Madeleine Lacsko
Jornalista profissional, mãe experimental
05/11/2014
Não há dúvidas de que a guarda compartilhada é o melhor regime no caso de ruptura ou de não existência prévia de um convívio dos pais, mas o projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado cumpre literalmente a regra brasileira: danem-se as crianças, o que importa é ganhar aplauso quando se atende caprichinho de adulto.
Especialistas, juristas e psicólogos, são unânimes em afirmar que a guarda compartilhada não é o melhor modelo em uma única situação: quando há conflito entre os pais. E é justamente neste caso que o PL117/2013 pretende que ela seja obrigatória e, pior, sem nenhum tipo de apoio psicológico ou de mediação para a família.
É inegável que existe um novo modelo de paternidade e que ele não é adequado à proposta antiquada que temos do pai que vê os filhos uma vez a cada quinze dias, mas impor o caos à vida de pais e filhos depois de um divórcio é uma solução irresponsável, para dizer o mínimo. Triste não haver seriedade para resolver um problema deste porte.
Em decisão recente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na qual era requerida a guarda compartilhada para um casal em conflito, o desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves foi bem claro: "Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do filho. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica à disposição de cada genitor por um semestre. (...) Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos".
A tese de Mestrado de Roberta Leal na UFRJ, "Cuidados infantis - sentidos atribuídos à guarda compartilhada" ouviu pais que se sentem preteridos pelo modelo antiquado das nossas leis e querem conviver mais com os filhos. Eles criticam a falta de cuidado humano na questão.
No estudo se salienta a importância de introduzir um mecanismo já existente no modelo francês de guarda compartilhada, a mediação familiar. É feito todo um processo para que os conflitos sejam reduzidos e a criança realmente seja beneficiada com o convívio. No formato brasileiro, coloca-se a criança para servir de joguete num conflito de adultos - vence quem tiver menos escrúpulos.
O auxílio psicológico para que se reduzam os conflitos e que se evite, inclusive, a Síndrome da Alienação Parental ou o uso até inconsciente dos filhos na briga dos pais é mostrado como crucial na monografia da psicóloga Daiana Zanatta Cardoso da Silva na Universidade de Caxias do Sul. "Torna-se importante evidenciar que a criança tem a saúde mental conforme o ambiente em que vive, portanto se conviver diretamente com os conflitos do litígio e da disputa de guarda estará correndo risco de ter problemas de ajustamento emocional e comportamental, além é claro, de distorções em sua estruturação da personalidade devido aos danos psicológicos sofridos."
Imaginar que uma criança que já teve uma ruptura familiar passe a ter obrigatoriamente duas casas e no meio do conflito dos pais é tratá-la como objeto de disputa, não como ser humano digno de respeito. Laura Affonso da Costa Levy, em artigo para a Revista Âmbito Jurídico, lembra de um aspecto que os adultos, em suas fantasias de realizar todos os caprichos, costumam esquecer: "o menor precisa contar com a estabilidade de um domicílio, um ponto de referência e um centro de apoio para suas atividades no mundo exterior, enfim, de uma continuidade espacial (além da afetiva) e social, onde finque suas raízes físicas e sociais, com o qual ele sinta uma relação de interesse e onde desenvolva uma aprendizagem doméstica, diária, da vida."
Compartilhar a guarda significa compartilhar todas as decisões importantes para a formação de um ser humano, não apenas dividir o tempo que passa com a criança e cada um fazer as coisas do seu jeito, com duas casas diferentes.
Em artigo para o Consultor Jurídico, Renata Rivelli Martins dos Santos e Fabiane Parente Teixeira Martins lembram que "a guarda compartilhada reclama diálogo contínuo e decisão conjunta sobre todos os aspectos da vida do menor, o que com certeza não vai ser alcançado mediante imposição judicial".
A gente tende a confundir guarda compartilhada com residência alternada e os dois conceitos não são sinônimos. O filho morar em casas diferentes por um período, de forma supervisionada e acompanhada de perto, é uma das etapas para que se atinja a guarda compartilhada de fato, segundo o manual escrito pelo juiz francês Marc Juston, renomado pelo trabalho de diminuir conflitos em divórcios e chegar ao que é melhor para a criança em cada caso.
Ele faz o alerta mais importante: do jeito que está o projeto brasileiro, a pessoa compra guarda compartilhada e recebe alienação parental. "Se não houver cooperação entre os pais, os conflitos que coloquem em jogo a residência alternada da criança poderão degenerar numa guerra difamatória. A co-parentalidade e a residência alternada poderão ser geradoras de conflitos e instigar o fenômeno de alienação parental, no qual um dos pais procura destruir o outro."
E é justamente essa a proposta que o Senado acaba de aprovar, a que comprovadamente descamba para os piores pesadelos dos pais. É cruel brincar com os sentimentos das pessoas prometendo o céu e entregando o inferno.
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