11/12/2014
Denúncias de estupros na USP expuseram situação crítica nas universidades estaduais
As denúncias de violência sexual e de desrespeito aos direitos humanos neste ano motivaram as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) a correrem contra o tempo para melhorar suas políticas de segurança. As ações determinam o controle sobre as festas estudantis, punição de agressores e até mesmo a criação de dispositivos de alerta como, por exemplo, um botão do pânico.
Um levantamento divulgado nesta terça (9) mostrou que a proporção de atos de violência sexual na USP foi maior do que na cidade de São Paulo nos últimos três anos. Os ataques sexuais representaram 3,4% dos crimes violentos registrados pela universidade, este número é de 1,54% na capital.
Na USP, as congregações — instâncias máximas de decisão nas unidades — da Escola Politécnica e das FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) decidiram proibir a organização de festas estudantis e o consumo de bebidas alcoólicas nas unidades.
As restrições ocorreram após casos de abuso sexual contra alunas em festas serem denunciados em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em novembro. Um dia depois da repercussão das denúncias, a FMUSP anunciou que criará um Centro de Defesa dos Direitos Humanos para assistir jurídica e psicologicamente alunos da instituição que forem vítimas de violência.
O diretor da unidade, José Otávio Auler Junior, chegou a afirmar que alunos que perseguirem vítimas e denunciantes de abusos poderão ser suspensos ou expulsos.
Para Marco Arkeman, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos autores do livro “Bulindo com a universidade — Um estudo sobre o trote na medicina”, a quebra de silêncio dos alunos da FMUSP sobre os casos de violência em meio a contextos de festas foi essencial para a tomada de providências na instituição.
— Como isso é um problema interno, os dirigentes diziam ‘vamos resolver isso internamente’. E como quem dirige a escola passou soube dessas questões quando era estudante, acaba que as coisas foram naturalizadas [...] A quebra de silêncio quebra a lógica da corporação.
Após a repercussão dos casos na mídia, o Conselho Gestor do campus da Cidade Universitária aprovou, no início de dezembro, documento que proíbe a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas em festas da USP. O texto também proíbe a realização de grandes festas no campus Butantã.
Segundo Paula Figueiredo, promotora de Justiça de Direitos Humanos e Inclusão Social do Ministério Público Estadual que recebeu e acompanha as denúncias sobre violências praticadas na FMUSP, a proibição de festas não resolve o problema.
A diretoria colocou para o Ministério Público que isso seria uma solução temporária até que fossem desenvolvidos mecanismo efetivos de alteração dessa realidade [...] Mas as festas não são a origem do problema, elas só permitem que essa realidade [de cultura de discriminação às minorias na universidade] se concretize ali e se torne mais evidente.
A promotora revelou ao R7 que solicitou à diretoria da FMUSP documentos que expliquem o funcionamento da segurança na instituição. A intenção é de que, no início de 2015, o MP encaminhe à instituição um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com orientações para a melhoria da segurança nos espaços.
— A ampliação da segurança me parece necessária na unidade, porque, por exemplo, no espaço da atlética, que onde se faz festas, não tem nenhuma câmera. Então, realmente, é uma segurança aparentemente falha. Não fechamos uma proposta final ainda, mas estão surgindo ideias como a de criar um grupo de apoio à mulher na USP toda e de criação de uma ouvidoria autonomia para fazer um contato direto das vítimas com a diretoria da USP e com a procuradoria de maneira mais isenta.
Efetivamente seguro
Além da proibição de festas, a instituição tem realizado seminários abertos à comunidade para discutir a segurança em seus espaços. No mês de novembro, a SAS (Superintendência de Assistência Social) da universidade divulgou que recebe quatro denúncias de violência cometida contra alunas moradoras do Crusp (Conjunto Residencial da USP), na Cidade Universitária, por ano. Em 12 anos, 49 estudantes mulheres já registraram queixas de agressão.
Em entrevista concedida recentemente ao Jornal da USP, Ana Lúcia Schritzmeyer, superintendente de Prevenção e Proteção Universitária e docente do departamento de antropologia da instituição, afirmou que a universidade está “fazendo o possível para que a curto prazo o campus [Butantã] se torne um lugar efetivamente mais seguro”.
Segundo o Jornal da USP, no novo plano de segurança que vai apresentar para os próximos três anos de gestão de Marco Antonio Zago à frente da reitoria, Ana Lúcia prevê a renovação do corpo de agentes da guarda universitária, atualmente composto por 160 guardas em todos os campi da universidade, sendo apenas quatro deles mulheres.
“Para a professora, o contingente feminino deveria ser aumentado, especialmente levando em conta o primeiro atendimento a eventuais casos de violência sexual contra mulheres”, diz a reportagem.
O futuro novo plano também prevê a instalação de 300 câmeras de vigilância nos campi, cursos de formação para os guardas universitários e a melhoria do diálogo entre a guarda universitária e as polícias civil, militar quanto às ocorrências na Cidade Universitária.
Segundo Ana Lúcia, as soluções para a melhoria da segurança também devem contar com o diálogo entre todos os setores. A professora pontua que uma das questões centrais a serem enfrentadas é a falta de espaços de convivência estudantil para além dos locais de estudos.
— O campus é muito pobre em locais para as pessoas se encontrarem.
Unicamp
As ações foram elaboradas a partir de 25 encontrosrealizados entre docentes, alunos e funcionários da Unicamp / Divulgação |
Na Unicamp, um novo plano de segurança foi divulgado em novembro com base, justamente, no diálogo e na cultura de convivência. Intitulado Programa Campus Tranquilo, o plano tem como base a promoção da segurança na universidade por meio, inclusive, de atividades e eventos culturais.
As ações foram elaboradas a partir de 25 encontros realizados entre docentes, alunos e funcionários e preveem a instalação de uma unidade do Corpo de Bombeiros no campus e a disposição de botões de pânico para que a comunidade acione a vigilância universitária em caso de situação de risco.
Também estão previstos o treinamento e capacitação dos vigilantes, aumento da frota de viaturas de segurança e expansão e melhoria da iluminação de praças e vias. Só no projeto de melhoria da iluminação a universidade irá investir R$ 2,5 milhões. A ideia é usar novas tecnologias de fibras ópticas e lâmpadas de LED. Além disso, o serviço de escolta no período noturno, oferecido a pessoas que precisam se deslocar à pé noite pelo campus, vai atender a mais membros da comunidade.
Algumas medidas já foram implantadas, como a mudança do trajeto do ônibus circular da instituição para deixar os alunos em frente às moradias estudantis; outras, aguardam que parcerias sejam firmadas para entrar em vigor.
Em nota encaminhada ao R7 por meio de assessoria de imprensa, a universidade informa que “a base da proposta é transformar os campi da universidade em espaços tranquilos que permitam que a dinâmica da vida universitária se realize”.
Unesp
O regimento estabelece que o desacato a um membroda comunidade universitária é passível de penas disciplinares como suspensão e desligamentoReprodução/ Site Unesp Assis |
A Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) vem reestruturando as ações para a garantia de segurança em seus campi desde 2010, quando a instituição investiu R$ 92 mil no treinamento de seus agentes de vigilância.
No mesmo período, foi inserido no regimento geral da universidade texto para garantir a tolerância e respeito entre os estudantes. O regimento estabelece que o desacato a um membro da comunidade universitária é passível de penas disciplinares como suspensão e desligamento. Uma resolução de 2005 também estabelece a proibição do uso de bebidas alcoólicas nos campi da instituição.
Segundo Roxael Antonio Castro, presidente do grupo de vigilância eletrônica da universidade, atualmente, cada unidade desenvolve o seu próprio projeto de vigilância e segurança.
O grupo do qual Castro é presidente foi criado em 2011 com a missão de administrar equipamentos (softwares e câmeras) utilizados até hoje como apoio à segurança em toda a universidade.
— Em 2014, o grupo enviou um projeto para a reitoria, para inclusão de um programa no Plano de Desenvolvimento Institucional da universidade, visando a destinação de recursos financeiros permanentes para a segurança pessoal [dos membros da comunidade] e também patrimonial.
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