Goiânia (GO) — 48 horas. Foi o tempo que Luciana Silva Cardoso, 28 anos, levou para esvaziar o guarda-roupas, avisar amigos e familiares da mudança repentina e deixar Samambaia com destino à capital de Goiás. Buscava abrigo na casa dos pais. O motivo: medo. 48 horas. Era o tempo que o Estado tinha para garantir a proteção de Luciana. As ameaças do marido foram registradas no Boletim de Ocorrência nº 6378/2007-0, na 32ª Delegacia de Polícia. Carlos Roberto Santos Lima tentou agredi-la com uma faca. Foi preso em flagrante e solto em seguida, pagando R$ 150 de fiança, no mesmo dia em que Luciana saiu de casa. As medidas protetivas foram negadas porque as autoridades entenderam que a solicitação estava “desprovida de qualquer indício mínimo que possa corroborá-la nesta oportunidade.”
[FOTO2]48 horas. Tempo suficiente para Carlos descobrir o paradeiro de Luciana, ameaçar a cunhada, Lucimar, que também registrou a perseguição no BO nº 6.666/2007, e viajar até Goiânia. Durante uma semana, Carlos rondou a casa dos sogros e torturou a família com telefonemas.
Era domingo de festa. Luciana tinha preparado o bolo de aniversário de seis anos para a filha do meio. Depois do parabéns, todos assistiam televisão. Por volta das 20h, ouviram um barulho. Não deu nem tempo de levantar do sofá para conferir. Carlos arrombou a porta da cozinha e esfaqueou Luciana, que logo caiu no chão. Não parou. As crianças gritavam, e o pai, Benedito Cardoso, tentou jogar uma cadeira no genro. Mas não tinha forças para impedir uma filha de ser morta dentro de casa de novo.
Cinco anos antes, em outro domingo de festa na família, Fernanda, que também tinha feito o bolo — desta vez para o tio — foi esfaqueada pelo marido no banheiro de casa. O casal estava brigado e ela buscava refúgio na casa dos pais. O corpo foi encontrado pela única filha, que levava doces para a mãe. Poucas horas antes de matar Fernanda, Vilmar Cândido pediu dinheiro emprestado para Benedito. Com isso, bancou sua fuga para o Pará. “A gente segura na mão de Deus para suportar toda essa dor de novo. Não deu tempo nem de cicatrizar”, diz Onofra Silva, mãe das meninas. “Na primeira hora você não acredita que vai viver tudo outra vez . Tem mesmo que ter muita fé”, completa o pai.
O casal ainda enfrentou a ira do genro Carlos Roberto, que mandava recados dizendo que iria matar toda a família, inclusive suas três filhas. Passaram a dormir na casa do advogado da família, de parentes. Mudaram-se de cidade. O tormento só acabou com a prisão dele, às vésperas do Natal daquele ano. Vilmar também foi preso pouco tempo depois. “Não sabemos como vai ser quando eles saírem. Temos a Justiça divina, mas a dos homens também precisa funcionar”, afirma Onofra, recordando que uma das filhas pediu ajuda às autoridades. “Ela não ficou calada. Só não foi ouvida.”
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, transformou-se num marco na luta contra a violência doméstica no país. A legislação, no entanto, não trata dos homicídios. Tem como objetivo garantir a proteção das mulheres e evitar, ainda que de uma forma indireta, as mortes. As medidas protetivas fazem parte desse pacote, mas ao redor do Brasil casos como o de Luciana se repetem. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos, foi assassinada pelo ex-marido, no início do ano passado, em Belo Horizonte. As imagens das câmaras de segurança flagraram a ação. Fábio Willian apontou a arma para ela e atirou sete vezes. Ela já tinha feito pelo menos oito boletins de ocorrência contra ele.
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília Lia Zanotta Machado diz que o Brasil se diferencia de outros países nos assassinatos femininos porque os algozes são muitas vezes da própria família. “As relações violentas masculinas contra mulheres se dão em torno do controle, do poder e dos ciúmes. Os atos tendem a ser de violência cotidiana e crônica física, psíquica. Podem e desencadeiam em morte”, explica Lia, em seu livro Feminismo em Movimento. Desde ontem, o Correio mostra na série de reportagens “Fácil de Matar” o fenômeno do femicídio: assassinatos em que as vítimas são escolhidas pelo gênero.
Na última década, o aumento médio de homicídios de mulheres foi de aproximadamente 30%. No entanto, esses crimes não têm uma política específica, como as agressões. Não são nem registrados em delegacias especializadas. Depois da morte consumada, o caso é tratado como qualquer outra morte. E nas varas e juizados de violência doméstica, menos de um terço dos 331.796 procedimentos envolvendo a matéria já tiveram sentença. Os dados são do último balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
[FOTO2]48 horas. Tempo suficiente para Carlos descobrir o paradeiro de Luciana, ameaçar a cunhada, Lucimar, que também registrou a perseguição no BO nº 6.666/2007, e viajar até Goiânia. Durante uma semana, Carlos rondou a casa dos sogros e torturou a família com telefonemas.
Era domingo de festa. Luciana tinha preparado o bolo de aniversário de seis anos para a filha do meio. Depois do parabéns, todos assistiam televisão. Por volta das 20h, ouviram um barulho. Não deu nem tempo de levantar do sofá para conferir. Carlos arrombou a porta da cozinha e esfaqueou Luciana, que logo caiu no chão. Não parou. As crianças gritavam, e o pai, Benedito Cardoso, tentou jogar uma cadeira no genro. Mas não tinha forças para impedir uma filha de ser morta dentro de casa de novo.
Cinco anos antes, em outro domingo de festa na família, Fernanda, que também tinha feito o bolo — desta vez para o tio — foi esfaqueada pelo marido no banheiro de casa. O casal estava brigado e ela buscava refúgio na casa dos pais. O corpo foi encontrado pela única filha, que levava doces para a mãe. Poucas horas antes de matar Fernanda, Vilmar Cândido pediu dinheiro emprestado para Benedito. Com isso, bancou sua fuga para o Pará. “A gente segura na mão de Deus para suportar toda essa dor de novo. Não deu tempo nem de cicatrizar”, diz Onofra Silva, mãe das meninas. “Na primeira hora você não acredita que vai viver tudo outra vez . Tem mesmo que ter muita fé”, completa o pai.
O casal ainda enfrentou a ira do genro Carlos Roberto, que mandava recados dizendo que iria matar toda a família, inclusive suas três filhas. Passaram a dormir na casa do advogado da família, de parentes. Mudaram-se de cidade. O tormento só acabou com a prisão dele, às vésperas do Natal daquele ano. Vilmar também foi preso pouco tempo depois. “Não sabemos como vai ser quando eles saírem. Temos a Justiça divina, mas a dos homens também precisa funcionar”, afirma Onofra, recordando que uma das filhas pediu ajuda às autoridades. “Ela não ficou calada. Só não foi ouvida.”
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, transformou-se num marco na luta contra a violência doméstica no país. A legislação, no entanto, não trata dos homicídios. Tem como objetivo garantir a proteção das mulheres e evitar, ainda que de uma forma indireta, as mortes. As medidas protetivas fazem parte desse pacote, mas ao redor do Brasil casos como o de Luciana se repetem. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos, foi assassinada pelo ex-marido, no início do ano passado, em Belo Horizonte. As imagens das câmaras de segurança flagraram a ação. Fábio Willian apontou a arma para ela e atirou sete vezes. Ela já tinha feito pelo menos oito boletins de ocorrência contra ele.
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília Lia Zanotta Machado diz que o Brasil se diferencia de outros países nos assassinatos femininos porque os algozes são muitas vezes da própria família. “As relações violentas masculinas contra mulheres se dão em torno do controle, do poder e dos ciúmes. Os atos tendem a ser de violência cotidiana e crônica física, psíquica. Podem e desencadeiam em morte”, explica Lia, em seu livro Feminismo em Movimento. Desde ontem, o Correio mostra na série de reportagens “Fácil de Matar” o fenômeno do femicídio: assassinatos em que as vítimas são escolhidas pelo gênero.
Na última década, o aumento médio de homicídios de mulheres foi de aproximadamente 30%. No entanto, esses crimes não têm uma política específica, como as agressões. Não são nem registrados em delegacias especializadas. Depois da morte consumada, o caso é tratado como qualquer outra morte. E nas varas e juizados de violência doméstica, menos de um terço dos 331.796 procedimentos envolvendo a matéria já tiveram sentença. Os dados são do último balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário