falar com a certeza absoluta de que não seremos interrompidas, é nos fazer perceber como as interrupções, ou mesmo a possibilidade de interrupções, molda e corrompe totalmente a nossa fala.
Quando falamos com a certeza de que não seremos interrompidas falamos melhor, com menos pressa, sem tantas barreiras, com mais tranquilidade.
Alex Castro
Mente e atitude, Prisões
16 de Dezembro de 2014
Todas as pessoas desejam ser ouvidas. Entretanto, tão poucas escutam.
Por que é tão difícil suspendermos nossos julgamentos, nossas opiniões, nossas interrupções, para conceder a outra pessoa o inestimável dom da nossa atenção completa e concentrada?
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Esse é o quarto exercício de empatia. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios.
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Com quem fazer
Esse exercício pode ser feito com qualquer pessoa, seja conhecida (mãe, amiga, parente) ou desconhecida (no metrô, na fila do banco), mas tem que ser uma interação pessoal, cara-a-cara, à moda antiga.
Saber "ouvir" no bate-papo de internet não conta.
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Como encontrar pessoas com histórias para contar
A pessoa que estamos procurando é literalmente qualquer pessoa.
Todas nós estamos sempre, em algum grau, ansiosas por alguma conexão humana significativa.
Não é difícil: basta sair da bolha de proteção de nossos Kindles e iPhones, criados especificamente para nos isolar do mundo.
Basta abrir mão da nossa atitude tão comum de automaticamente cortar qualquer pessoa que tente nos "alugar".
(Aliás, que expressão horrível, como se uma outra pessoa buscar uma conexão humana conosco fosse algo incômodo a ser evitado.)
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Como se abrir para as pessoas
Para ouvir histórias de pessoas, o meu método preferido é abrir meu corpo para elas.
Em vez de passar por alguém articulando um burocrático "tudo bem" enquanto nem diminuo o ritmo forçado do meu passo...
Eu escolho fazer diferente.
Eu escolho parar, me aproximar, me debruçar, encostar, olhar no olho — o que for apropriado para o nível de relacionamento que tenho com aquela pessoa.
Só então, só depois de deixar claro que estou ali, parado, com minha atenção plena, 100% presente, eu pergunto:
"Tudo bem? Como você está?"
Não basta articular aquelas palavras que todas já sabemos ser vazias ("ai, menina, você acredita que perguntei como ela tava... e ela RESPONDEU?!"): é preciso que o nosso corpo todo também se abra para a interação humana com as outras pessoas.
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E quando as pessoas não se abrem de volta?
Em um dos encontros "As Prisões", alguém comentou:
"Ai, Alex, eu faço isso, mas não está funcionando! Ninguém se abre comigo!"
Mas o exercício de empatia não é um exercício de interrogatório. Nosso objetivo não é arrancar informações das pessoas, mas simplesmente nos colocar em uma postura aberta para receber suas histórias.
A partir daí, fica por conta de cada interlocutora. Algumas talvez não acreditem em nossas boas intenções, outras talvez sintam que não têm intimidade conosco. Vai ver somente não estão com tempo para conversar naquela hora.
Cada pessoa é uma pessoa: teve outra vida, outros traumas, outras questões. Ninguém tem obrigação de se abrir conosco só porque nos abrimos para ela.
* * *
Fazendo as perguntas cujas respostas precisam ser ouvidas
Ouvir não é um exercício passivo: requer curiosidade e imaginação.
Evito fazer aquelas perguntas que o uso comum já nos ensinou que são vazias ("tudo bem?", "como está?", etc), a não ser que todo o meu corpo esteja gritando que estou de fato ali 100% presente fazendo aquela pergunta para valer.
Com pessoas que não conheço, gosto de fazer perguntas voltadas para o futuro:
"E esse 2015 aí, hein, como é que vai ser?"
Qualquer pessoa que esteja aberta ao diálogo vai responder com alguns de seus planos e metas. Algumas levantam os olhos, encaram o infinito e dá pra sentir o momento em que quase fisicamente entramos em seus sonhos e projetos.
(Sempre vale a pena lembrar: empatia vem do grego "em" e "pathos", ou seja, entrar nos sentimentos.)
Com pessoas que já conhecemos, as melhores perguntas utilizam os conhecimentos que possuímos das vidas dessas pessoas, nossas lembranças de interações anteriores.
Aliás, se nossa atenção plena e irrestrita é um dos maiores presentes podemos oferecer às pessoas, nossa memória também é uma função dessa atenção. Quem está prestando atenção, lembra.
Se você já teve várias interações com uma pessoa e, ainda assim, não lembra nada ou quase nada sobre ela, eu diria que você precisa urgentemente trabalhar na sua atenção e na sua empatia.
Às vezes, nos desculpamos por nossa falta de memória dizendo coisas como:
"Foi mal, sou tão distraído, minha cabeça está cheia de problemas, não lembrei mesmo…"
Mas a distração que me faz esquecer não é o que me justifica: é o que me condena.
Gostaria de poder dizer que sou uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Mas não: minha péssima memória e minha extrema distração são sintomas de meu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a mim.
Hoje em dia, sempre que reparo que estou usando minha falta de memória como desculpa por alguma distração, já soa um alerta anti-egocentrismo em minha cabeça: qualquer comportamento meu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.
* * *
Um exercício para ouvir com atenção irrestrita
Uma vez que você encontre uma pessoa com uma história, vem a parte realmente difícil: ouvir.
Para começar, desligue todos os retângulos luminosos que carrega em seu corpo.
(Sempre que estou com alguém e ela puxa o celular, parece estar dizendo: "péra, Alex, deixa eu ver se tem alguma coisa mais interessante que você acontecendo na internet." E sabe qual é o pior? Sempre tem. Porque a internet é infinita e eu sou só uma pessoa. Mas eu estou ALI.)
Nunca, nunca interrompa.
No máximo, se a pessoa precisar de estímulos, sorria, balance a cabeça, faça "arrã". Caso seja necessário, faça perguntas curtas, parafraseando o que ela disse, para confirmar e apoiar.
Concentre totalmente sua atenção na pessoa que está falando com você.
Nossa atenção plena é um dos maiores presentes que temos pra oferecer.
Não pense em você, no que vai retrucar, no que teria feito no lugar dela, no que acha que ela deveria ter feito, naquela coisa parecida que aconteceu com um amigo seu. Nada disso importa.
Você não existe. Não existe seu ego, suas opiniões, seus julgamentos de valor. Você está só.... ouvindo! Todo o seu ser está concentrado nessa única dificílima atividade transcendental. Ouvir.
Por fim, não ofereça sua opinião. Se a pessoa pedir expressamente, fale com moderação.
* * *
Uma variação mais intimista do exercício
O exercício de ouvir é uma via de mão dupla: só podemos entrar nos sentimentos de outra pessoa se também nos abrirmos para ela.
Por isso, para pessoas mais tímidas, o exercício pode ser penoso: ele exige que saiamos de nossa zona de conforto.
Uma possível alternativa é fazer o exercício com uma pessoa amiga ou conhecida, com quem se sinta bem e confortável, e que concorde em fazer o exercício de empatia com você.
As regras são simples: cada pessoa fala por um período de tempo pré-determinado (digamos, meia hora), sem qualquer interrupção. Depois, alternam.
O objetivo do exercício, ao nos permitir falar com a certeza absoluta de que não seremos interrompidas, é nos fazer perceber como as interrupções, ou mesmo a possibilidade de interrupções, molda e corrompe totalmente a nossa fala.
Quando falamos com a certeza de que não seremos interrompidas falamos melhor, com menos pressa, sem tantas barreiras, com mais tranquilidade.
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