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sábado, 20 de dezembro de 2014

Dar-se conta das pessoas | Exercícios de empatia, 2

Alex Castro
Mente e atitude, Prisões
3 de Outubro de 2014

Vivemos cercadas de pessoas tão incríveis, tão humanas, com uma subjetividade tão profunda e única como a nossa.

Apesar disso, caminhamos pela vida como se fossem todas, ou quase todas, só figuras de papelão de quem desviamos para não trombar na rua.

Será assim tão difícil enxergar a humanidade das pessoas a nossa volta?

* * *

Esse é o segundo exercício de empatia. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios. 

* * *

História de um homem ridículo

Estava eu sentado em uma mesa de calçada, tomando meu café da manhã, quando passa por mim um homem ridículo.

Andando pela rua de forma confiante e decidida. Completamente ignorante do fato de ser tão ridículo. De estar tão fora do padrão, da regra, do correto. De ser tão feio, tão mal-vestido, tão tosco. O homem ridículo estava todo errado.

Não vou descrever o homem ridículo. Seria impossível descrevê-lo sem ser cúmplice de sua ridicularização, sem fazer vocês também o acharem ridículo.

Porque, um segundo depois, bateu a culpa, caiu a ficha, estourou a consciência.

E pensei: para uma ou mais pessoas, esse homem ridículo é a pessoa mais amada da vida, a pessoa mais importante do mundo. Para algumas pessoas idosas, ele sempre vai ser o bebê lindo que foi um dia, a criança cheia de promessa, o adolescente vigoroso e energético.

Que apesar dele estar passando pela rua a vinte metros de mim, de eu só estar enxergando-o por breves segundos, de eu nunca ter ouvido sua voz ou interagido com ele de qualquer maneira, de ele ser para mim só um figurante sem fala no ó-tão-importante filme da minha vida, de ele ser apenas uma figura de cartolina exemplificando o total oposto do padrão de beleza vigente….

Que ele era uma pessoa.

Caralho, uma pessoa.

Vocês entendem a enormidade disso?

Uma pessoa igual a mim. A MIM! Com os mesmos sentimentos. Que dá tanta importância a si mesmo quanto eu me dou. Que sempre viu tudo pelos seus próprios olhos. Que sempre sentiu todas as suas dores. Uma pessoa plena. Um homo sapiens adulto. Um indivíduo da espécie dominante do único planeta habitado que conhecemos. Por tudo que se sabe, ele é o ápice da evolução do cosmos. Ali, passando por mim, já se afastando. Tão ridículo.

Se esse homem ridículo morresse hoje, agora, fulminado por meu implacável julgamento, haveria gente sofrendo dor profunda, chorando, trabalhando o luto, relembrando melhores momentos compartilhados. Aquele homem ridículo deixaria um vazio talvez insuperável em corações que nem conheço.

Então, ele sumiu atrás de uma esquina, mas apareceu uma senhora de vestido verde, depois, uma adolescente patinadora, um ruivo e seu beagle, um gari de laranja, e foi quase que como uma sobrecarga de informação: todos pessoas. Cada um. Nenhum deles figurantes do filme da minha vida. Todos protagonistas de seus próprios filmes. Pessoas plenas.

Aí, finalmente, me dei conta: o único homem ridículo ali era eu.

01
* * *

Protagonistas do nosso próprio filme

Sempre que vemos um estranho no metrô e nos lembramos de já tê-lo visto no dia anterior na fila do banco, é um pouco como se deus estivesse com poucos figurantes:

"Vai lá, Zé, pro metrô!"
"Mas, deus, já estive na fila do banco ontem!"
"Ah, ele nunca vai perceber...!"

A piada é do Louis C.K., mas a sensação é bem característica dessa nossa época narcisista: de que somos os protagonistas do grande filme da nossa vida, repleto de figurantes que não importam, com um punhado de coadjuvantes que entram e saem de cena, tudo coroado pela brilhante narração em off dos nossos fulgurantes ó-tão-importantes pensamentos.

Pois bem. Vamos tentar superar isso.

Perceber que estamos cercadas de protagonistas de suas próprias histórias.

Que cada pessoa está protagonizando o seu próprio filme.

Que na verdade é um filme só e se chama o universo.
03
* * *

Um exercício para dar-se conta das pessoas a nossa volta

Quando estiver em um ambiente público com várias pessoas que você não conhece (ônibus, metrô, fila do banco, sala de espera, etc), tente dar-se conta da humanidade, individualidade, subjetividade de cada pessoa a sua volta.

Deixe expandir sua consciência. Saboreie o fato de estar cercado de pessoas. Recupere uma certa sensação de estranheza – que nem lembramos de ter perdido – de que cada uma daquelas figuras de papelão ali sentadas é um ser humano exatamente tão complexo, tão sublime, tão apaixonante, tão mesquinho quanto você. Uma por uma. Todas elas.

Não é preciso fazer nada externamente. As pessoas não precisam nem te perceber. Basta olhar para cada uma delas por poucos segundos e pensar:

Essa pessoa já foi um bebê fofo.

Esse aqui é a pessoa mais amada da vida de alguém.

Esse outro solta gemidos incríveis na hora de gozar que jamais escutarei.

Essa outra sentiu todas as suas dores e nenhuma das minhas, e eu nunca sentirei as dores dela, nem ela as minhas; etc.

Faça questão de ter realmente enxergado cada pessoa, de ter considerado sua humanidade individual por pelo menos alguns segundos antes de seguir adiante: aqui está uma pessoa, aqui está outra pessoa, isso aqui também é uma pessoa. Pessoa, pessoa, pessoa.

Evite interagir. Não desvie o olhar mas também não faça contato visual. Encarar já te coloca dentro da história da outra pessoa e pode até mesmo ocasionar uma reação indesejada. Para dar-se conta das pessoas a sua volta, você não precisa se mexer, trocar olhares, nada. É discreto e imperceptível.

Não pense muito sobre cada pessoa, quem é, de onde veio, quais são seus sonhos, nada disso. Nem mesmo interaja. Deixemos isso para as próximas lições. Essa primeira tarefa já é bastante difícil.

Se está achando fácil, é porque ainda não tentou. Além de dificílimo, é potencialmente enlouquecedor – mas também fascinante e instrutivo.

Talvez seja impossível. Ou não.

Só tentando para saber.
02

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