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terça-feira, 31 de maio de 2016

‘Ao se culpar a vítima, revela-se que homens e mulheres não têm direitos iguais’

Para a especialista de gênero Heloísa Buarque de Almeida, caso de estupro coletivo da adolescente no Rio exige que se discuta e combata a cultura de violência contra a mulher no país

28 maio, 2016 por Tatiana Merlino

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A antropóloga e estudiosa de gênero Heloísa Buarque de Almeida. Foto: Divulgação

O estupro da adolescente de 16 anos, no Rio de Janeiro, cometido por mais de 30 homens, “exige que a gente reflita e  lute por mais justiça e mudanças sociais”, defende Heloísa Buarque de Almeida, professora de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e que integra a Rede Não Cala- USP. Em entrevista à Ponte Jornalismo, ela explica que a violência sexual é muito comum no Brasil “e que ela acontece de modo mais corriqueiro do que a brutalidade e o horror desse caso”. Leia a entrevista a seguir.

Ponte Jornalismo: O que o recente caso de estupro da jovem por mais de 30 homens indica sobre a questão da violência contra a mulher no país?

Heloísa Buarque de Almeida: Este caso exige que a gente reflita e  lute por mais justiça e mudanças sociais. E que é urgente e preciso falar de gênero, pois falar de gênero é falar desse tipo de violência também. Só teremos políticas de prevenção e de mudança social se pudermos falar nisso. É preciso saber que violência sexual é muito comum no Brasil, e que ela acontece de modo mais corriqueiro do que a brutalidade e o horror desse caso. Calcula-se que apenas 10% dos casos sejam denunciados, porque na maior parte das vezes o agressor é conhecido da vítima – como esse “ex-namorado”.  Pode ser amigo, parente, companheiro, ex-, colegas de faculdade, de escola… A grande maioria das vítimas é mulher, mas homens são feminilizados e atacados também. (veja dados sobre isso na pesquisa Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O caso dessa menina agora mostra como vivemos numa sociedade machista:  um homem se vê no direito legítimo e “engraçado” de se vingar e controlar o corpo de alguém pela violência e pela brutalidade. Isso não é sexo, é violência, é tortura! Não vi as imagens, não preciso ver porque há relatos suficientes e não devemos compartilhar e vitimizar ainda mais essa menina. O caso mostra outros efeitos corriqueiros: na sua circulação, muita gente culpou a menina ou a sua família, ao invés de ver nos agressores os culpados. Ataca-se a moralidade sexual dela, seu comportamento pregresso, por exemplo. Mas os agressores são culpados de um crime hediondo que eles filmaram e divulgaram. Não devemos divulgar nem repassar esse vídeo, e é preciso punir os agressores e de modo exemplar. Violência sexual, estupro, abusos não podem ser piada.

‘O caso dessa menina agora mostra como vivemos numa sociedade machista:  um homem se vê no direito legítimo e “engraçado” de se vingar e controlar o corpo de alguém pela violência e pela brutalidade. Isso não é sexo, é violência, é tortura!’

Muitos dos casos mais comuns desse tipo de violência, sem esse requintes de crueldade desse caso, como a brutalidade do estupro coletivo, não são denunciados porque as vítimas se sentem culpadas e sabem que a sociedade tenderá a culpabilizá-las: assim, policiais, parentes, profissionais do Direito muitas vezes perguntam à vítima onde ela estava, que roupa vestia, porque saiu com aquelas pessoas, se estava bêbada – buscando no comportamento da vítima a “causa” do crime, como se os agressores fossem apenas homens incapazes de controlar seu desejo sexual diante de alguém que está de algum modo “disponível”.

O Brasil é um dos países que mais mata mulheres, ainda temos muitas desigualdades. Quando se julga a vítima do estupro como se ela fosse culpada, revela-se que nossa sociedade não vê homens e mulheres com os mesmos direitos; as mulheres não poderiam escolher com quem e quando querem fazer sexo.

O que a divulgação das fotos e vídeo indicam sobre essa cultura do estupro no país?

Há muitas cenas na mídia que naturalizam a violência contra a mulher, há letras de canções que descrevem estupro e que são tratadas como se fossem “engraçadas”, humorísticas. Houve, por exemplo, o caso da campanha da Skol no carnaval do ano passado, em que o outdoor promovia que não se respeitasse o “não” dito por um mulher.

Cultura do estupro pode ser essa naturalização de que uma mulher diz não, mas no fundo ela quer dizer sim; de que o homem tem que ser um predador sexual, aproveitar todas as chances, mesmo que uma mulher esteja desacordada, dopada, como nesse caso; de que toda mulher é um objeto sexual do qual se pode “aproveitar”. Cultura do estupro é a frase do deputado Jair Bolsonaro ao dizer que a deputada Maria do Rosário não “merecia nem ser estuprada”, como se o estupro fosse sexo consensual, como se fosse um elogio.

A divulgação das imagens geraram reações nas redes sociais. Entre as diversas reações, havia parte dos comentários culpabilizando a vítima e parte os taxando como loucos, psicopatas, monstros. O que se pode dizer sobre tais leituras do ocorrido?

Além do que disse anteriormente, acho que vale lembrar: o estuprador pode ser um homem comum, que trabalha, e tem uma vida aparentemente normal.

‘Quando dizemos a um menino pequeno que ele não pode chorar, mas que ele pode bater no colega que o incomoda, por exemplo, ensinamos os rapazes a expressar seus sentimentos através da violência, batendo, mas não através do choro, da expressão da dor. Essa socialização masculina que favorece a violência precisa ser revista’.

Como se pode combater a cultura do estupro no país?

É preciso ter locais de atendimento melhores, que protejam as vítimas. Esse atendimento tem que incluir o protocolo após estupro, com pílula do dia seguinte, remédios contra doenças sexualmente transmissíveis etc. É preciso punir os culpados e de modo exemplar. Um deputado não pode promover o estupro. É preciso falar sobre o tema, sobre gênero e sexualidade na escola, educando nossos meninos a não serem violentos e a não naturalizarem nem a violência, nem o abuso sexual como índices de masculinidade. Quando dizemos a um menino pequeno que ele não pode chorar, mas que ele pode bater no colega que o incomoda, por exemplo, ensinamos os rapazes a expressar seus sentimentos através da violência, batendo, mas não através do choro, da expressão da dor. Essa socialização masculina que favorece a violência precisa ser revista. Por isso, precisamos falar sobre gênero na escola, mostrando que há outros modos de ser homem.

No mesmo dia em que o caso foi divulgado, o ator Alexandre Frota, que assumiu em rede nacional ter estuprado uma mulher, foi recebido pelo ministro da Educação do governo interino. Dá para se fazer uma relação entre os dois episódios?

Trata-se de uma terrível correlação: ele declarou, rindo e fazendo piada, que havia estuprado uma mãe de santo. O entrevistador e o público acharam graça, sem se dar conta de que aquele ato é um crime e um tipo de violência muito grave. Mas ele está solto, comportando-se como se fosse um ator político muito importante, mas além de estuprador, o que ele conhece sobre educação?! Isso é muito grave também porque uma forma de prevenir esse tipo de violência é falar do assunto, explicar, mostrar o que é violência. O que um ator que afirma que violência sexual é uma piada pode ensinar? Ele “ensinou a estuprar” na TV aberta. É parte dessa cultura do estupro. E por que o ministro da Educação abre espaço para ele e não para os estudiosos sobre educação no país? Assim, temos que discutir gênero na escola, ou seja, temos que falar sobre as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, sobre a violência contra pessoas LGBT. A violência doméstica ainda tem níveis gravíssimos no país, este é um dos países que mais mata mulheres e pessoas trans no mundo.

Temos leis duras para essa violência, é preciso que a lei seja efetiva e que a polícia e a Justiça leve isso a sério, é preciso que o sistema policial e jurídico também incorpore as leis novas, que as aplique efetivamente. As pesquisas mostram que por vezes os casos chegam à Justiça, mas a justiça não é aplicada, como o caso recente do juiz que absolveu um homem que estuprou a própria neta! Ainda hoje muitas vezes as e os policiais, assim como o sistema judiciário, tratam a vítima como se ela fosse culpada. Ainda mais: temos uma polícia violenta, temos casos de PMs acusados de serem estupradores em diversos contextos, inclusive tivemos casos de universitárias estupradas por policiais.

‘A violência doméstica ainda tem níveis gravíssimos no país, este é um dos países que mais mata mulheres e pessoas trans no mundo.’

Há projetos de lei em tramitação que criminalizam a discussão sobre desigualdade de gênero nas escolas. Também há o PL 6055/2013, do pastor Marco Feliciano, que pretende revogar a lei 12.845/2013 que dispõe sobre o atendimento da mulher vítima de violência sexual na rede do SUS. Tais projetos contribuem para a perpetuação da cultura do estupro?

O Brasil tem um legislação bem atrasada quanto a direitos sexuais e reprodutivos. O aborto só é permitido em poucos casos, como no caso da gravidez decorrente do estupro. O que esses projetos de lei, como o “Estatuto do Nascituro”, propõem é diminuir as chances de que meninas como essa, se engravidarem depois dessa violência, terão de fazer um aborto seguro. Porque é preciso dizer que a proibição não diminui os casos de aborto, bem ao contrário – quando o aborto é legalizado, sua incidência social diminui, como mostram inúmeras pesquisas, e o caso do Uruguai reitera. Se o aborto após estupro for mais dificultado ou inviabilizado no Brasil, teremos mais casos de mortes de mulheres por buscarem abortos inseguros. Assim, esse tipo de lei é contra a vida das mulheres. E vitimiza ainda mais e aumenta a violência contra mulheres e meninas que já foram vítimas do abuso.

De acordo com pesquisas, mulheres negras são as maiores vítimas de violência sexual. Como se explica essa realidade?

Negras e jovens. Há uma cultura de hiper-sexualização das mulheres negras no Brasil, naturalizada na figura da “mulata sensual”, como a “mulata Globeleza”, por exemplo. Nesses casos, vemos a intersecção entre desigualdades de gênero e de raça, e também pode ser que de classe social.

A cultura do estupro está relacionada a um determinado grupo/realidade socioeconômica?

Esse tipo de violência atinge todas as camadas sociais, e agressores estão em todos os estratos sociais – veja-se o caso dos estupros nas faculdades de Medicina, em que as vítimas eram colegas.

Irã inaugura primeiro parlamento da história com mais mulheres que clérigos


Legislatura é marcada pela presença reforçada de deputados reformistas, que formam o parlamento mais 'liberal' do país em mais de uma década
O parlamento iraniano inaugurou neste sábado (28/05) sua décima legislatura, a primeira com mais mulheres que clérigos desde o triunfo da Revolução Islâmica em 1979 e marcada pela presença reforçada de deputados reformistas que arrebataram o domínio da câmara dos conservadores "principalistas".
Agência Efe
No total 18 mulheres, todas reformistas, entraram na câmara do Irã como deputadas neste sábado 

Em cerimônia que contou com uma inusitada presença da imprensa internacional, os deputados que venceram as eleições de 26 de fevereiro e o segundo turno disputado em 29 abril assumiram suas cadeiras e formaram o parlamento iraniano mais "liberal" em mais de uma década.
Com 121 deputados, a lista de reformistas e moderados que expressaram nas eleições apoio às políticas de abertura ao mundo, reforma econômica e melhora das relações com Ocidente do presidente Hassan Rohani, é a força majoritária na câmara.
Os reformistas, que na passada legislatura tinham apenas nove cadeiras e que cimentaram seu triunfo com um êxito absoluto em Teerã, a maior circunscrição e mais disputada do país, onde obtiveram todas as cadeiras em disputa, arrebataram o domínio que os "principalistas" mantiveram na câmara nas duas últimas legislaturas.
Estes perderam quase uma centena de cadeiras até ficar em 83 deputados agora, entre os quais encontram-se, além disso, os menos radicais de entre suas fileiras, enquanto o resto dos 290 legisladores da câmara são de listas independentes de muito variadas tendências.
No total 18 mulheres, todas reformistas, entraram na câmara como deputadas, o maior número na história parlamentar iraniana, enquanto apenas 16 clérigos xiitas, frente aos 27 do parlamento saliente, foram escolhidos deputados nesta legislatura.
Esta simbólica mudança ficou prejudicada pelas tentativas dos setores conservadores de anular a eleição de uma das legisladoras devido à publicação de fotos suas sem véu durante uma viagem ao exterior do país, caso cuja resolução definitiva ainda está pendente.
A abertura desta legislatura implica, além disso, que os setores reformistas e moderados dominam os dois únicos poderes do Estado iraniano (Executivo e Legislativo) que são escolhidos democraticamente pelo povo.
Precisamente, a nova câmara foi inaugurada em presença de Rohani, que a partir de agora contará com um parlamento mais afim a seus interesses e do qual espera que não torpedeará suas tentativas de reforma, particularmente no âmbito econômico.
Agência Efe
Com 121 deputados, a lista de reformistas e moderados é a força majoritária na câmara iraniana

Em seu discurso à câmara, Rohani lembrou que os deputados são os depositários da "soberania popular" e têm o mandato da nação "para legislar dentro dos princípios islâmicos e dos interesses nacionais".
Assim, lembrou que o Irã "necessita investimento para obter crescimento econômico" e apontou que nenhum país pode crescer "a menos que tenha boa interação com o mundo".

Seminário "Cultura e Juventude Negra" no Consórcio Intermunicipal - 31/05


A mulher brasileira e a arte no decorrer da história

Evento entre 6 e 8 de junho, na Unibes Cultural, discutirá a presença feminina na escultura, na literatura e na educação

por Redação — publicado 30/05/2016
Divulgação
Carolina de Jesus
A escritora afro-brasileira Carolina de Jesus é um personagem simbólico a exercer a cidadania
Em meio às restrições sociais, a vontade de independência. No decorrer da história, desde o império, as mulheres brasileiras lutaram para obter visibilidade pela arte, literatura e educação. O seminário A Presença Feminina na História Brasileira, com entrada gratuita, entre os dias 6 e 8 de junho no Unibes Cultural, em São Paulo, discutirá de que maneira as mulheres fizeram valer sua presença artística, à frente das iniciativas de formação cultural.
A escritora Carolina de Jesus, estudada pela professora Elena Pajaro Peres, pós-doutoranda do Instituto de Estudos Brasileiros, é um personagem simbólico a exercer a cidadania. Escritora afro-brasileira, moradora da favela do Canindé, ela chegou a São Paulo, vinda de Minas Gerais, no final da década de 1930, quando começou a produzir literatura.
A persistência em tentar publicar sua obra só pôde ser comparada ao empenho em criar os três filhos sozinha, catando papel para sobreviver. “Carolina sempre procurou ultrapassar o papel que a sociedade lhe havia reservado”, diz a pesquisadora, que fará um painel sobre seu percurso.
A Presença Feminina na História Brasileira – Arte, Literatura e Educação
Na Unibes Cultural (rua Oscar Freire, 2.500, Metrô Sumaré, tel. 11-3065-4333)
De 6 a 8 de junho, entre 9h e 12h30
Inscrições gratuitas: inscricao@unibescultural.org.br

Desconhecida do público, mas de ação insistente na formação cultural das crianças nas décadas de 1930 e 1940, Lenyra Fraccaroli implantou e dirigiu a primeira biblioteca infanto-juvenil de São Paulo. De maneira inovadora, como analisa a professora e pós-doutoranda da Universidade de São Paulo Patricia Raffaini, permitiu que o espaço se abrisse à projeção de filmes, à realização de jogos e à promoção de palestras com escritores de renome, como Monteiro Lobato e Malba Tahan, além de ter criado um jornal feito pelas crianças, A Voz da Infância, e um grupo teatral, o Timol.
Nos livros Primeiras Estórias e Tutameia: Terceiras Estórias, a infância surge caracterizada de diversas formas, e Guimarães Rosa personifica a mulher em quatro personagens infantis, como relata a professora Camila Rodrigues, pós-doutoranda da USP.
Nas artes visuais brasileiras, uma múltipla artista como Hilde Weber fez a charge de modo singular, em sintonia com o cartoon, como aquelas que realizou sobre Getúlio Vargas, como narra a pesquisadora Andrea de Araujo Nogueira.
Docente do IEB, Ana Paula Cavalcanti Simioni mostra como, ao longo do século XIX, as mulheres foram excluídas do ensinamento artístico pelas academias de arte. No entanto, no Brasil, duas escultoras se sobressaíram, Julieta de França e Nicolina Vaz de Assis.
Naquele século de profundas disparidades sociais, Jean-Baptiste Debret observou a mulher branca escondida em sua residência e a profusão de escravas nas ruas do Rio, como descreverá a doutora Ana Paola Baptista, curadora dos Museus Castro Maya. Sua palestra desvendará ainda os registos escritos deixados pela princesa austríaca Leopoldina, primeira Imperatriz do Brasil.

"A sociedade convoca os olhares para que desejem essas meninas", diz pesquisadora



25/05/2016 Por Isabela Moreira                                                     

Antes de começar a ser problematizada na mídia, a erotização precoce de meninas e adolescentes já era estudada por Jane Felipe de Souza, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2002, ela cunhou o termo "pedofilização", a partir do qual analisa as contradições dentro de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que cria leis para proteger a infância e a adolescência, promove a espetacularização e a sexualização dos corpos infantis.
Conversamos com Souza sobre a problematização da sexualização precoce de meninas e sobre como isso afeta o desenvolvimento delas, tema da nossa edição 299/junho, que está nas bancas. Leia a seguir:

Na sua pesquisa você afirma que existem scripts, ou seja, ideias preconcebidas, do que se espera de um homem e de uma mulher antes mesmo de nascerem. O que compõe o script feminino?
Esses scripts vão mudando de acordo com o tempo histórico. Exemplo: há 100 anos seria inimaginável que as mulheres chegassem a certos postos de trabalho. Até pouco tempo atrás acreditava-se que as mulheres deveriam casar e ter filhos, que não haveria necessidade de que elas trabalhassem e se alfabetizassem. Hoje já não se pensa assim — pelo menos em grande parte da sociedade ocidental as mulheres têm acesso a educação e trabalho. Enquanto isso, também os homem podem, por exemplo, usar bijuterias — coisa que antigamente pertencia apenas ao campo do feminino.
Essas expectativas sociais vão mudando de acordo com o tempo histórico e com a cultura na qual o sujeito está inserido. Ser mulher hoje no Brasil é diferente de ser mulher no Irã ou em algum outro país em que as liberdades femininas não têm tanto apelo. Esses scripts nada mais são do que expectativas que se estabelecem tanto para mulheres quanto para homens — ainda há quem acredite que os homens precisam ser mais agressivos, por exemplo.
O conceito de gênero surge para questionar a ideia de uma essência ou natureza que explique os comportamentos. No fim do século 19, alguns médicos e psicólogos diziam que homens eram mais inteligentes que as mulheres porque seus cérebros eram maiores. É essa necessidade de se pautar em aspectos biológicos para justificar diferenças, as colocando como desigualdade, inferioridade, que o conceito de gênero procura combater. 

Você cunhou o termo pedofilização. O que ele significa?
A pedofilização como prática social contemporânea é um conceito que desenvolvo desde 2002 para tentar mostrar a interessante contradição que existe na nossa sociedade, que ao mesmo tempo em que faz leis para proteger a infância e adolescência, também coloca os corpos infantis dentro da perspectiva de espetacularização desses corpos e da sexualidade.
É como se a sociedade dissesse assim: desejem os corpos femininos infantis
É como se a sociedade dissesse assim: desejem os corpos femininos infantis. Então, como isso se expressa? Por exemplo, a indústria de lingerie tem feito peças infantis que imitam lingeries de mulheres adultas, ou então sutiãs de bojo para bebês. Qual é o sentido disso para meninas tão pequenas?
Esse conceito também se desdobra em mais dois aspectos: um deles é apresentar as meninas de uma forma erotizada em seus gestos, com roupas muito justas, como se fossem mulheres adultas. O outro é se aproveitar desse universo infantil para colocar mulheres adultas em cenários e trajes infantis, alimentando um fetiche.
Em vários ensaios fotográficos as mulheres são colocadas com apetrechos infantis, agarradas em bichinhos de pelúcia, vestindo roupinhas que imitam um uniforme colegial ou adereços que imitam enfeites de menininhas. É colocar a mulher de um jeito infantil — a erotização a partir do viés infantil. É como se esse misto de ingenuidade e sedução fosse evocado para a visão masculina em especial. São esses desdobramentos que eu tenho trabalhado e algumas outras pesquisas também têm sido feitas a partir desse conceito. Eu chamo isso [a pedofilização] de mau-trato emocional, violência emocional para com as meninas e mulheres, porque é como se você dissesse a elas que só valem alguma coisa se seus corpos forem altamente erotizados, se forem corpos para contemplação.
E quando você observa nas redes sociais as coisas que as meninas falam sobre si mesmas e sobre seus corpos, você vê claramente esse conceito em operação. A nossa sociedade está convocando os olhares, em especial os masculinos, para que desejem essas meninas, essas novinhas, essa crianças.

Quais são os efeitos disso nas meninas quando elas ainda estão descobrindo suas próprias sexualidades?
Elas estão sendo o tempo todo convocadas a ter um determinado tipo de padrão corporal, um tipo de comportamento que é extremamente violento
Você observa isso na publicidade, na moda, esse apelo, essa pressão. É importante a gente ver nesses artefatos culturais quais são os chamamentos para essa constituição de uma feminilidade na nossa cultura. Não é à toa que há várias meninas com bulimia, anorexia, uma insatisfação generalizada com seus corpos.
Uma pesquisa mostra que meninas muito jovens insatisfeitas com seus corpos são capazes de enumerar uma série de coisas que não gostam. Isso não é de graça, elas estão sendo o tempo todo convocadas a ter um determinado tipo de padrão corporal, um tipo de comportamento que é extremamente violento, que é um desrespeito com elas. Por outro lado, temos também — e é importante que se diga isso — grupos de meninas que estão se rebelando contra esses ditames da cultura. Muitos grupos feministas, inclusive que atuam fortemente a partir do ciberfeminismo, estão lutando para que essas questões sejam apontadas, discutidas e problematizadas.

Parece ter ocorrido uma mudança na abordagem desse tema ao longo dos últimos meses. As pessoas parecem estar problematizando mais, principalmente por conta das redes sociais.  Você que estuda essa temática há mais de uma década percebe uma mudança efetiva?
Eu tenho visto especialmente do final de 2015 para cá dois momentos fundamentais: o #primeiroassédio, que começou a discutir essas questões, e o #meuprofessorabusador. Esses dois em especial convocam a sociedade a pensar nesses temas. Muitos homens ficaram chocados ao ver os relatos do  #primeiroassédio porque não tinham dimensão do quanto as suas próprias filhas, irmãs e mães passaram por situações extremamente constrangedoras, porque até então a sociedade achava isso normal.
Mas hoje muitos grupos feministas de meninas do ensino médio e das universidades estão discutindo e pautando essas questões. Muitos deles, que se fortaleceram a partir da internet e das redes sociais, têm tido uma importância muito grande para mostrar para a sociedade que essas coisas acontecem e que precisamos discuti-las e mudar as concepções machistas que até então vinham sendo articuladas e aceitas como normais. E hoje pautamos que isso não é normal, é uma violência, um desrespeito e precisa ser discutido. Os homens precisam se educar, as famílias precisam educar seus meninos para que eles sejam mais respeitosos.

Engenheira cria plataforma para organizações sociais

Projeto é voltado a questões de gestão,
processos e desempenhos de sistemas cooperativos



Em tese desenvolvida junto à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, orientada pelo professor Orlando Fontes Lima Junior, Christiane Lima Barbosa, com graduação e mestrado em engenharia civil pela Universidade Federal do Pará (UFPA), estrutura uma proposta de caracterização de uma plataforma logística destinada a organizações sociais ou de economia solidária, como são mais conhecidas no Brasil, que envolvem o sistema cooperativo. Diferentemente das plataformas computacionais, a proposta do trabalho é a utilização de uma plataforma que visa a atender questões de gestão, processos e desempenhos de organizações de cunho social, caso das cooperativas, em geral ligadas a atividades familiares relacionadas ao extrativismo, como pesca, artesanato, manufaturas e produtos diversos do setor agropecuário.
No trabalho que culminaria na “Caracterização de plataforma logística para organizações sociais”, a pesquisadora se propôs a verificar inicialmente como uma plataforma logística pode contribuir para a melhora do desempenho sustentável das organizações sociais de forma a garantir-lhes a permanência no mercado. Mesmo porque essas organizações enfrentam o desafio de orientar suas ações no longo prazo em consonância com os aspectos econômicos, processos e clientes. Para tanto, elas necessitam manter uma evolução contínua em direção ao progresso organizacional quanto às finanças, clientes, procedimentos internos, crescimento, aprendizagem, formação de parcerias e preservação do meio ambiente.
O próprio título do trabalho faz referência a dois aspectos que merecem ser esclarecidos: os logísticos – que envolvem transporte, informação, produção, comercialização e meio ambiente; e o de economia social – um modelo encontrado por pequenas comunidades, menos favorecidas social e economicamente, para promover renda com o intuito de melhorar a qualidade de vida. Essas melhoras consolidam-se através de cooperativas ou associações, públicas ou privadas, que reúnem certo número de cooperados ou associados.
Estudos de casos
Embora já desde o início a pesquisa tivesse o objetivo de caracterizar uma plataforma logística que incluísse critérios ambientais e sociais, segundo a pesquisadora, o start que a ajudou a limitar o escopo da pesquisa e determinou sua orientação surgiu por ocasião de sua participação no Projeto Rondon. Foi a partir do envolvimento nesse trabalho que ela se decidiu pelos estudos de casos prospectivos nas regiões Norte, Nordeste e Sul do Brasil, selecionados por envolverem diversificados segmentos econômicos, apresentarem diferentes níveis de maturidade e estratégias logísticas, mas semelhantes no sistema de gestão em cooperativas, o que lhe permitiria definir uma caracterização de plataforma calcada em observações práticas.
“A participação no Projeto Rondon me ajudou a refinar a abordagem porque senti a necessidade de conhecer como cooperativas ou associações se organizam, que atividades desenvolvem, que tipo de transportes utilizam, como o meio ambiente as influenciam e, tratando-se de atividades familiares, como ocorre a transmissão do conhecimento. Essas observações me levaram a estabelecer o conceito de plataforma logística social, estruturada segundo três grandes vetores: a gestão, o processo e o desempenho”, afirmou a pesquisadora.
Em decorrência do Projeto Rondon, o seu primeiro estudo de caso envolveu a atividade pesqueira artesanal em Apicum-açú, um dos principais polos pesqueiros do Estado do Maranhão. Neste caso, a motivação inicial da pesquisadora foi a de estudar como o transporte e a logística poderiam ajudar os pequenos produtores. Ela realizou, então, um levantamento das principais atividades econômicas da região e suas relações com as questões ambientais e sociais.
Descobriu que os produtos desse centro pesqueiro se destinam principalmente às capitais São Luís, Fortaleza e Belém, em que chegam principalmente por via rodoviária, embora pudessem também ser utilizadas as vias fluviais e marítimas. Os pescadores são financiados por intermediários que estabelecem o preço da compra do pescado e definem o seu valor de venda. Como as distâncias aos centros consumidores são grandes, por deficiência de transporte, parte do produto se deteriora e o descarte compromete o meio ambiente.
O desafio dessa região é a melhoria da produção e do compartilhamento do transporte, a garantia da qualidade do produto, a conscientização de melhores práticas logísticas e de gestão, o desenvolvimento de tecnologias e de novos processos para o beneficiamento do pescado, agregando-lhe valor.
O segundo estudo de caso aborda a produção cerâmica marajoara de Icoaraci, distrito da região metropolitana de Belém do Pará. Como a cooperativa local deixou de existir, cada produtor comercializa por conta própria. Trata-se de outra realidade. Enquanto Apicum-açú possui uma gestão que pode ser melhorada e ampliada com vistas a novos mercados, Icoaraci se ressente de uma infraestrutura viária e de transportes que facilite o acesso das olarias aos centros de comércio regional e, principalmente, da abertura de novos mercados, pois a comercialização é praticamente local.  Há o benefício da proximidade dos insumos minerais (a argila) utilizados na confecção de peças utilitárias em cerâmica e o diferencial do valor agregado, que resulta da criação de peças com design e decorações que refletem a cultura da região.
O terceiro estudo de caso envolveu artesanato e centrou-se em uma das principais cooperativas da cidade de Belém, Pará. Seus artesãos comercializam peças com materiais típicos da Amazônia como bolsas de juta e couro, camisas regionais, brincos, pulseiras e colares de sementes, madeira, fibras, madrepérolas, porta joias, sabonetes, velas perfumadas, sandálias em couro, cerâmicas e os tradicionais cheiros do Pará. Além de cada cooperado oferecer um produto diferente, eles próprios procuram parcerias que os levam até a vender em redes de shoppings. Esses diferenciais abriram novos mercados, ampliaram clientes e rede de colaboradores, contribuindo para o desenvolvimento de cooperados e parceiros.
O quarto estudo foi realizado no município de Carambeí, Paraná, em uma cooperativa agropecuária que atende a produção de milho, soja, feijão e de derivados de bovinos e suínos. O que a caracteriza é o desenvolvimento de sistemas de rodízio de plantios e a produção de derivados de bovinos e suínos com a utilização de significativo aporte técnico lá desenvolvido ou adquirido.
Além de tudo, a preocupação com o meio ambiente levou os cooperados a produzir energia a partir dos substratos gerados e a introduzir insumos como palha e esterco na cadeia produtiva.  A cooperativa dispõe de espaço comum para armazenagem, o que possibilita comercializar os produtos na época do melhor preço. Em comparação com os três casos anteriores, este empreendimento é bem mais sofisticado por compartilhar entre os cooperados técnicas desenvolvidas ou adquiridas, transportes, distribuição e comercialização.
A plataforma
A pesquisadora reuniu essa diversidade de observações e experiências para caracterizar a plataforma logística e social com base na gestão, nas operações e no desempenho. Definidos missões e objetivos, a gestão estabelece os procedimentos de como e aonde se quer chegar com o negócio. As operações envolvem o transporte, armazenagem, movimentação, sistema de troca de informações, equipamentos, materiais, ou seja, tudo que o cooperado precisa para sustentação da produção. O desempenho preocupa-se com a melhora contínua dos processos, de forma a atingir novos mercados, estabelecer novas parcerias, com o menor impacto sobre o meio ambiente.
Os estudos de caso mostram que os elementos logísticos não são devidamente operacionalizados, o que pode retardar o crescimento das organizações consideradas, cujos problemas podem ser resolvidos com a aplicação do conceito de plataforma logística social, que pode favorecer o desenvolvimento de atividades internas ao promover a integração dos pares, agilizar processos e também ampliar mercados.
Com base nesses parâmetros, a pesquisadora faz uma proposta de plataforma logística social que garanta o todo e a participação decisória dos cooperados, de forma que eles se conscientizem da necessidade de atuarem como produtores e gerenciadores de um negócio do qual são coparticipantes desde a produção. Enfatiza a importância do envolvimento de todos os associados nas decisões e a utilização do sistema cooperativo desde a compra das matérias-primas comuns até a comercialização, o que facilita negociações mais vantajosas nos preços dos insumos e na venda dos produtos.
A pesquisadora considera que “a plataforma é no fundo uma proposta de organização, constituindo um conjunto de metodologias, de ações, de procedimentos, de técnicas, de atitudes que devem ser implantadas em um sistema cooperativo com vistas a melhores resultados, destacadas e respeitadas as características particulares de cada uma das associações”.
Para a pesquisadora, a caracterização de plataforma logística social apresentada atinge pequenos produtores, que já conseguem individualmente até vender em mercados internacionais usando apenas a internet, que buscam eles mesmos a matéria-prima na natureza, que têm um diferencial de produto que chama a atenção pela beleza da peça produzida.  É preciso, diz ela, “fazer com que esses pequenos empreendedores consigam agregar cada vez mais valor aos seus produtos, a um custo menor, com vistas a novos mercados, porque dispõem de potencial para tanto, bastando que se organizem cooperativamente de forma mais eficiente. Tivemos também a preocupação com a continuidade do processo, propondo treinamentos cada vez mais contínuos para que o conhecimento de cunho familiar se perpetue. Mesmo porque existem artesãos antigos que nem produzem mais e não se pode permitir que seus conhecimentos e experiências se percam”.
Publicação
Tese: “Caracterização de plataforma logística para organizações sociais”
Autora: Christiane Lima Barbosa
Orientador: Orlando Fontes Lima Junior
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Conselho publica tradução das Regras de Mandela para o tratamento de presos

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ





















O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dará publicidade, no dia 31 de maio, durante a 232ª Sessão Ordinária, à tradução oficial das chamadas Regras de Mandela, preceitos mínimos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o tratamento de presos atualizadas no ano passado pela instituição internacional. O documento oferece balizas para a estruturação dos sistemas penais nos diferentes países e reveem as "Regras Mínimas para o Tratamento de Presos" aprovadas em 1955. As normas vão ao encontro de programas implantados pelo CNJ para melhoria das condições do sistema carcerário e garantia do tratamento digno oferecido às pessoas em situação de privação de liberdade, como os programas Audiência de Custódia e Cidadania nos Presídios.
As Regras de Mandela levam em consideração os instrumentos internacionais vigentes no Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. De acordo com o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz Luís Geraldo Lanfredi, as regras têm caráter programático, e se prestam, primordialmente, a orientar a atuação e influenciar o desenho de novas políticas pelo Poder Judiciário para o sistema carcerário. “A tradução e a publicação das Regras de Mandela conferem instrumental e qualificam o trabalho dos juízes, na medida em que atualizam as orientações das Nações Unidas para os mínimos padrões que devem nortear o tratamento das pessoas presas no país”, diz o juiz Lanfredi.
As regras buscam estabelecer bons princípios e sugerir boas práticas no tratamento de presos e para a gestão prisional, assegurando a dignidade e respeito não só às pessoas privadas de liberdade, como também a seus familiares. O documento está dividido em regras de aplicação geral, direcionadas a toda categoria de presos, e regras aplicáveis a categorias especiais, como presos sentenciados, presos com transtornos mentais ou problemas de saúde, entre outros tipos. Na apresentação da publicação, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, reconhece que as Regras de Mandela podem e devem ser utilizadas como instrumentos a serviço da jurisdição, porque têm aptidão para transformarem o paradigma de encarceramento praticado pela Justiça brasileira.
Sem tortura - Entre as regras de aplicação geral, está previsto que “nenhum preso deverá ser submetido à tortura ou tratamentos cruéis e desumanos”, e que “não haverá discriminação baseada em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra opinião”. O documento também enfatiza a necessidade da separação de presos homens de mulheres, bem como dos jovens de adultos.
Em relação às acomodações dos presos, as Regras de Mandela estabelecem que todos os ambientes de uso dos presos, inclusive as celas, devem satisfazer exigências de higiene e saúde, levando-se em conta as condições climáticas, a iluminação e a ventilação. Há previsão também em relação ao vestuário, roupas de cama, alimentação, exercício e esporte, bem como serviços de saúde que deverão estar à disposição dos presos.
Revistas íntimas – As regras deixam claro que revistas íntimas e inspeções não serão utilizadas para assediar, intimidar ou invadir desnecessariamente a privacidade do preso. As revistas das partes íntimas de pessoas serão conduzidas apenas por profissionais de saúde qualificados. Onde forem permitidas visitas conjugais, as Regras de Mandela estabelecem que este direito deverá ser garantido sem discriminação, e as mulheres presas exercerão este direito nas mesmas bases que os homens.
De acordo com as novas regras, os instrumentos de restrição, como é o caso das algemas, não devem ser utilizados em mulheres em trabalho de parto, nem durante nem imediatamente após o parto. Em relação aos presos com transtorno mental ou problemas de saúde, o documento prevê que os indivíduos considerados inimputáveis, ou que posteriormente forem diagnosticados com deficiência mental ou problemas de saúde severos, não devem ser detidos em unidades prisionais, a eles reservando-se instituições para doentes mentais assim que possível. As regras estabelecem, ainda, que os serviços de saúde das instituições penais devem proporcionar tratamento psiquiátrico a todos os outros prisioneiros que necessitarem.
Atuação do CNJ – Três programas específicos do CNJ se destacam pelo esforço e aposta na melhoria das condições das unidades prisionais e tratamento digno às pessoas presas. O Audiências de Custódia, em fase de expansão em todo o país, garante a apresentação de presos em flagrante ou por mandado de prisão à autoridade judicial competente, em até 24 horas. Entre outros encaminhamentos, a entrevista pessoal entre juiz e a pessoa presa em flagrante permite detectar situações de vulnerabilidade social, drogadição, alcoolismo, além de contribuir para a redução da reincidência criminal. 
O Cidadania nos Presídios, em experiência-piloto no Espírito Santo, propõe um olhar mais humano, sobretudo, para os recém-egressos do sistema. Além de alterar as rotinas das varas de execução penal e qualificar a “porta de saída dos estabelecimentos prisionais”, o investimento do programa é no fortalecimento da rede público-privada de instituições, visando a otimizar as opções para a criação de oportunidades e qualificação pessoal daqueles que passaram pelo sistema de Justiça.
Já o PAISA será a terceira aposta do CNJ para modificar o cenário do sistema prisional brasileiro. Com seu lançamento programado para o mês de junho, o objetivo do programa é investir em melhores condições de saúde para o contingente carcerário, alcançando-se, assim, um melhor padrão de ambiência prisional junto às carceragens em todo país.
Situação do Brasil – Segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), publicado neste ano, o retrato do encarceramento no país, em dezembro de 2014, mostra que o Brasil mantém sob custódia mais de 620 mil pessoas, 41% delas ainda sem condenação definitiva. No período de 1990 a 2014, o aumento da população prisional foi de 575%, algo que, sensivelmente, colaborou para agravar o problema da superlotação nos presídios brasileiros.

CNJ Serviço: Saiba como funcionam as regras para guarda dos filhos

30/05/2016

Em dezembro do ano passado, a Lei 13.058, de 2014, passou a determinar que a guarda compartilhada deve ser vista como uma regra nos casos em que há a dissolução do vínculo entre o pai e a mãe da criança. A guarda compartilhada determina que o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai, considerando sempre a forma mais interessante e adequada para os filhos. Ela deve ser estabelecida independentemente de haver acordo entre os pais da criança e da forma como se deu a separação – amigável ou não -, a menos que o magistrado verifique que um dos genitores não possui condições de zelar pela tutela do filho ou que um deles abra mão da guarda.

A lei da guarda compartilhada estabelece que os pais devem decidir em conjunto todas as questões atinentes à vida dos filhos, como a criação e formação escolar, as viagens ao exterior e mudanças de residência. Não é a mesma coisa que a convivência alternada, em que a criança mora um tempo com o pai e outro com a mãe, regime criticado por muitos psicólogos que acreditam que o fato de a criança não ter residência física afeta seu amadurecimento e cria um estado de confusão em sua vida, impedindo a noção de raízes. Na guarda compartilhada, a criança possui residência fixa, determinada pelo juiz, e o genitor que não possui a custódia física exerce o seu direito de convivência, que pode ser estabelecido, por exemplo, em dois dias na semana, aos fins de semana ou de quinze em quinze dias. Cabe ao outro genitor respeitar esse direito, ainda que os pais não mantenham contato.

Perda ou suspensão da guarda – As hipóteses legais para a perda da guarda da criança e destituição do poder familiar – chamado anteriormente de poder pátrio -, estão descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil. De acordo com o ECA, a perda da guarda ou suspensão da mesma pode ser decretada judicialmente em caso de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações do artigo 22 do estatuto, que determina as obrigações dos pais perante os filhos. Segundo esse artigo, cabe aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, e a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. 

O ECA também estabelece que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. Além disso, também não perde a guarda dos filhos, em caso de condenação criminal do pai ou da mãe, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha.  

Abuso de autoridade – De acordo com o Código Civil, a perda ou a suspensão da guarda familiar pode se dar caso os pais abusem de sua autoridade, faltem com os deveres a eles inerentes, arruínem os bens dos filhos, castiguem imoderadamente, abandonem o filho, pratiquem atos contrários à moral e aos bons costumes, incidam reiteradamente em atos lesivos aos interesses dos filhos, ou ainda sejam condenados a mais de dois anos de prisão por sentença irrecorrível. Como as hipóteses são genéricas, a análise se dá caso a caso durante o processo judicial, proposto geralmente por um parente interessado ou pelo Ministério Público, ao constatar uma atitude nociva aos direitos das crianças e dos adolescentes. O processo judicial de perda ou suspensão da guarda se dá mediante o direito de defesa da mãe ou pai, que podem contar com um advogado.

Na perda e suspensão da guarda e destituição de poder familiar, a mãe ou o pai podem visitar o filho em outro lar, ou em um abrigo. Na destituição, é cortado o vínculo com os pais, devendo, o filho, ser encaminhado para família substituta, por via de adoção. A perda do poder familiar pode ocorrer pela morte dos pais, pela emancipação, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial.

Recuperando o desenvolvimento: o uso de políticas sociais para criar mais e melhores empregos

Um novo relatório apresentado pela ActionAid analisa como a industrialização pode levar a criação de mais e melhores empregos. O documento é lançado em um período crucial, quando setores de políticas em todo o mundo estão começando a perceber, mais uma vez, a necessidade de políticas industriais focadas na geração de empregos de boa qualidade. Essa mudança é de extrema necessidade, uma vez que o foco da política tinha sido perdido por quase uma geração, em detrimento de projetos de desenvolvimento em muitos países.

Por volta da década de 80, os economistas pararam de falar sobre economia desenvolvimentista, o processo estrutural de transformação que gera valor e ajuda a ampliar oportunidades de força de trabalho de atividades de baixa remuneração. Em vez disso, o foco foi a “redução da pobreza”, que por sua vez foi baseado numa visão muito limitada do que é pobreza e como ela é gerada. Em tais discussões, geralmente não é sugerida nenhuma ligação entre o enriquecimento de uns e o empobrecimento de outros, como se os ricos e as pessoas em situação de pobreza de alguma forma habitem diferentes mundos sociais sem interdependência econômica.
Mas sabemos que os processos de criação de riquezas e empobrecimento podem estar intimamente relacionados. Para citar apenas um exemplo, uma parte significativa do crescimento econômico vivido na Índia está relacionada à capacidade dos ricos e poderosos de tirarem proveito da desigualdade de gênero, do sistema de castas e da discriminação étnica para remunerar trabalhadores com salários muito baixos e explorar os recursos naturais das terras das pessoas que não tem voz ativa, removendo-as de suas terras e as privando de suas fontes de subsistência.
Esses silêncios permitem uma visão bastante bidimensional (dicotômica) das populações em situação de pobreza, pois se por um lado lhes confere dignidade de tratamento como indivíduos com poder de decisão independente, também faz crer aparentemente que habitam um mundo em que a pobreza não está relacionada a um contexto social, político e econômico mais amplo e é mais um resultado de suas próprias circunstâncias particulares e seus próprios julgamentos, muitas vezes falhos.
Essa visão despedaçada que olha para a pobreza de forma isolada a partir de processos econômicos mais amplos é particularmente evidente no abandono da dimensão internacional em tais análises. Existem muitas maneiras em que as regras e processos econômicos globais afetam a capacidade dos Estados em países subdesenvolvidos para tentar a diversificação econômica e cumprimentos dos direitos sociais e econômicos de seus cidadãos.
Infelizmente, isso ainda não é reconhecido adequadamente no discurso global. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, recentemente adotados, reconhecem a importância da diversidade econômica e da criação de emprego, mas seu completo silêncio em relação as formas de organização internacional impedem que os países alcancem essas metas.
Então, este é o momento para pensar em alternativas. Os governos precisam gerar maior poder de negociação frente aos investidores e insistir em manter o valor agregado dentro de suas economias. Eles precisam agir em solidariedade com os outros, desenvolvendo acordos regionais para impor salários mínimos e garantir direitos aos trabalhadores, para que os investidores não possam dizer simplesmente que passarão seu capital para o próximo país se tais disposições forem aplicadas.
No relatório, a  ActionAid têm proporcionado uma visão rica, abrangente e extremamente acessível aos debates sobre a transformação económica. Talvez, mais importante, ele comece a preencher uma lacuna no pensamento e na prática sobre como fazer isso de uma maneira que respeite os direitos humanos e crie empregos decentes e dignos, e estimule uma animada discussão sobre os modelos de desenvolvimento que realmente queremos ver no futuro.
Leia o sumário e recomendações do relatório em português aqui.Leia o relatório completo em inglês aqui
Action Aid

Curso de Design de Sobrancelhas no SOS Ação Mulher e Família

Mais uma turma do curso de Design de Sobrancelhas no SOS Ação Mulher e Família, ministrado pela professora Marta Regina da Costa Freire.

O Centro de Beleza e Moda (CBM) oferece cursos profissionalizantes com o objetivo de:

  • Proporcionar meios de geração de renda;
  • Facilitar a inserção no mercado de trabalho;
  • Fortalecer a autoestima;
  • Favorecer a libertação de relações de violência;
  • Favorecer o exercício da cidadania e participação social;
  • Orientar sobre questões de violência.


CURSOS OFERECIDOS

  • Cabeleireira
  • Depilação
  • Design de Sobrancelhas
  • Maquiagem
  • Estética Facial e Corporal
Rua Dr. Quirino, 1856 - Centro - Campinas/SP. Mais informações: (19) 3232.1544 / 3234.2272.









Assédio sexual: como denunciar e se defender legalmente

É possível processar o agressor por essa violência
por Marina Lopes

Muitas são as violências sexuais sofridas diariamente por uma mulher, principalmente no transporte público: mão boba no bumbum, encochamento, agressões verbais. De acordo com uma pesquisa feita pelo IPEA em 2014, 65% das pessoas acredita que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Diante de tantas situações absurdas, o que uma mulher pode fazer para se defender?

O que é estupro?

De acordo com a delegada de polícia e professora de criminologia Mônica Gamboa, estupro só corresponde ao ato sexual de fato. “É considerado estupro toda conjunção carnal sem consentimento. Essa violência física é classificada como um crime contra os costumes e a dignidade sexual, é um crime hediondo”, explica.
Nos termos da lei: “Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Isso significa uma coação mediante violência física. Quando um homem fricciona suas partes íntimas contra uma mulher dentro do ônibus está cometendo um assédio sexual, mas não um estupro.

Importunação ofensiva ao pudor

Todo tipo de abuso que não resulta em ato sexual mediante uso da força é classificado como importunação ofensiva ao pudor. “A lei brasileira é 8 ou 80. Ou o cidadão é enquadrado em uma conduta de estupro ou é acusado de importunação ofensiva ao pudor. Essa é considerada apenas uma contravenção penal, um crime anão”, afirma a delegada. A punição é branda e prevê apenas pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.
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Assédio moral

Entre os crimes de menor grau, está o assédio moral, normalmente praticado por pessoas conhecidas da vítima, como o chefe da empresa. “Quando um superior tenta passar uma cantada em uma funcionária e ela não aceita, pode começar uma tortura psicológica. Quanto mais ela resiste, mas ele insiste. Se ele passar a difamar, caluniar ou injuriar a moça, entra em um enquadramento mais rigoroso: é um crime contra a honra”, explica a delegada.  Apesar de este crime ser legalmente mais grave, as penas são ínfimas, em geral afiançáveis.

Como denunciar o assédio sexual

Para que o agressor seja julgado por uma contravenção penal, como o assédio sexual, o processo é longo. Primeiro a vítima deve fazer uma denúncia em uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência. Depois, precisa representar contra o agressor, ou seja, abrir um processo contra o homem que a agrediu. Apenas após manifestar esse desejo, a lei pode agir em favor dela. Segundo a delegada, o maior problema é que essa etapa é deixada para trás.
Agressão doméstica é um dos crimes mais subnotificados. Crédito: Thinkstock
Agressão doméstica é um dos crimes mais subnotificados. Crédito: Thinkstock
“A grande maioria dos crimes dessa natureza são subnotificados e entram nas chamadas cifras negras. Esse número se refere à porcentagem de crimes não solucionados ou punidos, o que prejudica as estatísticas. As mulheres não seguem com a denúncia até o final e então a polícia não tem como tomar providências necessárias”, afirma.
De acordo com Monica, as vítimas de agressão doméstica são as que mais se encaixam nessa cifra negra. Elas chegam a fazer a denúncia contra o parceiro, mas não levam o caso até o final. Muitas se arrependem, outras têm medo de sofrer represálias. Em outras situações, a vítima desiste no meio do processo, que pode, de fato, ser longo.

Assédio no transporte público

Toda mulher que tiver o seu corpo tocado por desconhecidos deve fazer uma denúncia. O primeiro passo, segundo a delegada, é dar um dar um grito de advertência para que as pessoas ao redor percebam o que está acontecendo e intercedam em favor dela. “Esses cidadãos também podem servir de testemunhas na delegacia. Além disso, é importante que a mulher reúna o máximo de informações sobre o agressor para ajudar na identificação: um sinal físico, roupa específica ou tatuagem”, afirma Monica.
Logo após, a mulher deve procurar um agente de segurança do metrô ou policial, ou se encaminhar diretamente para a delegacia. “Na delegacia ela deve se manter firme no proposito de processar o criminoso, autorizar uma representação e fazer o reconhecimento fotográfico ou visual. Após o boletim de ocorrência, a vítima tem seis meses para fazer representação, depois decai do direito”, explica.
A polícia envia uma notificação ao criminoso ao identificá-lo e ele deve comparecer para o julgamento. Por ser um crime anão, a pena é alternativa. O mais importante para a delegada é que as mulheres não desistam de processar o agressor e sigam com a denúncia até o fim.